PÍLULA

Viagra é promissor contra o Alzheimer, mostram pesquisas

Estudo estatístico mostra que a substância está associada a uma redução significativa no risco de desenvolvimento da doença neurodegenerativa. Descobertas precisam ser replicadas em pesquisas clínicas

Paloma Oliveto
postado em 07/12/2021 06:00
Idosa com Alzheimer em casa de repouso na França: 35,6 milhões de pessoas convivem com a doença no mundo -  (crédito: Sebastien Bozon/AFP)
Idosa com Alzheimer em casa de repouso na França: 35,6 milhões de pessoas convivem com a doença no mundo - (crédito: Sebastien Bozon/AFP)

Nos anos 1990, ela revolucionou o tratamento da disfunção erétil. Depois, descobriu-se que a pílula azul também era eficaz para reduzir hipertensão pulmonar. Agora, pesquisadores da Clínica Cleveland, nos EUA, afirmam que o sildenafil — substância do Viagra e do Ravatio — é um candidato promissor para a prevenção e o manejo da doença de Alzheimer. Em um estudo publicado na revista Nature Aging, os cientistas relataram uma redução de 69% do mal neurodegenerativo em usuários desses medicamentos. Porém, a associação foi feita por modelo computacional e, antes que haja confirmação da indicação, é preciso realizar diversos estudos clínicos.

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), 35,6 milhões de pessoas convivem com a doença de Alzheimer, caracterizada pela perda progressiva das funções cognitivas. Esse número pode triplicar até 2050. No Brasil, uma pesquisa da Universidade Federal de Pelotas, no Rio Grande do Sul, estimou em 1 milhão o número de pacientes, cenário que será quatro vezes maior em três décadas, segundo os especialistas.

A equipe de Cleveland, chefiada por Feixiong Cheng, do Instituto de Medicina Genômica, primeiramente integrou dados genéticos e biológicos para que um algoritmo determinasse quais dos mais de 1,6 mil medicamentos aprovados pela Food and Drug Administration (FDA) para diversas doenças poderia também combater o Alzheimer. A ideia era aproveitar remédios preexistentes, o que significa uma economia de anos, ou décadas, no estudo de uma droga.

O estudo computacional teve como foco os medicamentos que atuam em duas proteínas já amplamente conhecidas pelo envolvimento com a doença de Alzheimer: a amiloide e a tau, localizadas no cérebro. O resultado apontou para o sildenafil, conta Cheng. "Essa substância, que demonstrou melhorar significativamente a cognição e a memória em modelos pré-clínicos, apresentou-se como o melhor candidato a medicamento", disse, em um comunicado de imprensa.

Banco de dados

Com essa informação, a equipe voltou-se para um banco de dados de mais de 7 milhões de pacientes norte-americanos, usuários e não usuários do sildenafil. "Notavelmente, descobrimos que o uso de sildenafil reduziu a probabilidade de Alzheimer em indivíduos com doença arterial coronariana, hipertensão e diabetes tipo 2, todos as quais são comorbidades significativamente associadas ao risco da doença, bem como naqueles sem (essas enfermidades)", acrescentou Cheng.

Os usuários da substância tinham 69% menos probabilidade de desenvolver doença de Alzheimer após seis anos de acompanhamento. Em comparação a outras drogas que estão sendo testadas para o mal neurodegenerativo, o Viagra/Ravatio saiu-se melhor que o losartan (redução de risco de 55%), metformina (63%), diltiazem (65%) e glimepirida (64%).

Usando uma grande rede de mapeamento de genes, os pesquisadores integraram dados genéticos e outras informações biológicas para verificar quais dos mais de 1.600 remédios teriam efeito.

Para testar as descobertas estatísticas em laboratório, os cientistas desenvolveram um modelo de célula cerebral derivado de células-tronco de um paciente de Alzheimer. Nesse material, eles descobriram que o sildenafil estimula o crescimento dos tecidos do cérebro, ao mesmo tempo em que diminui a hiperfosforilação da proteína tau, fornecendo algumas dicas sobre a possível atuação da droga.

"Como nossas descobertas apenas estabelecem uma associação entre o uso de sildenafil e a redução da incidência da doença de Alzheimer, agora estamos planejando um ensaio mecanístico e um ensaio clínico randomizado de fase II para testar a causalidade e confirmar os benefícios clínicos do sildenafil para pacientes com Alzheimer", disse Cheng. "Também prevemos que nossa abordagem seja aplicada a outras doenças neurodegenerativas, incluindo doença de Parkinson e esclerose lateral amiotrófica, para acelerar o processo de descoberta de drogas."

Embora tenha considerado o estudo interessante "do ponto de vista científico", Tara Spires-Jones, diretora adjunta do Centro Descobertas Científicas sobre o Cérebro da Universidade de Edimburgo, não está convencida de que o Viagra poderá prevenir ou tratar Alzheimer. "O estudo analisa dados de um grande número de pessoas, mas há várias limitações importantes a serem consideradas. Os dados fornecidos pelas companhias de seguros não são muito detalhados e não incluem informações sobre outros fatores de risco importantes para a doença de Alzheimer, como genes e nível de educação. As mulheres correm maior risco de Alzheimer do que os homens e, como este medicamento, o sildenafil é mais comumente usado para a disfunção erétil, houve menos mulheres tomando a droga neste estudo, e o efeito nas mulheres que tomaram o medicamento não foi tão forte", destaca.

Spires-Jones lembra que os próprios autores apontam, no estudo, que esse tipo de pesquisa de dados não pode, sozinho, determinar se a droga realmente previne e trata a doença. "Existem outras explicações possíveis para as descobertas estatísticas; por exemplo, sabemos que as mudanças cerebrais começam décadas antes dos sintomas de demência e é possível que essas mudanças iniciais do Alzheimer reduzam o desejo sexual — assim, as pessoas não pediriam uma receita para disfunção erétil", acredita. "Mais trabalho será necessário para saber se essa droga pode realmente reduzir o risco de doença de Alzheimer", afirma. 

Reconhecendo as limitações, Ivan Koychev, pesquisador clínico sênior da Universidade de Oxford, considera o trabalho promissor. "É uma pesquisa estimulante, pois aponta para um medicamento específico que pode oferecer uma nova abordagem para o tratamento da doença. Também ressalta o valor de explorar se os medicamentos disponíveis podem ser úteis para mudar o curso da doença de Alzheimer", assinala o especialista. "Essa abordagem de 'reaproveitamento' pode reduzir o período de descoberta da droga em anos e reduzir o risco de falha, pois já sabemos o quão seguras essas drogas são em humanos", conclui Koychev.

 


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