Yue Wu (D) e alunos desenvolveram o catalisador que sequestra o metano com segurança e eficiência

O vilão da vez

O gás metano preocupa cientistas e autoridades por seu impacto climático e suas especificidades. O poluente responsável por 30% do aquecimento global é de difícil mensuração e tem um poder destrutivo proporcionalmente maior que o do CO2

Paloma Oliveto
postado em 19/12/2021 00:01
 (crédito: ILYA NAYMUSHIN)
(crédito: ILYA NAYMUSHIN)

Até um mês atrás, o metano não havia recebido a atenção que merece. Pouco citada nas discussões sobre clima, essa importante fonte de gás de efeito estufa é quase tão culpada quanto o carbono pelo superaquecimento do planeta. Porém, a Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática (COP26), na Escócia, apontou seu papel na crise global, lançando a pergunta do que se fazer com esse poluente emitido não apenas por tubulações, mas por aterros, resíduos alimentares e pelo crescente setor agropecuário.

De acordo com cientistas climáticos, embora o metano seja responsável por cerca de 10% da emissão humana de gases de efeito estufa, ele responde por 30% dos impactos das mudanças climáticas. O gás tem um mecanismo destrutivo desproporcional: uma tonelada da substância na atmosfera produz 84 vezes mais aquecimento do que a mesma quantidade de dióxido de carbono.

O metano não dura tanto quanto o carbono na atmosfera. Mas é uma falsa vantagem, explica Michelle Nowlin, especialista em política ambiental da Universidade de Duke. "Ele se dissipa em uma escala de tempo de 20 anos, enquanto o dióxido de carbono pode levar 100 anos", diz. "Mas o estrago que faz nesses 20 anos é significativamente maior do que o do carbono em um século. Portanto, é um prazo muito mais curto, mas uma contribuição muito mais intensa para o aquecimento global do que o próprio CO2."

A atenção sem precedentes que se voltou ao metano na COP26 levou líderes mundiais a tomarem medidas para restringir as emissões do gás. Mais de 100 países — inclusive o Brasil — assinaram um compromisso global para reduzir a produção da substância em 30% nos próximos nove anos. Porém, segundo Fred Krupp, presidente da organização não governamental Fundo de Defesa Ambiental, que esteve na COP, o metano tem mais um complicador: a quantidade total do gás liberado na atmosfera é apenas uma estimativa, devido à dificuldade de capturá-lo e medi-lo.

Por exemplo, a maior parte do metano gerado pela pecuária — um importante emissor global — é dispersa pela boca e pelo intestino do gado, e não por seu estrume, o que se torna um desafio óbvio, destaca. "Mas os recentes avanços tecnológicos estão tornando possível medir com mais precisão o gás detectado no ar, e a tecnologia para permitir seu uso como combustível em algumas condições se tornou mais acessível", destaca Krupp.

Segundo Stefan Frank, pesquisador do Grupo de Pesquisa Integrada de Futuros da Biosfera do Instituto Internacional de Análise de Sistemas Aplicados, as especificidades do metano exigem políticas de mitigação diferenciadas daquelas voltadas ao CO2. Ele é um dos autores de um artigo publicado na revista Nature Food sobre as emissões da agropecuária. A pesquisa explorou como os efeitos do gás no aquecimento de curto ou longo prazo podem afetar as políticas mitigatórias e as transições dietéticas na agropecuária.

Ações imediatas

Os resultados indicam que as políticas de mitigação focadas no impacto de curto prazo do metano levam a maiores reduções de emissões. "O estudo destaca a importância das opções de redução do metano para desacelerar a contribuição da agricultura para o aquecimento global", explica Frank. "Dada a curta vida atmosférica do metano, que não só produz efeitos climáticos em um horizonte de tempo relativamente curto, mas também contribui para as mudanças climáticas, isso o torna um elemento interessante e essencial no desenho de políticas de mitigação agrícola", explica.

Em um documento distribuído recentemente, a Sociedade Norte-Americana de Química (ACS) também destacou que, independentemente do setor, as ações focadas em curto prazo são a base para reduzir o impacto do metano nas mudanças climáticas. "A redução das emissões de dióxido de carbono é crucial para o combate às mudanças climáticas, mas o dióxido de carbono já emitido ficará na atmosfera por centenas de anos, o que significa que demorará para que os esforços de mitigação apresentem benefícios", diz a publicação. "Em contraste, a vida média do metano é de 12 anos, mas tem 84 vezes o efeito de aquecimento do dióxido de carbono em 20 anos. Portanto, cortá-lo agora produziria resultados mais imediatos para desacelerar o aquecimento global."

Apesar da dificuldade de se calcular a quantidade do gás liberado na atmosfera, estima-se que 60% das emissões de metano vêm de humanos, com a indústria de combustíveis fósseis e a agricultura sendo os dois maiores contribuintes. O documento da ACS defende que "uma das maneiras mais econômicas de reduzir emissões na indústria de combustível fóssil é selar poços e minas abandonados, consertar equipamentos defeituosos e vazamentos de oleodutos". Os satélites de monitoramento de metano de alta resolução, com lançamento previsto para os próximos anos, facilitarão a detecção dos escapes e fornecerão dados com mais acurácia sobre as emissões.

Origem animal

Soluções para o setor de alimentos são urgentes, segundo pesquisadores da Universidade de Illinois, câmpus de Urbana-Champaign. Eles publicaram um estudo também na Nature Food indicando que os países com maiores emissões de gases de efeito estufa provenientes de alimentos de origem animal — incluindo o metano — são a China, com 8%; o Brasil com 6%; os EUA, com 5%; e a Índia, com 4%.

Com as projeções de aumento da população, o quadro tem tudo para piorar, aponta Atul Jain, professor de ciências atmosféricas e líder do estudo. "Estimamos que o crescimento populacional vai impulsionar a expansão dos subsetores de alimentos, incluindo cultivo de safras e produção de gado, bem como transporte e processamento de produtos, irrigação e materiais como fertilizantes e pesticidas", diz Jain. "O desenvolvimento de estratégias de mitigação do clima deve se basear em estimativas precisas das emissões de GEE de todas as fontes, incluindo aquelas provenientes da produção e do consumo de alimentos vegetais e animais totais e individuais."

Notícias pelo celular

Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.


Dê a sua opinião

O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.

Foco nas emissões "fugitivas"

 (crédito:  Arquivo Pessoal)
crédito: Arquivo Pessoal

"As mudanças climáticas são, invariavelmente, ligadas à queima de combustível fóssil, mas uma grande quantidade das emissões de carvão, óleo e gás realmente ocorre muito antes de chegar à estação de energia, à bomba de gasolina ou ao fogão. Essas chamadas emissões 'fugitivas' — decorrentes de vazamentos e liberação do poderoso gás de efeito estufa metano — representam uma parte do suprimento global de energia que causa desperdício e grande dano. Tapar os vazamentos e capturar o metano fugitivo causariam uma grande redução nas emissões globais, produziriam benefícios rápidos em termos de aquecimento reduzido e melhoria da qualidade do ar e, em muitos casos, podem ser feitos a um custo líquido baixo, zero ou mesmo negativo. Há muitas escolhas difíceis a serem feitas se o mundo deseja cumprir as metas climáticas de Paris, mas pôr fim às emissões fugitivas de metano é fácil: faça isso."

Dave Reay, presidente em Gestão de Carbono e diretor do Instituto de Mudanças Climáticas de Edimburgo, Universidade de Edimburgo

Captura mais eficiente

 (crédito: Christopher Gannon/Iowa State University/Divulgação )
crédito: Christopher Gannon/Iowa State University/Divulgação

Uma das dificuldades para mitigar os efeitos das emissões de metano reside no fato de que esse gás natural é difícil de decompor, tornando desafiadora a missão de retirá-lo da atmosfera com eficiência. O principal componente do poluidor não é quimicamente complexo: uma molécula do hidrocarboneto é constituída apenas por um átomo de carbono e quatro de hidrogênio. Porém, essa ligação não se quebra facilmente.

O processo de decomposição da molécula envolve temperaturas muito altas e uma mistura de gás inflamável com oxigênio, o que, além de caro, é potencialmente explosivo. Outras reações de conversão não são muito eficientes e também produzem o mais abundante dos gases de efeito estufa, o dióxido de carbono.

Há anos, pesquisadores da Universidade Estadual de Iowa, nos EUA, procuram maneiras de sequestrar o metano da atmosfera de maneira segura e eficiente. Agora, o grupo, liderado por Yue Wu, acredita ter chegado a uma resposta. Em um artigo publicado na revista Nature Catalysis, os cientistas descreveram um catalisador que, segundo eles, ajudará a superar esse desafio.

"Os resultados forneceram uma solução potencial e representaram a melhor estabilidade, taxa de conversão e seletividade para converter metano em etano ou etileno, dois principais precursores da indústria petroquímica moderna", diz Wu. O catalisador consiste em uma ou duas camadas de platina, cada uma delas com apenas um átomo de espessura, depositadas em estruturas de carboneto de metal bidimensionais chamadas MXenes. Nesse caso, as estruturas são feitas de carbono, molibdênio e titânio.

Wu conta que o grupo de pesquisa descobriu que as camadas finas permitem, essencialmente, que cada átomo de platina seja usado como um catalisador, evitando a formação de resíduos que cobrem e desativam o metal. Isso significa que menos platina é necessária para fazer o catalisador. "Nunca vimos carboneto tão ativo", diz Wu, sobre a nova tecnologia.

Segundo o pesquisador, o grupo começou a usar o método para remover o hidrogênio do gás de xisto, encontrado em formações dessa rocha. O trabalho evoluiu para estudar outras reações, até chegar à atual. Wu explica que o segredo para a conversão de metano em etano/etileno consiste em tornar os carbonetos puros o suficiente e as superfícies limpas para suportar as reações.

Se tudo correr bem, essas reações exibem cerca de 7% de conversão de metano com cerca de 95% de seletividade para etano/etileno. Os produtos podem ser transformados em plásticos e resinas, como o comum e onipresente polietileno. "Notavelmente, esses novos catalisadores funcionam por 72 horas de operação contínua sem quaisquer sinais de desativação, indicando um início promissor em direção a tecnologias adequadas para exploração em escala industrial", diz Wu. (PO)

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação