Inovação

Vacina de segunda geração gera mesma resposta com dose dez vezes menor

Resultados prelimares de um pequeno estudo que testou uma vacina para covid-19 baseada em RNA mensageiro auto-amplificado mostram uma resposta imunológica significativa. A abordagem foi projetada para combater variantes do vírus

Paloma Oliveto
postado em 05/01/2022 06:00 / atualizado em 05/01/2022 09:09
 (crédito:  JAVIER TORRES/AFP)
(crédito: JAVIER TORRES/AFP)

Os primeiros resultados da segunda geração de uma vacina de mRNA para covid-19 mostraram que a substância, desenvolvida pela Universidade de Manchester, a Fundação Trust e a companhia norte-americana Gritstone bio, gera uma ampla resposta imunológica, semelhante à dos imunizantes atuais, mas numa dosagem até 10 vezes menor. O anúncio foi feito em um comunicado à imprensa e refere-se a um pequeno estudo realizado com 10 pessoas.

A tecnologia empregada é a de mRNA de autoamplificação, ou samRNA, e leva ao organismo antígenos tanto da spike, usada pelo Sars-CoV-2 para entrar nas células do hospedeiro, quanto de outras proteínas virais. Ela atua de forma semelhante à das vacinas de RNA mensageiro atuais, mas há uma importante diferença em relação a essa abordagem. Uma vez injetada no músculo, a mensagem genética faz cópias de si mesma (se autoamplifica), gerando um número de "instrutores" bem maior. Isso significa que a substância pode produzir respostas imunológicas fortes e consistentes em uma dosagem muito menor que os outros imunizantes baseados em RNA.

Os resultados divulgados ontem também mostram que a vacina, que está sendo testada agora com 20 pessoas acima de 60 anos, é segura e bem tolerada. Todos os participantes receberam anteriormente duas doses do imunizante de primeira geração da AstraZeneca, cuja plataforma é diferente, baseando-se no vetor viral não replicante.

Células T

Segundo o comunicado, a vacina de samRNA também produziu amplas respostas de células T CD8 contra alvos de proteínas virais do SARS-CoV-2, e células T específicas da spike. Com base nos resultados, o estudo agora está sendo expandido para 120 pessoas, abrindo a possibilidade de um avanço mais rápido em direção a um ensaio clínico com um número significativamente maior posteriormente.

"Como vimos com a variante ômicron, as proteínas de superfície viral, como a spike, estão sofrendo mutações em altas taxas, deixando vulnerável a imunidade fornecida pelas vacinas", disse, em nota, Andrew Allen, cofundador e presidente da Gritstone. "Projetamos nossas vacinas para covid-19 de forma a impulsionar a ampla imunidade das células T CD8 , fornecendo uma camada adicional de proteção contra o vírus."

"Acreditamos que esta vacina, como um reforço, provocará respostas imunológicas fortes, duráveis e amplas, que podem ser críticas para manter a proteção da população idosa vulnerável, que está particularmente em risco de hospitalização e morte", diz Andrew Ustianowski, consultor em doenças infecciosas de medicina tropical da Universidade de Manchester, no Reino Unido, e investigador chefe do estudo. "É cada vez mais aparente que um foco em células T é uma forma importante de gerar imunidade robusta e durável, que pode evitar que as variantes futuras do Sars-Cov-2 causem doenças graves, hospitalização e morte. De acordo com Ustianowski, nos próximos meses serão publicados dados adicionais do estudo.

O infectologista Peter English, ex-editor da revista Vaccines in Practice, observa que, embora as vacinas atuais sejam "surpreendentemente eficazes", já era esperado que o Sars-CoV-2 sofresse mutações, assim como outros coronavírus. "Várias abordagens são possíveis para impedir que o vírus seja capaz de evitar o sistema imunológico, à medida que a proteína spike evolui", diz English, que não participou do estudo do novo imunizante. "Uma delas é estimular anticorpos para uma variedade de antígenos virais diferentes - não apenas o referente à spike, mas também para outras partes do vírus que podem sofrer mutação mais lenta. Esta é a abordagem adotada com esta vacina experimental: ele leva antígenos da proteína spike e de outras proteínas do Sars-CoV-2", explica.

Assim, continua o especialista, o imunizante de Manchester é projetado para induzir, em particular, uma forte resposta de células T, e não apenas de anticorpos. Essa reação provavelmente reconhecerá e protegerá o organismo não só do vírus original, mas das versões mutantes. English observa que o comunicado da Gritstone bio sugere que a substância poderá ser "um primeiro passo para o desenvolvimento de uma vacina de pan-coronavírus", ou seja, um imunizante que incorpore partes do micro-organismo que são comuns a outros coronavírus, como o do resfriado, o Mers e o Sars.

O cientista ressalta que os resultados apresentados são de um estudo inicial muito pequeno ainda. "No entanto, os resultados são muito encorajadores. Com novas variantes em constante evolução, as vacinas com mais eficácia podem ter um lugar em nosso futuro arsenal."

 

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Mais pessoas imunizadas

Embora os detalhes  ainda não tenham sido tornados públicos e os dados completos deste ensaio não tenham sido apresentados, os resultados preliminares parecem muito promissores. Primeiro, a vacina gera uma resposta imune não apenas relativa à proteína spike, mas também a algumas das outras proteínas do vírus. Isso é importante porque as outras proteínas diferem muito menos entre as variantes do que a spike; portanto, esperaríamos um melhor grau de proteção cruzada contra diferentes mutações. Em segundo lugar, a nova vacina é baseada em RNA autoamplificador (samRNA). Como se amplifica, é necessária apenas uma pequena dose — o que deve permitir vacinar muito mais pessoas com a mesma quantidade da vacina. Estamos ansiosos para ver os resultados completos deste ensaio promissor e os potenciais testes futuros em indivíduos que não tiveram uma infecção anterior de covid-19 nem receberam outro imunizante.

Charles Bangham,

professor de Imunologia do Imperial College London

Desenvolvimento de bebês foi afetado

 (crédito: Jonathan Nackstrand/AFP)
crédito: Jonathan Nackstrand/AFP

Pesquisadores da Universidade de Columbia, nos EUA, descobriram que bebês nascidos durante o primeiro ano da pandemia de covid-19 tiveram pontuação inferior em um teste de triagem de desenvolvimento de habilidades sociais e motoras aos 6 meses, independentemente de suas mães terem tido a doença durante a gravidez, em comparação com os que nasceram antes da crise global de Sars-CoV-2. O estudo, que incluiu 255 crianças, foi publicado na revista Jama.

"Bebês nascidos de mães com infecções virais durante a gravidez têm um risco maior de déficits de neurodesenvolvimento", diz Dani Dumitriu, assistente de pediatria da Universidade de Columbia e pesquisador principal do estudo. "Ficamos surpresos ao não encontrar absolutamente nenhum sinal sugerindo que a exposição ao coronavírus durante o útero estava associada a déficits de desenvolvimento neurológico. Em vez disso, estar no útero de uma mãe enfrentando a pandemia foi associado a pontuações ligeiramente mais baixas em habilidades motoras e sociais, embora não em outras, como de comunicação ou resolução de problemas. Os resultados sugerem que a enorme quantidade de estresse sentido pelas mães grávidas durante esses tempos sem precedentes pode ter desempenhado um papel", afirma. 

O especialista ressalta que as diferenças não foram grandes. "Mas essas pequenas mudanças merecem atenção cuidadosa porque, em nível populacional, podem ter um impacto significativo para a saúde pública. Sabemos disso por meio de outras pandemias e desastres naturais."

Embora o estudo não tenha medido o estresse materno durante a gravidez, o pesquisador diz que é possível que a ansiedade causada pela pandemia e vivenciada pelas mães durante a gestação explique a queda nas habilidades motoras e sociais detectadas em bebês nascidos durante a crise do coronavírus.

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