Meio Ambiente

Cresce o impacto do aquecimento global nos oceanos; entenda consequências

O aquecimento global tem impactado drasticamente o maior ecossistema do planeta, alertam cientistas. A falta de oxigênio e o aumento da temperatura das águas são alguns dos fenômenos que ameaçam a fauna e a flora marinhas

Paloma Oliveto
postado em 06/02/2022 06:00
 (crédito:  Beger lab/Divulgação)
(crédito: Beger lab/Divulgação)

Mais de 70% do planeta constitui um mundo completamente diverso do solo firme. Os oceanos, de onde surgiu a vida na Terra, têm flora e fauna próprias, exibem fenômenos únicos e passam por ciclos absolutamente diferentes do que se conhece na superfície terrestre. Porém têm sido tão ou mais afetados que os continentes pelo aquecimento decorrente das atividades humanas.

Os oceanos nunca estiveram tão quentes, com consequências para territórios costeiros, que podem ser engolidos pelo aumento do nível do mar, e ainda mais severas para o ecossistema marinho. As previsões para um futuro próximo são catastróficas, de acordo com pesquisas recém-publicadas. Uma delas, divulgada, na semana passada, na revista Geophysical Research Letters, aponta que, em menos de 60 anos, 70% dos mares podem sufocar por falta de oxigênio em decorrência das mudanças climáticas. Segundo o artigo, as profundezas — de onde vêm muitas espécies pesqueiras — já estão perdendo o gás a taxas não naturais.

Os oceanos transportam oxigênio dissolvido como gás e, assim como os animais terrestres, os aquáticos dependem disso para respirar. Mas à medida que as águas se aquecem devido à concentração atmosférica de gases de efeito estufa, elas podem começar a se desoxigenar. Os cientistas acompanham esse declínio constante há anos, mas o novo estudo, de acordo com os pesquisadores da Universidade de Jiao Tong de Xangai, "fornece novas e urgentes razões para nos preocuparmos".

Essa é a primeira pesquisa que usa modelos climáticos para prever como e quando a desoxigenação ocorrerá nos oceanos devido às mudanças climáticas. Os resultados indicaram que a perda significativa e potencialmente irreversível do oxigênio dissolvido nas profundezas médias começou no ano passado, já afetando a pesca em todo o mundo. A modelagem também prevê a falta de oxigênio em todas as zonas até 2080.

Yuntao Zhou, oceanógrafa da Universidade de Jiao Tong de Xangai e principal autora do estudo, explica que as profundidades médias — de 200 a 1 mil metros abaixo do nível do mar —, chamadas zonas mesopelágicas, serão as primeiras a perder quantidades significativas de oxigênio. Em todo o mundo, essa região abriga muitas das espécies pescadas comercialmente. "A desoxigenação também afeta outros recursos marinhos, mas a pesca talvez esteja mais relacionada à nossa vida diária", diz.

Zhou conta que o aumento anormal das temperaturas provoca menos circulação de O2 entre as camadas do oceano. "A camada intermediária é particularmente vulnerável à desoxigenação porque não é enriquecida com oxigênio pela atmosfera e pela fotossíntese, como a superior. Além disso, a maior decomposição das algas — um processo que consome oxigênio — ocorre nessa camada", afirma.

 

Pesqueiro no Atlântico: atividade prejudicada pela falta de oxigenação no mar. Problema pode afetar todas as zonas oceânicas até 2080
Pesqueiro no Atlântico: atividade prejudicada pela falta de oxigenação no mar. Problema pode afetar todas as zonas oceânicas até 2080 (foto: Paul Einerhand/Unsplash/Divulgação)

 

Simulações

Os pesquisadores identificaram o início do processo de desoxigenação em três zonas de profundidade do oceano — rasa, média e profunda —, modelando quando a perda de oxigênio da água excede as flutuações naturais nos níveis do gás. O estudo previu quando o fenômeno ocorrerá em bacias oceânicas globais usando dados de duas simulações: uma representando um cenário de altas emissões de gases de efeito estufa, que provocam as mudanças climáticas, e a outra representando um quadro de baixas emissões.

Em ambas as simulações, a zona mesopelágica perdeu oxigênio na taxa mais rápida e na maior área dos oceanos globais. Porém, no cenário de baixas emissões, o processo começa 20 anos depois. Os pesquisadores também descobriram que os oceanos mais próximos dos polos, como o oeste e o norte do Pacífico e os do sul, são particularmente vulneráveis à desoxigenação. "Não sabemos ao certo o porquê, embora o aquecimento acelerado possa ser o culpado", diz Zhou.

Segundo a pesquisadora, áreas nos trópicos conhecidas por terem baixos níveis de oxigênio dissolvido, as zonas mínimas de oxigênio, também parecem estar se espalhando para regiões de alta latitude. "Isso é algo que precisamos prestar mais atenção", diz. "Mesmo se o aquecimento global fosse revertido, permitindo que as concentrações de oxigênio dissolvido aumentassem, não sabemos se o oxigênio dissolvido retornaria aos níveis pré-industriais".

'"As novas descobertas são profundamente preocupantes e aumentam a urgência de nos envolvermos significativamente na mitigação das mudanças climáticas", diz Matthew Long, oceanógrafo da Universidade de Colorado, em Boulder, que não participou do estudo. "A humanidade está mudando o estado metabólico do maior ecossistema do planeta, com consequências realmente desconhecidas para os ecossistemas marinhos. Isso pode se traduzir em impactos significativos na capacidade do oceano de sustentar a atividade pesqueira."

 

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Vigilância essencial

"O monitoramento contínuo do oceano global e regional é fundamental para entender a trajetória das mudanças climáticas globais e como essas mudanças estão afetando a sociedade. Os níveis do mar estão subindo globalmente, contribuindo para inundações costeiras mais frequentes, como os eventos 'Acqua Alta' em Veneza, durante 2019. As observações oceânicas são críticas para melhorar a capacidade de modelagem climática e entender os principais processos a fim de desenvolver informações robustas para os tomadores de decisão sobre as futuras mudanças climáticas."

Matt Palmer, oceanógrafo e professor-associado da Universidade de Bristol

Risco também à saúde humana

 (crédito:  Luke Helmer/Divulgação )
crédito: Luke Helmer/Divulgação

As consequências do aumento do calor oceânico não tem implicações apenas para o mundo marinho. Um estudo da Universidade de Exeter, na Inglaterra, descobriu que as temperaturas elevadas estão causando uma crescente diversidade das bactérias Vibrio nas regiões costeiras do Reino Unido. Os pesquisadores detectaram duas espécies — Vibrio rotiferianus e Vibrio jasicida — nunca registradas em águas da região e que podem prejudicar criaturas marinhas, como mariscos, mas também levantam preocupações para a saúde humana, diz o artigo, publicado na revista Water Research.

Algumas bactérias Vibrio podem causar gastroenterite quando ingeridas em mariscos crus ou mal cozidos e também infecções de pele. Os pesquisadores dizem que a disseminação das espécies do micro-organismo resultou em um "aumento mundial" de infecções por vibriose em humanos e animais aquáticos.

"As espécies de Vibrio podem ser encontradas frequentemente nas águas do Reino Unido, no verão, quando as temperaturas são mais favoráveis para elas", diz Sariga Wagley, pesquisadora da Universidade de Exeter. "Com as temperaturas da superfície do mar aumentando devido às mudanças climáticas, a atividade dessas bactérias nas águas é mais comum, sendo que a diversidade de espécies agora está aumentando."

A pesquisadora enfatiza que o cozimento completo mata as bactérias nocivas Vibrio em frutos do mar. "No entanto, o aumento da abundância e diversidade de bactérias cria riscos à saúde não apenas para as pessoas que comem frutos do mar, mas também para aquelas que usam o mar para fins recreativos, devido à ingestão infectada ou às bactérias que entram em feridas ou cortes expostos", afirma. (PO)

Limite de calor ultrapassado em 2014

Também divulgado na semana passada, um estudo da Universidade de Duke e da Administração Nacional Oceânica e Atmosférica dos EUA indicou que os oceanos ultrapassaram, há oito anos, um limite de aquecimento, registrando temperaturas extremas em mais da metade dos mares da Terra desde então. Ondas de calor marinhas, como a bolha de água quente no Oceano Pacífico entre 2014 e 2016 e um evento menor de 2019, podem causar proliferação de algas, branqueamento de corais e morte em massa de peixes e pássaros que se alimentam deles.

As definições de uma onda de calor marinha podem variar. Os pesquisadores analisaram dois conjuntos de dados globais de temperatura da superfície do mar de 1870 a 2019, usando os primeiros 50 anos para estabelecer uma linha de base histórica de como era o calor marinho extremo para cada pixel do oceano, para cada mês do ano. Os 2% mais quentes foram considerados extremos. Os cientistas, então, usaram isso como um parâmetro para mapear a prevalência desses fenômenos até 2019.

Kyle Van Houtan e Kisei Tanaka descobriram que 2014 marcou a primeira vez que mais da metade das temperaturas verificadas na superfície do oceano global foram consideradas extremas, em comparação com os registros históricos. Apenas três anos depois, esses níveis cobriram uma alta de 60% dos oceanos. O número era menos de um quinto no início de 1900. "Nosso novo índice de calor marinho extremo mostra que o oceano global cruzou uma barreira crítica em 2014 e, agora, é normal. Chegou, está aqui", diz Van Houtan, da Universidade de Duke. Enquanto os oceanos como um todo cruzaram o limite de 50% apenas recentemente, alguns o atingiram muito mais cedo. O Atlântico Sul ultrapassou a marca em 1998. "Isso foi há muito tempo. Eu acho isso realmente chocante", diz Van Houtan. (PO)

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