Cientistas e especialistas climáticos de 195 países começaram, na segunda-feira (14/2), a preparação da segunda parte do relatório que serve de base para as conferências do clima das Nações Unidas. Durante duas semanas, os componentes do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) se reúnem por teleconferência para entregar, até 28 de fevereiro, um documento de 40 páginas voltado aos formuladores de políticas públicas.
Na abertura do evento, o secretário-geral da Organização Meteorológica Mundial (OMM), também da ONU, deixou claro que o recado será duro. "Temos dopado a atmosfera. Nosso 'doping' tem sido o uso de combustíveis fósseis, e isso já levou a um aumento de desastres, com suas consequências humanas e econômicas", disse Petteri Taalas. Ele destacou, contudo, que na COP26, realizada no ano passado na Escócia, os alertas sobre o resultado do aquecimento global antropogênico foram ouvidos. "Os impactos das mudanças climáticas já são muito visíveis. Nós os vimos acontecendo no mundo todo. Isso foi entendido pelos chefes de estado em Glasgow. Não havia um único chefe de Estado que questionasse os fatos científicos. A mensagem foi passada e ouvida."
Os documentos do IPCC foram a base do Acordo de Paris, assinado em 2015, na França, e, como lembrou Taalas, estabeleceram uma mudança no nível de ambição das metas de contenção das mudanças climáticas. "O relatório anterior teve um impacto muito alto e isso foi um divisor de águas. Anteriormente, pensávamos que (limitar o aumento da temperatura a) 2°C seria suficiente como uma meta ambiciosa. Mas, depois dele, 1,5° C tornou-se o resultado desejado do trabalho de mitigação do clima para os próximos anos."
Periodicamente, os relatórios são atualizados com novas evidências científicas. Em agosto de 2021, o IPCC divulgou a primeira parte, antecipando para 2030 — uma década antes do previsto — a necessidade de se limitar o aumento de temperatura a 1,5°C até o fim do século, tendo como comparação os níveis pré-industriais. Agora, os especialistas discutem as consequências do aquecimento e as recomendações para enfrentá-las. Para abril, é esperado o restante do documento, que terá como foco as soluções para reduzir as emissões de gases de efeito estufa.
"Esta é a fase final de um processo de revisão rigoroso e meticuloso do relatório de avaliação de impactos, adaptação e vulnerabilidade às mudanças climáticas, construído com base em disciplinas científicas em diversas áreas do conhecimento", explicou Hoesung Lee, presidente do IPCC. "Nas próximas duas semanas, governos e cientistas examinarão o resumo para formuladores de políticas públicas, linha por linha." O trabalho não será fácil. Com referência a mais de 34 mil artigos científicos, o documento tem 5,7 mil comentários tanto de especialistas climáticos quanto de representantes governamentais.
Entre os impactos que serão discutidos no texto, estão a extinção de espécies, o colapso de ecossistemas, as doenças transmitidas pelos mosquitos, as ondas de calor letais, a seca e a redução das colheitas, que já são consequências observáveis concretas do aumento de temperatura mundial. No ano passado, a OMM destacou que 4,5 bilhões de habitantes do planeta sofreram algum grande desastre relacionado ao clima, nas últimas duas décadas. "Este relatório vai fortalecer as evidências científicas sobre a associação entre a perda de biodiversidade e as mudanças climáticas", disse Inger Andersen, diretora-executiva do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma). "Precisamos que nações, cidades, negócios, investidores e que cada ator se empenhe para alcançarmos a meta de 1,5°C."
O relatório, segundo Debra Roberts, um dos copresidentes do IPCC, "não é apenas uma lista de coisas que podem ser feitas, mas também uma avaliação da eficácia e viabilidade das medidas". Contudo, os autores do documento alertam que há limites à adaptação. "Em certas áreas, se as temperaturas ultrapassarem níveis muito elevados, a vida humana não será mais possível. Se em certas zonas costeiras o nível do mar subir mais de 1m, a proteção com diques não será mais possível", disse o climatologista Laurent Bopp, citado pela agência France Presse.
Saiba Mais
- Ciência e Saúde Cientistas desvendam mistério de vida 'tipo alienígena' nas profundezas do Ártico
- Ciência e Saúde Astrônomos identificam possível planeta habitável próximo à estrela morta
- Ciência e Saúde Homem é internado após enfiar fio de nylon no pênis enquanto assistia pornô
- Ciência e Saúde Entenda como uma mutação genética pode proteger contra Alzheimer
Notícias pelo celular
Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.
Dê a sua opinião
O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.
Indústria farmacêutica polui rios
Um estudo global analisando a presença de produtos farmacêuticos em rios de todo o mundo encontrou concentrações em níveis potencialmente tóxicos em mais de um quarto dos locais estudados. A pesquisa analisou 258 cursos d'água, incluindo o Amazonas, no Brasil, e o Tâmisa, em Londres, para medir 61 substâncias, como carbamazepina, metformina e cafeína. Os cientistas estudaram formações lacustres da metade de todos os países, sendo que, em 36 dessas nações, nunca havia sido realizada uma análise do tipo.
O estudo faz parte do Projeto de Monitoramento Global de Produtos Farmacêuticos, liderado pela Universidade de York, e é a primeira investigação em escala global de contaminação medicinal no meio ambiente. Entre outras constatações, a pesquisa destaca que: a poluição farmacêutica está contaminando a água em todos os continentes; há fortes correlações entre o status socioeconômico de um país e maior concentração de substâncias do tipo em seus rios; e as atividades mais associadas aos níveis mais elevados de poluentes incluem o despejo de lixo ao longo das margens, infraestrutura inadequada de esgoto e despejo de fossas sépticas residuais usadas pelas indústrias nos rios.
O estudo revelou que um quarto dos locais continha contaminantes (como sulfametoxazol, propranolol, ciprofloxacina e loratadina) em concentrações potencialmente prejudiciais. Embora pesquisas anteriores tenham monitorado ingredientes farmacêuticos ativos (IFAs) em rios, eles ignoraram muitos países, mediram apenas alguns contaminantes selecionados e empregaram diferentes métodos analíticos, afirmam os autores do artigo atual, publicado na revista Pnas. Cumulativamente, isso tornou difícil quantificar a escala do problema de uma perspectiva global.
"Sabemos há mais de duas décadas que os produtos farmacêuticos chegam ao ambiente aquático, onde podem afetar a biologia dos organismos vivos", disse John Wilkinson, um dos líderes do projeto. "Mas um dos maiores problemas que enfrentamos ao lidar com essa questão é que não fomos muito representativos no monitoramento desses contaminantes, com quase todos os dados focados em algumas áreas selecionadas na América do Norte, Europa Ocidental e China."