Atmosfera

Nuvem de Poeira do Saara, ‘Godzilla’, chega ao Brasil nos próximos dias

Apesar de parecer assustador e causar desconfortos momentâneos, fenômeno é importante para manter o equilíbrio ambiental na região amazônica

Jéssica Gotlib
postado em 09/03/2022 18:43
Chegada da areia do Saara a Porto Rico deixou o céu escuro na cidade de Río Piedras, em 2018 -  (crédito: NASA por Jeff Schmaltz, LANCE/EOSDIS Rapid Response)
Chegada da areia do Saara a Porto Rico deixou o céu escuro na cidade de Río Piedras, em 2018 - (crédito: NASA por Jeff Schmaltz, LANCE/EOSDIS Rapid Response)

"Apocalíptico e assustador" foram dois adjetivos atribuídos a um fenômeno natural tão corriqueiro quanto surpreendente, ocorrido em junho de 2020. Era a manifestação de uma das maiores nuvens de poeira do Saara que chegaram ao país nas últimas décadas, e deixou as pessoas impressionadas com o quão densa ela poderia ser. Apesar disso, a nuvem “Godzilla”, como ficou conhecida, não é incomum e acontecerá no Brasil nos próximos dias, conforme anunciam observatórios atmosféricos internacionais.

Na última sexta-feira (4/3), o fenômeno começou a se aproximar da costa brasileira e a previsão é de que chegue ao litoral do Nordeste até meados de março, segundo o Serviço de Monitorização da Atmosfera do Copernicus (CAMS). A nuvem de poeira do Saara também deve atingir o norte do país e quase todo o Caribe. Uma projeção do CAMS mostra onde estava a primeira parte do fenômeno na segunda-feira (7/3). Ao longo da viagem, fragmentos caem formando uma constante chuva de partículas e a nuvem se dissipa logo depois da chegada.

Inesquecível, mas extremamente comum

As partículas de areia carregadas através do Oceano Altântico desde o maior deserto do mundo até Estados Unidos, Caribe, Amérca Latina e sul da Europa causam espanto por alguns motivos. Primeiro porque, embora sejam frequentes — cientistas estimam que as tempestades movam cerca de 180 milhões de toneladas de poeira do deserto do Saara a cada ano —, nem sempre são notadas em zonas urbanas. Depois, o fenômeno pode ser mais ou menos intenso de acordo com as condições do tempo de cada ano.

Em 2018, as autoridades de Río Piedras, cidade de Porto Rico, precisaram pedir que a população não saíssem às ruas em determinado horário e usasse máscara para evitar agravar alergias respiratórias durante a passagem da Godzilla pela cidade. “Eu não conseguia enxergar o céu ou as nuvens, apenas uma camada acinzentada”, conta a pesquisadora Olga Mayol-Bracero à revista National Geographic na época. “Definitivamente, nunca observamos algo assim.”

O que é verdade, já que a nuvem de areia do Saara daquele ano foi a mais densa desde que os satélites começaram a monitorar este fenômeno, em 1979. Nada indica que algo semelhante esteja prestes a ocorrer no Brasil. O primeiro transporte de partículas do Saara em 2022 ocorreu entre janeiro e fevereiro e levou uma quantidade normal de aerossóis ao outro lado do Mar Mediterrâneo, chegando às Ilhas Canárias, sul de Portugal e Espanha.

Assim, é possível que brasileiros não vejam o céu escurecer nem algum cenário particularmente assustador nos próximos dias. Entretanto, é provável que os mais suscetíveis tenham maior dificuldade de respirar relacionada à poluição atmosférica causada pela nuvem saariana. Em todo caso, o efeito é provisório e dura apenas o suficiente para que as partículas se acomodem no solo.

“As comunidades locais no caminho do transporte de poeira podem usar essas informações, juntamente com as análises CAMS, para tomar medidas de mitigação”, destaca comunicado do Copernicus. O principal fator de preocupação é o futuro. As mudanças climáticas favorecem fenômenos naturais extremos, o que pode significar também um adensamento da Godzilla nos próximos anos. Por isso, o monitoramento constante é um importante aliado na previsão de eventos mais significativos no futuro.

Os aerossóis atmosféricos são pequenas partículas ou gotículas líquidas que ficam suspensas na atmosfera. Nesta imagem, uma projeção do CAMS para a dispersão de aerossóis em 9 de março de 2022
Os aerossóis atmosféricos são pequenas partículas ou gotículas líquidas que ficam suspensas na atmosfera. Nesta imagem, uma projeção do CAMS para a dispersão de aerossóis em 9 de março de 2022 (foto: CAMS, the Copernicus Atmosphere Monitoring)

Boa para o meio ambiente

Outro aparte nas características da nuvem de poeira do Saara é que ela traz consequências extremamente benéficas para os ecossistemas e para o clima dos locais por onde passa. Este fenômeno é resultado por 80% das chuvas na região da Amazônia Central, conforme estudo conjunto de pesquisadores do Brasil, Estados Unidos e Alemanha, realizado por mais de dez anos, cujo relatório final foi divulgado em 2018.

Em entrevista à BBC Brasil, o físico Paulo Artaxo, do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (IF-USP), explicou que a 'Godzilla' serve como um condensador do vapor que está na atmosfera, uma das condições ideiais para a formação de chuvas.

Além disso, as partículas de areia carregam minerais importantes do Norte da África aos locais em que chega no resto do mundo, como ferro e fósforo. Esses elementos enriquecem o solo e se transformam em toneladas de nutrientes para a vegetação local.

Por fim, enquanto está sobre o oceano, a poeira atua como uma barreira atmosférica contra a formação de tempestades tropicais, ciclones e até furacões. Isso porque as partículas agrupadas no ar acabam ‘abafando’ a mistura de ventos fortes e umidade com a espessa camada de ar seco, da mesma forma que ocorre quando o fogo fica sem oxigênio.

Pela capacidade de influenciar em diversos outros fenômenos, a Godzilla é considerada pelos estudiosos como um ‘curinga’ climático e um termômetro para entender as consequências das mudanças climáticas em curso desde o século XX.

Notícias pelo celular

Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.


Dê a sua opinião

O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação