Muito comum na população, a alergia demanda cuidados, já que a exposição a produtos alérgenos pode desencadear desde incômodos simples, como tosses e espirros, a falta de ar e outros problemas mais graves. Pesquisadores internacionais e brasileiros têm se dedicado a desenvolver novas abordagens —vacinas e uso de moléculas naturais, por exemplo — para amenizar e evitar as reações alérgicas, além de aperfeiçoar tratamentos disponíveis. Há resultados com efeitos promissores em testes (veja quadro) e a possibilidade próxima de uso clínico.
Um dos tratamentos mais explorados para cuidar de alergias alimentares é a imunoterapia oral, que consiste na introdução gradual do alimento alergênico para que o corpo humano deixe de reagir negativamente à exposição. Apesar dessa terapia render resultados positivos, ela desencadeia uma série de reações adversas em grande parte dos pacientes. Para driblar esse problema, pesquisadores da Austrália resolveram testar o uso de probióticos — micro-organismos que ajudam o intestino a funcionar melhor — combinado com a terapia tradicional.
Principal autora da pesquisa, Mimi Tang conta que a abordagem pode funcionar bem e desde cedo. "Iniciar um tratamento precocemente parece aumentar as chances de alcançar a remissão da alergia, e as crianças em idade pré-escolar são especialmente vulneráveis. Portanto, uma terapia que cause menos efeitos colaterais traz uma vantagem importante", explica, em comunicado, a pesquisadora do Murdoch Children's Research Institute.
No estudo, Tang e colegas selecionaram 201 crianças, de 1 a 10 anos, com alergia a amendoim e as dividiram em três grupos. Parte dos analisados recebeu a imunoterapia oral. Outro grupo, a terapia tradicional combinada com probióticos. A terceira parcela não recebeu intervenções, funcionando como grupo controle. O experimento durou 18 meses e, ao analisar os dados, os cientistas constataram que os dois primeiros grupos responderam bem ao tratamento, apresentando remissão da alegria — o que permitiu que passassem a ingerir quantidades pequenas do alimento.
No caso das crianças que receberam a combinação experimental, os resultados foram melhores. "A adição de um probiótico não melhorou significativamente a eficácia, em comparação com a imunoterapia oral isolada, mas pareceu aumentar a tolerabilidade do tratamento, com menos sintomas gastrointestinais, especialmente em crianças entre 1 e 5 anos de idade", detalha Tang. A equipe também concluiu que, na infância, o tratamento com imunoterapia oral, combinando ou não um probiótico, para alergia ao amendoim proporciona melhora significativa e substancial na qualidade de vida, em comparação ao tratamento padrão atual, que é evitar o alimento.
Ana Paula Moschione Castro, membro do Departamento Científico de Alergia Alimentar da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia (Asbai), explica como a mudança na flora intestinal pode estimular positivamente o sistema de defesa do corpo. "Oferecidas em parceria com a imunoterapia, essas bactérias ajudam bastante no processo de dessensibilização dos alimentos", diz.
Apesar dos resultados positivos obtidos pelos australianos, a médica brasileira lembra que se trata ainda de uma terapia experimental. "Ela se mostra promissora inicialmente, mas outras análises precisam ser feitas para confirmar essa eficácia, que foi vista apenas em testes feitos com alergias a amendoim. Por isso, não podemos dizer que ela se replicaria a outros alérgenos", afirma. Segundo Ana Castro, pesquisas envolvendo processos de dessensibilização sempre apresentam dados interessantes e que ajudam a enriquecer o arcabouço de conhecimentos sobre alergias. "Penso em montar um grupo de estudo com esse foco, com estratégias terapêuticas para o consumo do amendoim e de castanhas em geral", antecipa.
Arsenal bioquímico
Uma substância presente no veneno de formigas pode auxiliar o tratamento de alergias desencadeadas por medicamentos. A descoberta é fruto de uma investigação feita por cientistas chineses, que avaliaram uma biblioteca de substâncias naturais em busca de algum elemento com características antialérgicas. "Demos focos a venenos de insetos, pois eles apresentam ricos arsenais bioquímicos usados para reações de defesa. E as formigas são as espécies mais dominantes e diversificadas, com mais de 14.700 gêneros conhecidos. Por isso, nos debruçamos nesse imenso material em busca de moléculas promissoras para a nossa pesquisa", relata, em comunicado, Billy Chow, um dos autores do estudo e pesquisador da Universidade de Hong Kong.
Em suas análises, os cientistas isolaram, em laboratório, um pequeno peptídeo presente no veneno expelido pela formiga da espécie Tetramorium bicarinatum, chamado P17, que se mostrou eficaz também em pesquisas anteriores relacionadas ao desenvolvimento de remédios. Com a ajuda de uma série de sistemas computacionais, a equipe testou a interação de P17 com moléculas do organismo humano responsáveis pelo desencadeamento de reações alérgicas. Constatou-se que o peptídeo interagiu com o receptor MRGPRX2, que é o responsável por reações pseudoalérgicas, desencadeadas após o uso de uma série de medicamentos.
Para o grupo, o P17 pode ser usado como base para a criação de tratamentos de alergia mais eficazes, além de auxiliar no desenvolvimento de remédios que não provoquem reações pseudoalérgicas. "Uma mensagem importante que devemos tirar dessa descoberta é que a biodiversidade é um dos nossos maiores tesouros, e temos que usá-la com sabedoria", frisa Karthi Duraisamy, também autor do estudo. "Nossos resultados mostram que as inovações científicas vêm da observação da natureza."
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Impacto na qualidade de vida
"Diante da complexidade do nosso sistema imunológico e da prevalência de reações alérgicas e pseudoalérgicas na população em geral, entender detalhadamente as vias envolvidas e as substâncias responsáveis por desencadear esses problemas, como nesse estudo sobre o peptídeo P17, presente no veneno de formigas, permite a elaboração de terapias específicas e mais eficazes. As pessoas com alguma doença alérgica, em geral, têm a qualidade de vida prejudicada pelos sintomas, o que pode interferir na produtividade do trabalho, na qualidade do sono e na vida social. Além disso, muitas vezes, necessitam de uso frequente de medicamentos, que, algumas vezes, podem levar a efeitos colaterais desagradáveis. Com a tecnologia, o avanço da medicina e o desenvolvimento de tratamentos cada vez mais eficazes e direcionados, há uma expectativa de que seja possível proporcionar a essas pessoas terapias que possam modular o sistema imunológico e atuar diretamente no controle dos sintomas alérgicos"
Mariana Bomfim Teixeira, alergista e imunologista do Hospital Anchieta de Brasília
Brasileiros investem em vacina sublingual
Um grupo da Universidade de São Paulo (USP) trabalha para tratar alergias por meio de uma nova vacina. O foco dos cientistas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto é a dermatite atópica, que pode causar erupções severas na pele. E a alternativa terapêutica, o extrato do Dermatophagoides pteronyssinus, um ácaro presente na poeira domiciliar. "Já havia estudos mostrando que a imunoterapia para ácaro funciona bem em casos de rinite, conjuntivite e asma alérgica, mas, para dermatite atópica, os resultados ainda eram conflitantes, principalmente quando o tratamento era feito com injeções subcutâneas", conta, à agência Fapesp de notícias, Luisa Karla de Paula Arruda, uma das responsáveis pelo trabalho, publicado na revista Journal of Allergy and Clinical Immunology: in Practice.
O grupo administrou o fármaco sublingual, três dias por semana, durante 18 meses, em metade de um grupo composto por 66 pacientes com dermatite atópica. A outra parte recebeu placebo. Constatou-se que o grupo que recebeu o imunoterápico apresentou reduções significativas dos sintomas alérgicos, como coceira e lesões na pele, sem registros de efeitos colaterais.
Os autores do trabalho acreditam que a nova vacina pode contribuir para o combate à dermatite atópica. "O controle ambiental para ácaros, que inclui colocação de capas impermeáveis em colchão e travesseiro, além da retirada de almofadas, carpetes e tapetes, e o tratamento tópico, com hidratação e uso de medicamentos específicos, são importantes para pacientes com dermatite atópica, mas, às vezes, insuficientes para o controle adequado dos sintomas", detalha Luisa Arruda. "A imunoterapia dá esse passo a mais e traz a melhora clínica que não tínhamos (…) Nossa pesquisa mostra uma aplicação prática, que pode ser utilizada por alergistas em seus pacientes."
Para Karina Cerqueira, alergista do Hospital Santa Marta, em Brasília, os resultados podem abrir as portas para mais uma opção terapêutica. "Essa pesquisa nos deixa muito otimistas no tratamento de pacientes com dermatite tópica, principalmente em casos de doenças moderadas a grave, em que o controle dos sintomas é bem difícil de ser feito com o tratamento convencional", avalia. A médica acredita que devam surgir novas pesquisas usando estratégia semelhante. "É certo que teremos inúmeros trabalhos como esse, o que ajudará no diagnóstico e no tratamento, principalmente, das alergias de controle mais difícil", opina.