Doenças pulmonares

Cientistas criam medicamento que impede formação excessiva de muco no pulmão

Em todo o mundo, as doenças pulmonares muco-obstrutivas afetam centenas de milhões de pacientes

Paloma Oliveto
postado em 24/03/2022 06:00
 (crédito: ANINDITO MUKHERJEE)
(crédito: ANINDITO MUKHERJEE)

Pacientes de asma grave e outras doenças pulmonares crônicas, como DPCO e fibrose cística, sofrem com uma condição potencialmente letal, a secreção descontrolada nas vias aéreas, para a qual não existe tratamento. Agora, porém, milhões de pessoas em todo o mundo poderão se beneficiar de uma nova terapia que tem esse sintoma como foco. Em um estudo publicado na quarta-feira (23/3) na revista Nature, cientistas de diversas instituições de pesquisa norte-americanas e alemãs anunciaram o desenvolvimento da primeira droga que impede a formação excessiva de muco.

Em todo o mundo, as doenças pulmonares muco-obstrutivas afetam centenas de milhões de pacientes. No Brasil, 20 milhões têm asma, 14 milhões foram diagnosticados com doença pulmonar obstrutiva crônica (DPCO) e mais de 5 mil convivem com a fibrose cística. A produção descontrolada de muco também afeta pacientes de câncer, cujo organismo fica imunocomprometido devido ao tratamento ou à própria enfermidade.

"A maioria dos medicamentos para essas condições funciona para reduzir a inflamação ou expandir as vias aéreas para ajudar as pessoas a respirar melhor, mas o muco é o problema mais sério", explica Burton Dickey, professor de medicina pulmonar do MD Anderson, no Texas, e coautor correspondente do estudo. "O muco é um problema significativo na medicina pulmonar, porque, em pessoas com essas doenças pulmonares comuns, o catarro espesso pode bloquear as vias aéreas e causar sintomas que variam de uma tosse leve a uma diminuição muito grave da função pulmonar", destaca.

O excesso de secreção ocorre devido à produção excessiva de mucinas, um tipo de proteína presente em vários tecidos, que fabrica géis como a saliva e o catarro. Nas vias aéreas, elas absorvem água e formam uma fina camada de muco protetor que prende os patógenos. Normalmente, são facilmente eliminadas pelos cílios e liberadas gradualmente.

Alvo

Nas doenças muco-obstrutivas, porém, grandes volumes da substância são liberados repentinamente e, como não conseguem absorver água, em vez de gel, as mucinas produzem um muco espesso, com potencial de obstruir as vias áreas, prejudicando a função pulmonar.

Dickey conta que seu laboratório começou a estudar a secreção de mucinas há duas décadas, conseguindo identificar os principais genes e proteínas envolvidos. "Construímos uma imagem de como era a maquinaria secretora e conhecíamos todos os principais atores", diz. "Uma vez que tivemos uma ideia de como todas as peças funcionavam juntas, determinamos que a sinaptotagmina-2 (Syt2) era a melhor proteína para bloquear a secreção de mucina, porque ela só é ativada com um alto nível de estimulação. Portanto, bloquear a atividade da Syt2 deve impedir a liberação maciça repentina de mucina, sem prejudicar a secreção de mucina de linha lenta e constante, necessária para a saúde das vias aéreas."

Com esse conhecimento prévio, a equipe do MD Anderson e da Universidade de Stanford, nos EUA, em colaboração com cientistas da Universidade de Ulm, na Alemanha, decidiram pesquisar uma droga que tivesse, portanto, a proteína Syt2 como alvo terapêutico. Os pesquisadores projetaram uma estrutura chamada peptídeo grampeado com hidrocarboneto (SP9), com a missão de bloquear a ação da sinaptotagmina-2.

Peptídeos grampeados são uma ferramenta terapêutica desenvolvida recentemente. Eles têm sido usados para tratar outras doenças, incluindo câncer. Porém, agora, foram projetados para ser inalados pelos pacientes, uma versão ainda inédita na medicina. No laboratório, os cientistas cultivaram células epiteliais, iguais às que revestem as vias aéreas, e as manipularam de forma que inibiam a secreção rápida de mucina, como acontece nas enfermidades muco-obstrutivas.

Depois, trataram camundongos com uma versão aerossol do SP9 e verificaram que, como o esperado, a droga reduziu a secreção de mucina e impediu o bloqueio das vias aéreas pelo muco. "Um medicamento inalado como esse pode ajudar alguém durante um ataque agudo de doença das vias aéreas, interrompendo a rápida secreção de mucina e, por extensão, evitando a produção de muco espesso. Você não pode mover o ar através de uma via aérea que está obstruída", diz Dickey. "Agora temos um medicamento que pode ser muito importante se for demonstrado que funciona em ensaios clínicos." Os cientistas vão aprimorar o SP9 grampeado antes de começar os estudos em humanos, acrescenta.

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Terapia monoclonal

Cientistas norte-americanos e japoneses desenvolveram anticorpos monoclonais que previnem a morte de células pulmonares em modelos de camundongos para fibrose pulmonar idiopática (FPI) e síndrome da doença respiratória aguda (SDRA). O avanço, juntamente com novas ferramentas de diagnóstico não invasivas apresentadas no mesmo estudo, pode ser um passo crítico no tratamento de doenças letais, para as quais existem poucas terapias eficazes. "Essas são descobertas muito empolgantes e promissoras e abrem as portas para testar este anticorpo monoclonal como uma estratégia terapêutica para ajudar a evitar a progressão da fibrose pulmonar e a SDRA em pacientes", escreveram, em comunicado.

Receptores evitam edema

 (crédito: YASUYOSHI CHIBA)
crédito: YASUYOSHI CHIBA

Também nos EUA, pesquisadores da Universidade de Brown e do Centro Médico de Veteranos de Providence, em parceria com cientistas da Universidade Anglia Ruskin, na Inglaterra, descobriram uma nova família de proteínas no pulmão, o que, segundo eles, abre caminho para um novo tipo de tratamento de pacientes com insuficiência respiratória. Eles publicaram o estudo na edição de ontem da revista Frontiers in Physiology.

Mais de 10% dos internos de unidades de terapia intensiva (UTIs) em todo o mundo sofrem de síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA), condição que tem uma taxa de mortalidade de quase 40%. Os pacientes que desenvolvem a SDRA — causada, principalmente, por pneumonia, cirurgias de grande porte, traumas, sepse e covid — precisam ser submetidos à ventilação mecânica.

Água

Segundo Havovi Chichger, professor de Ciências Biomédicas da Universidade Anglia Ruskin, a síndrome está associada a um aumento excessivo da permeabilidade vascular pulmonar, o que permite que proteínas e líquidos entrem no pulmão. Isso leva ao desenvolvimento de edema pulmonar, popularmente chamado de "água nos pulmões".

No novo estudo, os pesquisadores descobriram que os T2Rs, receptores comumente encontrados na língua, onde identificam o sabor amargo, também se encontram nos pulmões. Quando são estimulados com dois compostos chamados feniltiocarbamida e denatônio, eles ajudam a proteger o endotélio, a camada que reveste os vasos sanguíneos do órgão, impedindo a passagem de líquidos. "Essas descobertas indicam que a família de proteínas pode oferecer uma nova via de medicamentos para reduzir o vazamento de fluido no pulmão e, portanto, ajudar a tratar pacientes com problemas respiratórios", disse Chichger, em nota. 

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