Um grupo de cientistas internacionais surpreendeu o mundo, em 2001, ao mapear o genoma humano. Havia algumas lacunas no trabalho inédito e, mesmo assim, o projeto rendeu uma série de ganhos para a ciência e a medicina. Agora, graças a avanços na tecnologia e à insistência de outros pesquisadores, esses espaços em branco foram preenchidos. Seis artigos divulgados na renomada revista Science trazem os dados que faltavam para montar o grande quebra-cabeça que compõe um indivíduo. A expectativa é de que o primeiro sequenciamento de 100% do genoma humano — até então, tínhamos 92% — amplie a compreensão sobre problemas genéticos, como a síndrome de Down, a diversidade e a evolução humana.
O genoma, batizado de T2T-CHM13, contém um material extra de 200 megabases (unidade de medida de DNA) de informação genética, com dados relacionados a regiões complexas e repetitivas de cromossomos — até então consideradas um total mistério para a ciência. "Estamos vendo capítulos que nunca foram lidos antes", enfatiza, em comunicado à imprensa, Evan Eichler, pesquisador do Howard Hughes Medical Institute (HHMI), da Universidade de Washington, nos Estados Unidos, e um dos autores do estudo, que faz parte do consórcio Telomere-to-Telomere (T2T) e conta com mais de 100 cientistas.
Ao navegar por águas desconhecidas do genoma humano, os pesquisadores se depararam com segredos valiosos, como níveis inesperadamente altos de variação genética nos centrômeros — estruturas que ligam os pares de cromossomos e são essenciais para a multiplicação do DNA durante a divisão celular e a formação de óvulos e espermatozoides.
Erros relacionados aos centrômeros podem levar a problemas como abortos espontâneos, defeitos congênitos e cânceres. "Esse é um novo baú de variantes que podemos estudar para ver se tem um significado funcional", indica Adam Phillippy, cientista do Instituto Nacional de Pesquisa do Genoma Humano (NHGRI), nos EUA, e um dos líderes do estudo.
Detalhes de outra estrutura genética, os telômeros, também foram revelados. Eles servem como uma espécie de capa para os cromossomos, se desgastando e diminuindo de tamanho com o avançar da idade. Na presença de tumores, porém, voltam a crescer. Espera-se que as novas informações ajudem investigações que buscam explicar melhor o surgimento de cânceres e o envelhecimento.
A equipe também identificou genes que estão associados a cérebros maiores. O tamanho do órgão tem uma variabilidade grande, segundo os cientistas, e essa característica pode significar problemas durante a fertilização, quando os cromossomos da mãe e do pai se alinham e trocam peças. A constatação de que uma pessoa pode ter 10 cópias de um gene específico, enquanto outra, apenas uma ou duas foi outro fenômeno sobre a diversidade humana que chamou a atenção do grupo.
As descobertas não param por aí. Ao contrário, há uma variedade de novos campos a serem explorados. E uma das apostas é de que o trabalho impulsione a medicina personalizada. "No futuro, quando alguém tiver o genoma sequenciado, poderemos identificar todas as variantes no DNA e usar as informações para melhor orientar os cuidados com a saúde", diz Phillippy.
Saiba Mais
Origem europeia
Para isso, os pesquisadores pretendem sequenciar o DNA de centenas de pessoas de todo o mundo, em um projeto chamado pan-genoma, já que o material analisado até agora é apenas de origem europeia. "O objetivo é criar um genoma humano o mais completo possível, representando muito mais da nossa diversidade", afirma Phillippy.
Salmo Raskin, geneticista e diretor do Laboratório Genetika, em Curitiba, foi um dos pesquisadores que participaram do Projeto Genoma em 2003 e, agora, comemora os novos resultados. "Com essas novas informações, os pesquisadores podem fazer o que chamamos de genética comparativa, que é pegar o DNA de um chimpanzé, por exemplo, e ver o que temos de parecido e diferente com o humano", ilustra o também pediatra. "Outro ponto interessante é que esses especialistas encontraram informações relacionadas aos cromossomos 13,14,15, 21 e 22. O 21 é o que está relacionado à síndrome de Down, e esses dados podem ajudar a compreender melhor essa condição."
Segundo Raskin, a análise de um grupo maior, com pessoas de diferentes etnias, abrirá ainda mais possibilidades de investigações científicas. "Quando esses cientistas tiverem esse pangenoma completo, eles vão ter a quantidade de dados necessária para fazer diversas comparações que considerem outros fatores, como a região em que as pessoas vivem e a relação com questões de saúde", diz.