saúde

Morar em regiões constantemente atingidas por incêndios aumenta risco de câncer

A incidência de tumores no cérebro e nos pulmões é 10% e 4,9% maior, respectivamente, em pessoas que moram em regiões frequentemente atingidas pela fumaça, mostra estudo canandense com dados de mais de 2 milhões de voluntários

Carmen Souza
postado em 10/05/2022 06:00
 (crédito:  MENAHEM KAHANA)
(crédito: MENAHEM KAHANA)

Viver próximo a regiões frequentemente atingidas por incêndios florestais pode ser considerado um fator de risco para o surgimento de tumores no cérebro e nos pulmões. A relação foi constatada por cientistas do Canadá após analisarem dados sobre a saúde de mais de 2 milhões de canadenses e, segundo os autores do estudo, serve de alerta para populações de outros países.

"Os incêndios florestais tendem a acontecer nos mesmos locais todos os anos, mas sabemos muito pouco sobre os efeitos a longo prazo desses eventos na saúde. Nosso estudo mostra que viver próximo a incêndios florestais pode aumentar o risco de certos tipos de câncer", enfatiza, em comunicado, Scott Weichenthal, professor-associado do Departamento de Epidemiologia, Bioestatística e Saúde Ocupacional da Universidade McGill e líder da pesquisa, publicada na última edição da revista The Lancet Planetary Health.

Segundo os autores do artigo, esse é o primeiro estudo a examinar como a proximidade de incêndios florestais pode influenciar o risco de surgimento de tumores malignos a longo prazo. Para isso, a equipe avaliou dados colhidos durante 20 anos de adultos (com 25 a 90 anos) que viviam de 20 quilômetros a 50 quilômetros de regiões em que esses fenômenos são recorrentes.

A equipe chegou à conclusão de que essas pessoas tiveram uma incidência 10% maior de tumores cerebrais e de 4,9% maior de câncer de pulmão, em comparação a pessoas que viviam mais longe. O quão distante estavam das regiões atingidas pelo fogo não fez diferença. Os cientistas também avaliaram a possibilidade de um risco aumentado para linfoma não Hodgkin, mieloma múltiplo e leucemia. Nesses três casos, não chegaram a relações significativas.

Também autor do estudo, Jill Korsiak observa que muitos dos poluentes emitidos nos incêndios florestais são carcinógenos humanos conhecidos. Dessa forma, a exposição crônica a eles pode aumentar a vulnerabilidade ao surgimento de tumores. O também estudante de doutorado do laboratório de Weichenthal enfatiza, ainda, que, com as mudanças climáticas, há a previsão de que os incêndios florestais se tornem mais prevalentes, graves e de maior duração.

"Eles são cada vez mais reconhecidos como um problema de saúde global", diz. Divulgado em fevereiro, um estudo do Programa da ONU para o Meio Ambiente (Pnuma) indica que os incêndios florestais deverão aumentar em 50% até 2100 e que até regiões que não têm esse problema, como o Ártico, estão, agora, em um "alto risco" de passar a enfrentá-lo.

Depois do fogo

Scott Weichenthal lembra que não é só nas temporadas de incêndios que as populações estão ameaçadas. Enquanto alguns poluentes retornam às concentrações normais logo após o fogo parar de queimar a floresta, outros produtos químicos podem persistir no ambiente por longos períodos, incluindo metais pesados e hidrocarbonetos. "A exposição a poluentes ambientais nocivos pode continuar além do período de queima ativa através de várias vias de exposição", enfatiza o cientista.

Há, por exemplo, o risco de compostos atingirem ambientes aquáticos e do solo, indicam, no artigo, os colegas de Weichenthal. "Os metais pesados podem, então, ser depositados em corpos d'água próximos e contaminarem bacias hidrográficas. Também podem se acumular em peixes que vivem em fontes de água afetadas, o que pode ser um potencial problema de saúde se consumido por seres humanos", relatam.

No caso do impacto atmosférico, uma das principais ameaças à saúde presentes nas fumaças é o material particulado de 2,5 mícrons de diâmetro, conhecido como PM2,5. Ele é suficientemente pequeno para penetrar nos pulmões humanos, sobrecarregando o sistema respiratório e o imunológico. Estudos indicam que a presença dessas partículas ultrafinas facilitam o surgimento de doenças diversas, de falhas no desenvolvimento cognitivo de crianças ao Alzheimer. Mais recentemente, ele foi ligado à maior susceptibilidade ao novo coronavírus.

Mais estudos

Em comunicado à imprensa, a equipe canandense pondera que são necessárias mais pesquisas para entender "a complexa mistura de poluentes ambientais liberados durante os incêndios florestais" e desenvolver mais estimativas de longo prazo dos efeitos crônicos da exposição frequente a esses poluentes. "Nosso estudo se concentrou em um pequeno número de tipos específicos de câncer, e reconhecemos que outros tipos podem estar associados a incêndios florestais. Por exemplo, o arsênico é um conhecido fator de risco de câncer de bexiga", indicam os autores do artigo.

O grupo também pondera que, com os resultados obtidos até o momento, não é possível afirmar que a exposição à fumaça dos incêndios causa cânceres de cérebro e de pulmão. O estudo chegou a uma associação entre os fenômenos em moradores do Canadá, o suficiente, segundo os autores, para despertar a atenção de autoridades de saúde de outros países. "Essas descobertas são relevantes em escala global dado os efeitos previstos das mudanças climáticas sobre os incêndios florestais, sua frequência e sua gravidade", justificam.

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Também de covid

Realizado no primeiro ano da pandemia, um estudo liderado por Francesca Dominici, da Faculdade de Saúde Pública T. H. Chan de Harvard, mostrou que o aumento de apenas 1 micrograma de PM2.5 por metro cúbico no atmosfera está associado a um crescimento de 11% de mortes de pacientes infectados pelo Sars-CoV-2.

O estudo analisou dados ambientais em 3 mil condados norte-americano e foi publicado, em dezembro de 2020, na revista Scientific Report. À época, a pesquisadora ressaltou que fenômeno parecido havia sido constWatado na Ásia, em 2003, quando houve a epidemia do Sars-CoV-1, o primo mais próximo do novo coronavírus. Em regiões da China com níveis moderados de poluição, o risco de morrer da doença foi 80% mais alto, comparado ao de áreas menos afetadas pelos poluentes atmosféricos.

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