Acidentes de Trânsito

Medidas de segurança podem evitar mais de 500 mil mortes no trânsito por ano

Nos países de baixa e média renda, o percentual de mortes de jovens em desastres dobrou em duas décadas

Paloma Oliveto 
postado em 30/06/2022 06:00
 (crédito: CBMDF)
(crédito: CBMDF)

Meio milhão de vidas podem ser poupadas, anualmente, com medidas de segurança no trânsito e intervenções que foquem em excesso de velocidade, embriaguez ao volante, uso de capacete e de cinto de segurança. Um especial de saúde pública da revista The Lancet, divulgado ontem com dados de 185 países, incluindo o Brasil, também destacou que as mortes nas vias públicas e estradas afetam, especialmente, os mais jovens e mais pobres: quase metade dos adolescentes vitimados em colisões em 2019 viviam em países de baixa renda, segundo a publicação.

A série de artigos informa que, a cada ano, 1,35 milhão de pessoas morrem no trânsito, sendo que mais de 90% dos óbitos ocorrem nos países de média e baixa renda. Publicada na véspera da abertura da reunião de alto nível das Nações Unidas sobre segurança no trânsito, em Nova York, a revista pede mais engajamento político e financeiro para se alcançar o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável da ONU, de reduzir pela metade o número de mortes e acidentes no tráfego até 2030.

"Com a segunda década de ação das Nações Unidas para a segurança no trânsito (2021-2030) em andamento, nosso trabalho mostra claramente que medidas comprovadas de segurança no trânsito podem salvar vidas em todos os países, ricos e pobres", comentou o coordenador da série, Adnan Hyder, professor de saúde global da Universidade George Washington, nos EUA, em nota. "A maioria das mortes no trânsito é evitável", destacou.

Uma análise de dados de 74 estudos em 185 países estima que focar nos quatro principais fatores de risco de lesões e mortes no trânsito — excesso de velocidade, dirigir alcoolizado e não usar capacete e cinto de segurança — poderia prevenir entre 25% a 40% dos óbitos no tráfego em todo o mundo, anualmente. Quanto maiores os esforços na implementação e fiscalização, maior o percentual, segundo a revista.

Um exemplo citado são as intervenções para reduzir o excesso de velocidade, como a implementação de radares, que poderiam evitar mais de 347 mil mortes. Já combater o binômio direção e embriaguez por meio de ações e fiscalização salvaria 16 mil pessoas, segundo os dados. Além disso, de 121 mil e 51,7 mil óbitos não ocorreriam com a aprovação e a aplicação de normas sobre o uso de cintos de segurança e capacetes para motociclistas, respectivamente. A The Lancet afirma que somente a utilização do cinto pouparia 5,8 mil vidas no Brasil, por ano.

Segundo o médico do tráfego Flavio Adura, diretor científico da Associação Brasileira de Medicina de Tráfego (Abramet) e professor aposentado da Universidade Federal de São Paulo (USP), o Código de Trânsito Brasileiro é considerado um dos mais eficientes e abrangentes do mundo. Porém, ele diz que a certeza da impunidade faz com que muitas pessoas insistam em não usar cinto de segurança, dispensar o capacete, dirigir depois de beber e conduzir em alta velocidade.

"Há uma correlação nítida entre o respeito ou não à lei e a redução ou não dos acidentes com a eficiência da fiscalização. Mas, como não há como fiscalizar a todos, o principal fiscal deverá ser a consciência de cada cidadão que assumir a direção de um veículo automotor neste país", afirma (leia mais nesta página).

A série de artigos também faz uma modelagem para mostrar que melhorar o atendimento de traumas decorrentes de acidentes de trânsito poderia salvar mais de 200 mil vidas anualmente, ou 17% das mortes registradas. O foco em ressuscitação precoce e controle hemorrágico é a estratégia mais eficaz, diz a The Lancet, evitando 35 mil óbitos.

"Esperamos que essas novas estimativas forneçam um impulso tangível para a comunidade global de segurança no trânsito se concentrar na implementação de intervenções baseadas em evidências, especialmente em países de baixa e média renda", comentou o coautor da série, Andres Vecino-Ortiz, pesquisador da Escola de Saúde Pública Johns Hopkins Bloomberg, nos Estados Unidos.

Mortalidade

Os autores mostram-se especialmente preocupados com acidentes vitimando crianças e jovens. Uma análise de dados de 204 países do Instituto de Métricas e Avaliação de Saúde da Universidade de Washington, publicada na The Lancet, revela que, embora as taxas de mortalidade entre 10 anos e 24 anos tenham diminuído em um terço entre 1990 e 2019, a proporção dos óbitos em países de renda média e baixa quase dobrou no período, passando de 28% para 47%. O maior aumento foi no Paraguai: 97%. No Brasil, houve redução entre 10% e 20%.

"Apesar de os acidentes de trânsito serem a principal causa de morte em adolescentes em todo o mundo, ela tem sido relativamente negligenciada", diz Amy Peden, principal autora do artigo e pesquisadora da Universidade de Washington. "A prevenção de lesões no trânsito ainda não tem muitos recursos em comparação com outras causas de morte de adolescentes. Assim, os resultados mostram uma falta de investimento na questão da comunidade global de saúde", considerou.

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Três perguntas para

Flavio Adura, diretor científico da Associação Brasileira de Medicina de Tráfego (Abramet) 

 (crédito: Abramet/Divulgação )
crédito: Abramet/Divulgação

No Brasil, o problema é a legislação ou de cumprimento das normas?

Das intervenções para redução da mortalidade que visaram quatro importantes fatores de risco para lesões no trânsito, há legislação apropriada no país e que contempla as evidências científicas, excetuando-se a alta velocidade. Como velocidade excessiva é reconhecida, universalmente, como a principal causa de mortos, feridos e sequelados no trânsito, nesse caso, temos um problema grave de legislação. Todas as intervenções baseadas em evidências que abordam os fatores de risco reduzirão a mortalidade nas estradas, e as intervenções que abordam o excesso de velocidade têm maior probabilidade de redução. 

O estudo destaca que acidentes e mortes no trânsito ainda não são, globalmente, tratados como um assunto de saúde pública. Como fica essa questão no Brasil?

No Brasil, os acidentes de trânsito, que nós preferimos denominar "sinistros" para não dar a conotação de eventos inevitáveis, são a segunda causa de morte não natural, mantendo-se em quarto lugar entre os países com maior número de mortes no trânsito. Entendemos que as autoridades brasileiras despertaram para a necessidade inadiável da redução do número de mortos, feridos e incapacitados produzido pelos acidentes de trânsito. A Secretaria Nacional de Trânsito (Senatran) criou o Plano Nacional de Redução de Mortes e Lesões no Trânsito (Pnatrans), que tem alto potencial de preservar vidas no trânsito brasileiro. Da mesma forma, o plano do Ministério da Saúde de Ações Estratégicas para o Enfrentamento das Doenças Crônicas e Agravos Não Transmissíveis no Brasil 2021-2030 (Plano de Dant) inclui a prevenção da saúde e da vida no trânsito.

Recentemente, o STF negou uma ação de inconstitucionalidade contra a lei seca. Acabar com o bafômetro teria um impacto expressivo no número de acidentes e mortes no trânsito?

De fundamental importância a manutenção pelo Supremo Tribunal Federal (STF) da punição para os motoristas que se recusam a fazer o teste do etilômetro (bafômetro) e, em especial a alcoolemia zero para a condução de veículos automotores. Após entrar em vigor, essa lei que salva vidas mostrou resultados positivos que confirmam a importância de se continuar investindo na conscientização e manter e intensificar a fiscalização dos motoristas que dirigem alcoolizados. Marco legal de enfrentamento e controle dos acidentes de trânsito no Brasil, a chamada Lei Seca completou 14 anos e foi responsável por poupar mais de 50 mil vidas. Ainda bem que o STF salvou a lei que salva vidas. 

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