Saúde cardiovascular

Dormir mal deve ser considerado fator de risco para a saúde do coração

Após avaliar 2,4 mil estudos, associação médica americana conclui que dormir mal deve ser considerado um fator de risco para a saúde cardiovascular

Paloma Oliveto
postado em 03/07/2022 06:00
 (crédito: Arquivo pessoal )
(crédito: Arquivo pessoal )

Dormir bem é tão importante para o coração e o cérebro quanto não fumar, fazer exercícios físicos, controlar o colesterol e a pressão arterial, entre outros. Uma nova diretriz da Associação Norte-Americana do Coração (AHA) incluiu os padrões de sono entre os fatores de risco para enfermidades como infarto e acidente vascular cerebral. Em um artigo publicado na revista Circulation, a diretoria do colegiado, que influencia sociedades médicas de todo o mundo, considera que, após 12 anos de avaliações e 2,4 mil pesquisas científicas sobre o tema, a relação entre a qualidade do descanso noturno e a saúde cardiovascular está bem estabelecida.

Há 12 anos, a AHA elaborou uma lista de medidas essenciais para evitar doenças cardiovasculares que, até então, se chamava Life's Simple 7 . Com a atualização, as estratégias sobem para oito (veja arte). De acordo com a associação, nas duas últimas décadas, estudos determinaram que mais de 80% dos eventos que afetam coração e cérebro podem ser evitados por um estilo de vida saudável. Isso inclui dormir o suficiente e com regularidade.

"Cada pessoa tem seu tempo e padrão de sono, mas dormir menos de sete horas por noite, se deitar depois de 0h e acordar antes das 4h ou depois das 9h já é considerado patológico", aponta o otorrinolaringologista José Netto, especialista em medicina do sono. "A nova métrica da duração do sono (de sete a nove horas) reflete as últimas descobertas científicas: o sono afeta a saúde geral, e as pessoas que têm padrões mais saudáveis gerenciam indicadores de saúde, como peso, pressão arterial ou risco de diabetes tipo 2, de forma mais eficaz", disse, em nota, o presidente da AHA, Donald M. Lloyd-Jones.

As doenças cardiovasculares são as que mais matam no Brasil e no mundo e estão associadas a uma série de fatores de risco. Excetuando o histórico familiar, os agentes que influenciam a saúde do coração e do cérebro são relacionados a estilo de vida e, portanto, modificáveis. Por isso, médicos insistem na importância da higiene do sono: medidas como se deitar e levantar nos mesmos horários, evitar bebidas alcoólicas e refeições pesadas à noite, desligar o celular e não assistir TV na cama.

Mesmo no caso de ronco e apneia do sono — quando há uma interrupção da respiração por mais de 10 segundos —, é possível reverter os sintomas com algumas intervenções simples. Segundo José Netto, a apneia aumenta em 12 vezes o risco de evento cardiovascular e pode ser evitada combatendo tabagismo e obesidade, que também são fatores de risco para infarto e derrame cerebral. Em casos que envolvem disfunções anatômicas, cirurgias ou uso de aparelhos pode fazer a correção. "O importante é não ignorar apneia nem ronco. O impacto na saúde é muito grande", destaca.

Olhar integral

Exaustivamente estudada, a relação entre qualidade do sono e risco de enfermidades — não só cardiovasculares — tem múltiplas explicações. As pesquisas que encontraram a associação são observacionais, ou seja, não estabelecem causa e efeito. Porém, Antonio Carlos Chagas, cardiologista do Hcor, em São Paulo, explica que processos fisiológicos desencadeados pela falta do repouso adequado podem comprometer a saúde do coração e do cérebro. "Por exemplo, pessoas com apneia, especialmente obesos e hipertensos, têm níveis de oxigênio alterados. Sem dormir, acorda-se cansado e irritado, o que pode produzir arritmias", diz.

Chagas explica que a inclusão do padrão de sono nas diretrizes da AHA indica que, sozinho, esse fator já aumenta o risco de doenças cardiovasculares. Porém, o cardiologista lembra que um acúmulo de vulnerabilidades, como também fumar, ter excesso de peso, diabetes 2, colesterol elevado ou hipertensão, é ainda mais perigoso. "O conjunto é muito importante. Mas, sozinha, a qualidade do sono também fornece uma pista importante para que se possa pensar em prevenção", diz o médico, destacando que a publicação norte-americana tem um caráter especialmente educativo.

Para Luciano Drager, cardiologista da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC), o principal mérito da publicação da AHA é olhar para o paciente como um todo, apontando que diferentes aspectos da rotina, como hábitos alimentares, atividade física e padrão de sono, influenciam a saúde cardiovascular. "Quando se controla os vários fatores de risco, maior a longevidade", afirma. Drager, que preside a Associação Brasileira do Sono (ABS), diz que a ampliação das medidas protetivas proposta pelo colegiado norte-americano valoriza a importância do dormir bem.

Em 2018, o médico foi o primeiro autor de um artigo publicado na revista Arquivos Brasileiros de Cardiologia defendendo a importância da qualidade do sono na saúde cardiovascular. "Muitas pessoas, especialmente as mais jovens, pensam que dormir é perda de tempo. Na verdade, a privação do sono influencia na qualidade e na quantidade de vida", ressalta Drager.

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Sono deve fazer parte do checape

"O que os estudos têm observado é que infartos e acidentes vasculares cerebrais são mais comuns em pessoas com sono irregular e não restaurador. Já se sabe que a incidência dessas duas condições é maior no período matutino, e isso tem a ver com o ciclo circadiano. De manhã, há maior liberação de cortisol, com aumento da pressão arterial. O sono irregular altera o ciclo circadiano. Não se sabe ainda se tem uma relação de causa e efeito, mas há, sim, uma elevação do risco cardíaco. Nos consultórios, a análise do sono tem de ser feita rotineiramente. Os médicos precisam tocar no assunto, entender a rotina de sono do paciente e orientá-lo a fazer uma higiene do sono: dormir e acordar nos mesmos horários e, quando for dormir, não ficar olhando celular, televisão etc."

Carlos Rassi, professor de cardiologia na Universidade de Brasília e chefe do Pronto Atendimento do Sírio-Libanês, em Brasília

 

Diretriz ajustada a novos hábitos

 (crédito: Reprodução Internet)
crédito: Reprodução Internet

A publicação da Associação Americana do Coração (AHA) também atualizou diretrizes preexistentes, além de incluir o padrão de sono como métrica de vida saudável. Entre elas, está a inclusão dos cigarros eletrônicos como fator de risco cardiovascular. "Em 2010, quando foi feita a primeira publicação, só se falava na nicotina, porque o cigarro eletrônico não existia. Mas os estudos mostram que esse dispositivo não é tão inocente como se pensava: é altamente viciante e traz inúmeros malefícios", destaca Luciano Drager, cardiologista da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC). A AHA considera, agora, que o fumo passivo (não fumantes expostos ao cigarro) pode afetar o coração e o cérebro.

Também recebeu atualização a métrica dos lipídios no sangue que passou a apontar o colesterol não HDL (o "mau colesterol"), em vez do total, como preferencial. Isso porque, além de não ser necessário o jejum para a coleta de sangue, ele é mais fácil de calcular. A AHA sugere, além disso, alterações na leitura da glicemia. "Uma questão interessante é que a AHA considera que esses parâmetros já valem para crianças a partir de 2 anos", destaca Drager. "Hoje, muitas crianças estão com taxas de colesterol alto."

Cada componente da lista elaborada pelo colegiado norte-americano, chamada Life´s Essential 8, é avaliado por uma ferramenta, disponível, em inglês, no site da Associação (https://mlc.heart.org). Há um sistema de pontuação de 0 a 100, sendo que escores abaixo de 50 indicam saúde cardiovascular ruim; 50-79 moderada, e acima de 80, alta.

"O Life's Essential 8™ é um grande passo à frente em nossa capacidade de identificar quando a saúde cardiovascular pode ser preservada e quando está abaixo do ideal", explicou, em nota, o presidente da AHA, Donald M. Lloyd-Jones. "Devemos concentrar os esforços para melhorar a saúde cardiovascular de todas as pessoas e em todas as fases da vida", concluiu. 

 

Poluentes do solo sob vigilância

Pesticidas e metais pesados no solo podem ter efeitos prejudiciais no sistema cardiovascular, de acordo com um artigo de revisão publicado na Cardiovascular Research, uma revista da Sociedade Europeia de Cardiologia. “A contaminação do solo é um perigo menos visível para a saúde humana do que o ar sujo”, disse o autor, Thomas Münzel, da Universidade de Mainz, na Alemanha. “Mas estão aumentando as evidências de que os poluentes no solo podem prejudicar a saúde cardiovascular por meio de vários mecanismos, incluindo inflamação e interrupção do relógio natural do corpo.”

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