mudanças climáticas

COP27 começa com crise de investimento no fundo climático

A falta de consenso e de investimento no fundo climático dominou a pauta do primeiro dia da Cúpula dos Líderes

Paloma Oliveto
postado em 08/11/2022 06:00
 (crédito:  AFP)
(crédito: AFP)

"Inferno", "catástrofe", "suicídio coletivo": no primeiro dia da Cúpula dos Líderes da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, não faltaram definições para o destino da Terra caso o aumento da temperatura global não seja contido. Porém, se a necessidade de ação urgente é unanimidade entre os cerca de 100 governantes e representantes de governos que participam da primeira semana da COP27, a discordância é sobre quem paga a conta.

Sem o depósito integral do fundo climático criado no Acordo de Paris há sete anos, o secretário-geral da ONU, António Guterres, pediu para os líderes se empenharem em um pacto para mudar o cenário das emissões de gases de efeito estufa, especialmente para acabar com a dependência de combustível fóssil e com a construção de novas carvoarias. "A humanidade tem uma escolha: cooperar ou morrer. Ou um pacto pela solidariedade climática, ou um pacto pelo suicídio coletivo", afirmou, no discurso de abertura da Cúpula dos Líderes.

O diplomata também lançou um plano de financiamento para ações das chamadas perdas e danos, tema que não estava previsto, mas entrou na agenda oficial do evento (leia mais nesta página). "Observamos uma catástrofe depois da outra. Enquanto nos recuperamos de uma, acontece outra", destacou o anfitrião da COP27, o presidente egípcio Abdel Fattah al-Sissi. Nenhum líder presente discordou dos alertas, porém, a responsabilidade pela redução de emissões de CO2 e por mecanismos de mitigação e adaptação é motivo de debate.

Excedendo o tempo de três minutos dedicado às falas dos líderes, o presidente francês, Emmanuel Macron, criticou os Estados Unidos e a China pela falta de investimento no fundo climático. Em 2015, os signatários do Acordo de Paris concordaram com a criação de um mecanismo de financiamento voltado à compensação dos países que pouco contribuem com as emissões de CO2, mas sofrem os piores efeitos, como as ilhas do Pacífico, ameaçadas de serem engolidas pelo aumento do nível do mar. Porém, os US$ 100 bilhões anuais nunca foram depositados na íntegra — este ano, faltaram US$ 17 bilhões, por exemplo.

Uma nova análise do Carbon Brief, organização não governamental especializada em políticas climáticas, divulgada na manhã de ontem, revelou o descompasso entre o que os maiores poluentes deveriam pagar e o quanto, de fato, foi parar no fundo. Os Estados Unidos aparecem como principal deficitário: destinaram US$ 8 bilhões ao fundo em 2020, US$ 32 bilhões a menos do que deveriam. A fatia é calculada de acordo com as emissões de cada país industrializado. Depois dos norte-americanos, Canadá, Austrália e Reino Unido são os que fizeram as menores contribuições, comparados à meta que assumiram. Alemanha, França e Japão apresentaram os maiores superávits.

"Solidariedade financeira"

No discurso em Sharm El-Sheik, Macron afirmou que a confiança entre o norte e o sul do planeta está se esvaindo: "Devemos chegar a um acordo com a ideia de solidariedade financeira", disse, insistindo que os países ricos e poluentes mandem dinheiro para os mais pobres e vulneráveis. Mais cedo, em um encontro com jovens, o presidente francês reclamou que "os europeus são os únicos que pagam". "Estados Unidos e China devem responder a esse desafio", declarou. O presidente chinês, Xi Jinping, não irá à COP27. Já o norte-americano Joe Biden é esperado no dia 11.

O francês também afirmou que a guerra entre Rússia e Ucrânia não pode influenciar as negociações da COP. "Não sacrificaremos nossos compromissos climáticos com a crise energética causada pela agressão da Rússia na Ucrânia. No discurso de abertura, António Guterres também citou o conflito. "Não podemos aceitar que nossa atenção não esteja voltada para a mudança climática, apesar da guerra na Ucrânia e outros conflitos, porque a mudança climática tem o próprio calendário", alertou o secretário-geral da ONU.

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Sem o discurso do rei

A agenda on-line da cerimônia de abertura da Cúpula dos Líderes da COP27 trazia o nome do rei da Inglaterra, Charles III, como um dos que discursariam. O jornal The Guardian, porém, entrou em contato com o Palácio de Buckingham, em Londres, e foi informado de que se tratava de um erro. "Temo que as informações estejam incorretas, ele não fará uma aparição ou declaração de qualquer forma ou formato, virtual ou não", disse um porta-voz.

Indenização por danos entra na pauta

 (crédito: SIMON MAINA)
crédito: SIMON MAINA

Fortemente defendido pelos países em desenvolvimento, o tema "perda e danos" entrou para a agenda oficial da COP27, com a aceitação, por unanimidade, dos governantes que participam da Cúpula dos Líderes, em Sharm el-Sheikh, no Egito. A ideia é a criação de um fundo específico para reduzir os impactos negativos dos efeitos do aquecimento global, como secas, inundações e fenômenos meteorológicos extremos, em países pobres.

Enquanto os países do G77, liderado atualmente pelo Paquistão, insistem em compensações rápidas, considerando que eventos do tipo batem recordes ano a ano, é possível que ele nem seja criado. As nações ricas, que não simpatizam com o pagamento de indenizações pelos danos gerados pela atividade industrial, teriam até dois anos para levantar os recursos.

Dirigindo-se aos cerca de 100 líderes mundiais que estavam ontem na COP27, o secretário-geral da ONU, António Guterres, apresentou um plano de investimentos para a criação de sistemas de previsão, preparação, alerta e resposta a desastres. A iniciativa, da Organização Meteorológica Mundial (OMM), e que contou com apoio de 50 países inicialmente, prevê o direcionamento de US$ 3,1 bilhões (6% dos US$ 50 bilhões do fundo climático voltados à adaptação) entre 2023 e 2027.

"As emissões cada vez maiores de gases de efeito estufa estão sobrecarregando os eventos climáticos extremos em todo o planeta. Essas calamidades crescentes custam vidas e centenas de bilhões de dólares em perdas e danos. Três vezes mais pessoas são deslocadas por desastres climáticos do que por guerras. Metade da humanidade já está na zona de perigo", disse Guterres.

Sistemas de alerta

De acordo com a OMM, metade dos países em todo o mundo não tem sistemas de alerta precoce nem planos de emergência para eventos do tipo. A cobertura é pior em nações em desenvolvimento que mais sofrem os efeitos das alterações climáticas, os grupos dos Países Menos Desenvolvidos e dos Pequenos Estados Insulares em Desenvolvimento.

"A iniciativa oferece uma oportunidade para os países aumentarem significativamente sua compreensão do risco, que é a base para todos os esforços de construção de resiliência", destacou Mami Mizutori, chefe do Escritório das Nações Unidas para Redução do Risco de Desastres. "Por essas e outras razões, a implementação desse plano de ação é fundamental para salvar vidas. O secretário-geral Guterres nos forneceu a visão, e a OMM nos forneceu 'o como'. Cabe a todos nós, agora, tornar isso uma realidade", disse. 

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