SAÚDE

Genética aumenta riscos de se tornar dependente de álcool e cigarro

Cientistas identificam quase 4 mil genes relacionados a uma maior probabilidade de uso abusivo das substâncias. Das variantes descobertas, 80% são comuns a indivíduos de diferentes origens demográficas

Paloma Oliveto
postado em 09/12/2022 06:00
 (crédito: Freepik/Divulgação)
(crédito: Freepik/Divulgação)

O uso de álcool e tabaco está associado a 15% e 5% das mortes em todo o mundo, respectivamente, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). Além disso, há forte relação entre esses dois hábitos e doenças como câncer e enfermidades cardiovasculares. Fatores ambientais e culturais contribuem para a probabilidade de um indivíduo se tornar dependente, mas a genética tem um peso forte, de acordo com um estudo publicado na revista Nature. Os cientistas identificaram quase 4 mil variantes que podem aumentar o risco de tabagismo e alcoolismo. A expectativa dos autores é de que a pesquisa contribua para uma maior compreensão desses comportamentos.

Esse é o maior estudo genético realizado até agora com foco em variantes de risco para cigarro e bebida alcoólica. Os autores avaliaram dados de 3,4 milhões de pessoas de ancestralidades diversas — africana, asiática, americana e europeia. "A amostragem aumenta a relevância das descobertas, pois se refere a uma população diversificada", destaca um dos autores, Dajiang Liu, do Centro de Saúde Pública da Universidade da Pensilvânia, nos Estados Unidos.

O estudo foi conduzido pela Universidade de Minnesota e contou com a colaboração de mais de 100 instituições. Os pesquisadores avaliaram, dentro da população estudada, diversos traços indicativos de tabagismo e alcoolismo, como a idade em que o hábito começou, a regularidade e a quantidade consumida.

Com técnicas de aprendizado de máquina, eles identificaram os genes associados. Oitenta por cento das variantes eram comuns, independentemente da ancestralidade, diz o artigo. "Isso é promissor, porque ter dados mais robustos e diversificados sobre esses comportamentos nos ajudará a desenvolver ferramentas preditivas de fatores de risco que podem ser aplicadas a todas as populações", diz Liu.

Segundo o pesquisador, dentro de dois a três anos, as pontuações de risco genético podem ser refinadas e se tornar parte do atendimento de rotina para indivíduos já identificados por triagem básica como estando em probabilidade aumentada de uso de álcool e tabaco. Ele observa que a pesquisa é um exemplo de como big data, máquinas sofisticadas e métodos de aprendizagem podem ajudar a prever riscos à saúde, ajudando a desenvolver intervenções direcionadas.

De acordo com Liu, pesquisas futuras vão aprofundar as descobertas. Algumas variantes identificadas afetam reações químicas celulares associadas à transmissão do glutamato, que tem implicação na comunicação, na memória e no aprendizado; à dopamina, um neurotransmissor associado ao sistema de recompensa do cérebro; e à acetilcolina, substância que ajuda a ativar músculos, entre outras.

Porém, a maioria dos genes que a equipe identificou tem funções desconhecidas. Por isso, os cientistas precisam, primeiramente, compreender para que servem e como sua interação com o ambiente afeta o risco de comportamentos associados à dependência química.

Análise pioneira

Para Javier Costas, psiquiatra da Universidade de Santiago de Compostela, na Espanha, que estuda associação genética e dependência química, o estudo é pioneiro ao trazer uma amostra populacional tão grande e diversificada. "Apesar dos diferentes contextos culturais, a maioria das variantes genéticas identificadas tem efeitos semelhantes, independentemente da ascendência ou da origem geográfica dos indivíduos analisados. As poucas variantes claramente afetadas pela ancestralidade (menos de 5%) podem fornecer novas pistas sobre as influências culturais no consumo de álcool e tabaco (interação gene-ambiente)", observa Costas, que não participou da pesquisa.

Para o especialista, a principal limitação do artigo é que os traços de risco são quase todos autorrelatados e pouco específicos. "Por exemplo, dois padrões muito diferentes de consumo de álcool, como beber regularmente durante as refeições ou beber em excesso semanalmente, podem resultar no mesmo número de bebidas alcoólicas consumidas por semana. Sabe-se também que pessoas com problemas de saúde tendem a subnotificar o consumo de álcool e tabaco" destaca.

Ainda assim, Costas considera que o conjunto de informações é "de grande valor para uma melhor compreensão dos mecanismos de predisposição genética ao consumo de álcool e tabaco, bem como suas consequências". O médico também acredita que, futuramente, os dados poderão ter implicações clínicas importantes. "Dado o impacto dessas substâncias na saúde, é provável que as informações sejam de grande relevância no futuro, em sintonia com a medicina de precisão."

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  •  Dajiang Liu, do Centro de Saúde Pública da Universidade da Pensilvânia, nos Estados Unidos.
    Dajiang Liu, do Centro de Saúde Pública da Universidade da Pensilvânia, nos Estados Unidos. Foto: Universidade da Pensilvânia/Divulgação
  • A análise inédita considerou dados de 3,4 milhões de pessoas de ancestralidade africana, asiática, americana e europeia: expectativa de 
uso clínico
    A análise inédita considerou dados de 3,4 milhões de pessoas de ancestralidade africana, asiática, americana e europeia: expectativa de uso clínico Foto: NIKLAS HALLE'N
  • Foto: Freepik/Divulgação

Danos hepáticos até com baixa ingestão

Pesquisadores da Universidade de Boston, nos Estados Unidos, descobriram que o uso não abusivo de álcool está associado a possíveis danos hepáticos. Segundo eles, mesmo as pessoas que consomem quantidades consideradas dentro da normalidade têm risco elevado de fibrose no fígado (espessamento e cicatrização do tecido conjuntivo) e doença hepática gordurosa não alcoólica, um acúmulo de gordura no órgão. "Nossos resultados reforçam a importância de encorajar todos a reduzir a ingestão de álcool tanto quanto possível e, pelo menos, aderir aos limites recomendados pelas diretrizes dietéticas", disse, em nota, a autora correspondente.

Mais de 2,6 mil participantes do estudo receberam um questionário aplicado por médicos sobre o uso de álcool e se submeteram a um exame que mede o acúmulo excessivo de tecido conjuntivo no fígado. Os pesquisadores não apenas descobriram que a ingestão não pesada de álcool estava associada à fibrose e à doença hepática gordurosa não alcoólica, mas também que múltiplos padrões de consumo da bebida eram responsáveis por isso.

De acordo com os pesquisadores, as descobertas têm implicações significativas para o aconselhamento de pacientes com e sem doenças hepáticas preexistentes, especialmente porque as diretrizes atuais da Associação Americana para o Estudo de Doenças do Fígado, que costuma orientar as sociedades médicas da área em todo o mundo, não fazem nenhuma recomendação sobre o uso não pesado de álcool na doença hepática gordurosa não alcoólica. As descobertas foram publicadas na revista Clinical Gastroenterology and Hepatology.

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