GERIATRIA

Quando devemos nos preocupar com o esquecimento?

O branco momentâneo e os lapsos de memória preocupam muita gente por estarem associados a demências, mas as causas podem ter a ver com outros fatores

Estado de Minas
postado em 19/12/2022 11:31 / atualizado em 19/12/2022 11:31
 (crédito: Freepik)
(crédito: Freepik)

Quem nunca esqueceu onde deixou o celular ou o nome de um ator ou atriz famosos que atire a primeira pedra, não é mesmo?

O branco momentâneo e os lapsos de memória preocupam muita gente por estarem associados a demências, mas as causas podem ter a ver com momentos de cansaço excessivo, estresse emocional, depressão, transtorno de déficit de atenção, privação de sono, dieta pobre em determinados nutrientes ou com o excesso de algumas substâncias e medicamentos.

De acordo com a geriatra Simone de Paula Pessoa Lima, da Saúde no Lar, empresa especializada em home care, o esquecimento não gera muita preocupação quando o paciente tem noção de que está esquecendo algo, como, por exemplo, onde colocou a chave, mas logo em seguida se lembra. É só ter calma e a informação/memória solicitada chega ao cérebro.

"Ele se torna preocupante se está impactando a vida do paciente, como não conseguir mais tomar remédio sozinho por estar esquecendo, perder-se num lugar já conhecido, não conseguir sair mais sozinho, não saber mais fazer um caminho de carro que era comum, não dar conta mais de cozinhar sendo que antes era um excelente cozinheiro."

A especialista chama a atenção também para o que está sendo esquecido. "Não se lembrar do nome de alguém é muito diferente de esquecer da própria pessoa conhecida. E isso acontece de vez em quando, principalmente quando nos encontramos pouco com determinada pessoa, mas, mesmo assim, nos lembramos que a conhecemos. Quando não nos lembramos daquele alguém, já gera maior preocupação", ressalta.

No mundo atual, nosso cérebro recebe uma enorme quantidade de informações ao mesmo tempo. Isso atrapalha muito o foco necessário para ter um processo adequado de memória.

Um bom exemplo disso seria atender o celular enquanto dirige e precisar guardar uma notícia recebida. A capacidade de conservar na memória essa notícia é menor porque o cérebro precisa manter a atenção na direção também.
Outras duas causas comuns de queixa de esquecimento, de acordo com a médica, são a depressão e a ansiedade.

"Essas doenças podem dificultar a captação das informações, refletindo numa piora da formação da memória. A memória depende de várias etapas: aquisição da informação, armazenamento da mesma e, depois, recuperação. Quando a pessoa está sem foco e atenção pode prejudicar o processo."

Depois disso, Simone ressalta que até as emoções influenciam, como as lembranças de algo afetivo, como uma música, um cheiro. São fatores que vão se associando com o intuito de tornar a memória mais relevante, mais importante e mais fácil de ser guardada.

Demência

Várias questões podem causar esquecimento, entre elas as demências. Estas, na sua maioria, são irreversíveis como a doença de Alzheimer, a demência vascular por AVC (dependendo de onde ocorreu), demência por corpos de Lewy.

A geriatra, que lida diretamente com esse tipo de situação em cuidados de home care, pondera que cada tipo de demência tem suas características.

"As perdas da cognição, capacidade que temos de adquirir conhecimento e reagir de forma emocional e intelectual adequada variam. Temos doenças em que o esquecimento é a principal característica, com a piora da memória em si, como ocorre com o Alzheimer. Outras, como a demência frontotemporal, não acometem tanto a memória, mas modificam o comportamento de forma importante. Já a demência por corpos de Lewy interfere um pouco na memória e um pouco na parte motora, gerando quedas."

Alzheimer

Foi o caso da avó da confeiteira de 42 anos, Melissa Rios Cardoso. Dona Janete, de 90 anos, já apresentava alguns sinais leves de esquecimento, mas no período pandêmico teve esses sintomas agravados. Nesta mesma época, segundo a neta, ela passou pela perda de um de seus filhos mais novos. "Creio que foi muito pra ela", conta.

Entre as primeiras manifestações da doença, Melissa relata a variação no tempo em que sua avó falava: "Ao mesmo tempo que falava comigo no presente, por exemplo, falava comigo criança. A memória recente também desapareceu. Toda vez que a vejo, para ela, parece que passou muito tempo".

A partir desses indícios até o diagnóstico, a neta relatou ser tudo muito rápido. "Ela nem parece a mesma pessoa de cinco anos atrás. Muito diferente mesmo. Mais fraquinha, debilitada. Há dias que nem conversa direito, não se alimenta e tem de usar uma sonda de alimentação."

Dona Janete foi levada ao médico pelos familiares para que ele pudesse investigar uma possível depressão e a memória e, após consultas e exames, surgiu o diagnóstico da demência.

"Ela está bem assistida e quase não sai da cama. Às vezes, não sabe o nome das pessoas, embora ainda reconheça. Dos bisnetos, ela lembra deles apenas pequenos e é novamente apresentada a eles a cada visita. Mesmo tendo esquecido o nome do Roberto Carlos, ama ouvi-lo comigo. Quando coloco para ela, o sorriso é imediato, e algum tempo depois, canta."

Com o passar do tempo e da idade, de acordo com Simone de Paula, há uma maior chance de aparecerem algumas doenças como hipertensão e diabetes, hipotireoidismo, insuficiência cardíaca, doença renal, doença pulmonar, dentre outras. Várias delas, quando não estão compensadas, são fatores de risco para as demências. "Ou seja, esses pacientes correm mais risco de evoluírem para demência do que aquelas pessoas que não têm essas patologias."

Outros fatores de risco, de acordo com a geriatra, seriam baixo nível de escolaridade, tabagismo, alcoolismo, sono ruim, baixa atividade física. A prevenção, no entanto, é sempre a melhor arma contra as doenças. Para isso, o ideal é aumentar a nossa capacidade/atividade cerebral. Exemplos disso, segundo a especialista, seriam estudar, aprender novas línguas, jogar, ler, entre outros.

"Caso aconteça de uma demência aparecer, o cérebro vai estar bem "cheio" de informações, perdendo primeiro aquelas que não vão impactar na independência, demorando mais a atingir uma perda avançada."

Falando em prevenção para doenças que podem ser fatores de risco para o esquecimento, podemos citar:

- Uma boa qualidade de vida iniciada desde cedo.
- Cuidado com a saúde física e mental
- Investimento em uma boa alimentação com variedade de vitaminas e um bom aporte de proteínas
- Exercício físico para a liberação de substâncias que geram prazer e melhora muscular
- Controle do peso
- Hidratação adequada
- Acompanhamento e tratamento adequados quando doenças ocorrerem

Problemas nutricionais

Aline Aparecida Nascimento Dias Xavier, técnica em administração de pessoal (RH), de 34 anos, conta que seu esquecimento teve início em 2019, quando começou a ter problemas nutricionais. "Fiz cirurgia bariátrica (bypass) em 2018 e, mesmo comendo bem e com qualidade, existem alguns nutrientes que só a reposição consegue suprir."

O esquecimento, segundo ela, é recorrente e agravou quando começou a ter convulsões, no fim de 2021. O quadro está sendo investigado, mas aparentemente tem relação com a falta de vitaminas. Atualmente, ela está fazendo um acompanhamento nutricional e neurológico.

De acordo com a RH, ela recebeu recentemente o diagnóstico de autismo, através de um médico psiquiatra e, apesar de ainda estar sendo investigado, pode ter relação direta com as convulsões.

Para melhorar o esquecimento, Aline não está realizando nenhum acompanhamento específico, mas toma medicação para controlar as convulsões, já que a cada convulsão o esquecimento piora.

Alimentação x memória

Segundo a nutricionista Renata Brasil, de 33 anos, nós utilizamos as informações que estão na nossa memória para quase tudo que fazemos no dia a dia, desde atividades simples como nos vestir, a aquelas que nos exigem maior foco e concentração como um processo de trabalho, por exemplo.

"A todo tempo, usamos toda a nossa capacidade cognitiva. Por isso, uma alimentação deficiente em vitaminas do complexo B, ferro, luteína, nitratos, vitamina D, ômega 3 e antioxidantes, pode favorecer a queda de informações sensoriais. Além disso, um intestino com sua microbiota desequilibrada favorece o processo inflamatório do organismo e reduz a absorção das vitaminas essenciais para o nosso cérebro."

A nutricionista cita que alguns alimentos podem contribuir para o esquecimento, como os alimentos fritos, aqueles com alto teor de glicose, como o açúcar, as farinhas brancas, bebidas industrializadas e carboidratos refinados.

"Gorduras saturadas e trans são extremamente prejudiciais para nossa memória, então vale a pena uma atenção especial para fast foods, margarina, queijos muito gordurosos e até mesmo pipoca de micro-ondas. Essas gorduras nos alimentos fritos danifica a barreira hematoencefálica, que funciona como um complexo de transportes para levar nutrientes ao cérebro.

Se afetada, pode permitir que substâncias prejudiciais entrem no cérebro e lhe causem danos, assim como pode impedir a entrada de substâncias que são importantes para as funções cerebrais."

O açúcar, conforme explica Renata, reduz a flexibilidade cognitiva, assim como a memória de longo e curto prazo e contribui diretamente para o aumento do processo inflamatório e esse, cria um ambiente tóxico para o nosso cérebro.

"A melhor forma de nos proteger é não alimentar a inflamação. Massas, doces, refrigerantes, sucos adoçados, bolachas e pão branco liberam muita glicose na nossa corrente sanguínea, o que causa um aumento das citocinas mensageiras da inflamação."

Outro ponto que merece atenção é a pouca ingestão de água e fibras, fundamentais para nosso eixo intestino-cérebro, já que a formação de bactérias prejudiciais na manutenção do funcionamento do intestino traz consequências na interação entre a comida, nas mudanças microbiais e nas respostas neurocerebrais.

Alimentos para quem anda esquecido

Renata cita como importante o espinafre, brócolis, rúcula, agrião e todos os vegetais verde-escuros, por terem alto teor de Luteína, Ferro, Vitaminas do complexo B e principalmente alta capacidade antioxidante.

Azeite de oliva, castanhas e sementes e abacate também devem ser incluídos na dieta. O abacate é rico em vitaminas B6, B12, C e E, além de selênio, luteína, colina e outros compostos fundamentais para os neurônios. Já o azeite e as castanhas possuem alto teor de gordura monoinsaturada, que protege as artérias, garantindo ótimo fluxo sanguíneo inclusive para o cérebro.

"Peixes como salmão, sardinha, atum e cavalinha são proteínas e fontes de ômega-3, que atua na conexão entre os neurônios, facilitando a plasticidade sináptica. A gordura auxilia ainda na produção de neurotransmissores e tem ação anti-inflamatória, deixando o caminho livre para células do cérebro se regenerarem."

A uva também deve ser incluída. Segundo a nutricionista da Soloh, o motivo é por ser rica em polifenóis, que penetram a barreira hematoencefálica e protege o cérebro, inibindo danos ligados ao excesso de radicais livres.


Vale lembrar que a alimentação não acarreta problemas com relação ao esquecimento de forma isolada, afinal nosso corpo é um sistema integrado, mas sem dúvidas, tem um peso muito grande quando se trata de saúde do nosso sistema nervoso.

"Ela deve estar associada a uma boa hidratação, à prática de atividade física, a um intestino e sono saudáveis, e claro, ao controle das nossas emoções negativas."

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