Saúde

Estudo diz que traços de ancestralidade podem aumentar risco de Alzheimer

O trabalho sinaliza como características de antepassados podem influenciar condições genéticas já associadas a uma maior vulnerabilidade à doença

Gabriela Chabalgoity
postado em 23/12/2022 05:00
Variação do gene APOE, ligado à enfermidade neurodegenerativa, parece afetar mais os descendentes de europeus -  (crédito: UWE ZUCCHI)
Variação do gene APOE, ligado à enfermidade neurodegenerativa, parece afetar mais os descendentes de europeus - (crédito: UWE ZUCCHI)

O entendimento das causas do Alzheimer é um desafio para cientistas. Sabe-se, até então, que a doença neurodegenerativa tem um componente genético. Agora, uma pesquisa publicada na Molecular Psychiatry mostra que a ancestralidade também pode ser um fator ligado ao desenvolvimento da demência que mais acomete a população idosa.

Estudos anteriores mostraram que a variante APOE E4 (Apolipoproteína E) carrega um risco genético até 10 vezes maior para a doença de Alzheimer. A nova investigação, que considera a ancestralidade, demonstra que essa vulnerabilidade cai pela metade em descendentes africanos, quando comparados aos que têm ascendência europeia.

"Os resultados significam um aumento substancial no conhecimento da arquitetura genética do risco de demência em populações de ascendência africana", disse o autor Mark Logue, do National Center for Posttraumatic Stress Disorder, nos Estados Unidos. Neurologista da Clínica da Memória em Brasília, Arthur Jatobá indica que a presença do alelo APOE E4 pode até ajudar a evitar a doença entre os afrodescendentes. "Outro estudo recente identificou uma região cromossômica próxima à do alelo APOE4 em indivíduos de descendência africana que pode explicar um possível efeito protetor", diz.

O APOE é um dos genes que mais influenciam a ocorrência do Alzheimer, sendo que três variantes são consideradas as mais significativas: E2, E3 e E4. Boa parte dos estudos científicos, porém, é baseada na análise de populações com ascendência europeia. Segundo os autores do estudo, isso significa que os resultados que usam apenas um grupo étnico podem não se aplicar a outros, o que dificulta uma percepção mais ampliada do Alzheimer.

"A importância desse estudo é o entendimento da doença em diferentes populações e a identificação de possíveis novos alvos para tratamento. Entender o perfil genético pode ajudar a acharmos a cura. Por isso, a importância de estudarmos indivíduos com ancestralidades diferentes", avalia Jatobá.

O neurologista enfatiza, ainda, que o peso de genes como o APOE E4 varia conforme as características de uma população. No caso do Brasil, que tem significativa diversidade genética, os impactos dessa variação não devem ser consideráveis. "Como grande parte da população brasileira é considerada afrodescendente, a presença do alelo não faria com que o risco fosse tão alto", explica.

Nóbrega também avalia que não há motivos para preocupação. "Isso não é tão influente. Mais do que se preocupar com os genes que herdou, a pessoa deve se preocupar com o estilo de vida saudável, que é o que vai superar a sua capacidade genética", justifica.

Ineditismo

A equipe analisou dados do Million Veteran Program (MVP), uma pesquisa nacional sobre como genes, estilo de vida e exposições militares afetam a saúde de veteranos. Foram comparados os genomas de mais de 4 mil participantes de ascendência africana que tinham demência com os de mais de 18 mil voluntários sem a doença. Em uma segunda análise, comparou-se 7 mil participantes negros que relataram que seus pais tiveram demência com 56 mil outros respondentes cujos genitores não tiveram.

Considerando amostras com perfis mais diversificados, a equipe de cientistas observou associações entre o risco de Alzheimer e variantes em seis genes, incluindo o APOE, e que há uma influência da ascendência nessa vulnerabilidade. "Isso significa que diferentes formas do mesmo gene podem afetar o risco do transtorno em uma pessoa com base na raça dela", explica Logue.

Segundo os autores, o trabalho é um "marco importante" nas investigações sobre o Alzheimer porque apresenta elementos inéditos, o que pode contribuir para uma compreensão mais ampla da patogênese, de forma a fornecer alvos terapêuticos. Trata-se, enfatizam no artigo, "do maior projeto sobre genética relacionado à demência em pessoas de ascendência africana". A expectativa é de que as informações abram caminho para uma avaliação de risco mais precisa em indivíduos com esse perfil.

 

 

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Estilo de vida também conta

 (crédito: RAJESH JANTILAL)
crédito: RAJESH JANTILAL

Apesar de a genética ser um fator ligado à ocorrência do Alzheimer, especialistas alertam que existe um componente capaz de exceder a contribuição realizada pelos genes: os hábitos de vida. "Ela nao vai mudar em nada seu destino se você implementar um estilo de vida efetivamente saudável, que seja capaz de amenizar ou até anular qualquer efeito negativo dos seus genes", diz o presidente do Departamento de Gerontologia da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia do Distrito Federal, Otávio Nóbrega.

Isso significa que fatores como sono de qualidade, prática de exercícios físicos e alimentação também podem influenciar positivamente o organismo de uma pessoa com maior risco genético para o Alzheimer. Porém, não são todos os indivíduos que têm acesso a essas condições, pontua Nóbrega. Por isso, ao comparar a frequência de uma doença entre a população branca e a população negra, principalmente nos Estados Unidos, como fizeram os pesquisadores norte-americanos, "embute-se uma comparação com viés econômico".

"Não basta apenas extrair o DNA de uma pessoa e concluir que, por ela ter uma ancestralidade negra, isso proporciona uma relação de causalidade com uma doença complexa como o Alzheimer. Isso é negligenciar inferências socioeconômicas da vida da pessoa: alimentação, prática de exercícios físicos, nível educacional, noites de sono. Tudo isso influencia", critica.

 

Palavra do especialista

"Toda a forma alélica é um tipo de gene. É como se fosse uma mesma música (gene), cantada por diferentes intérpretes (alelos). A apolipoproteína E existe em três formas alélicas principais: E2, E3 e E4. As pessoas que nascem com a E4 têm uma probabilidade 10 vezes maior de desenvolver Alzheimer, comparadas àquelas que nascem com outros alelos. O E4 existe em uma parcela pequena da população humana, apenas 7% a 8%. Os mais de 90% que não têm esse alelo podem desenvolver o Alzheimer. Na verdade, é a maior parte dos pacientes, quando avaliados em quantidade absoluta. Quando estamos falando de genes clássicos, o E4, por exemplo, ele é encontrado no ameríndio, no europeu e no africano, e, basicamente, distribuído de forma igualitária. Por isso, não se pode imputar a esses genes qualquer causalidade diferencial de frequência por Alzheimer entre as populações humanas."

Otávio Nóbrega, presidente do Departamento de Gerontologia da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia do Distrito Federal

 

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