SAÚDE

Ingestão de café é associada à redução de morte por insuficiência cardíaca e AVC

A ingestão de duas a três xícaras da bebida diariamente é associada à queda no risco de doenças cardiovasculares e de mortalidade precoce. Cientistas observam o benefício tanto com a versão tradicional quanto com a instantânea e a descafeinada

Paloma Oliveto
postado em 22/01/2023 06:00
 (crédito: NegativeSpace/Divulgação)
(crédito: NegativeSpace/Divulgação)

Beba café e viva mais. É o que diz um estudo publicado na revista da Sociedade Europeia de Cardiologia. Os benefícios para a saúde cardiovascular encontrados pelos autores não se limitam à cafeína: a versão descafeinada também foi associada à redução da incidência e morte por doenças como insuficiência cardíaca congestiva e acidente vascular cerebral (AVC). Segundo o estudo, que inclui dados de 449.563 pessoas acompanhadas por 12,5 anos, o consumo moderado da bebida, seja moída ou instantânea, pode ser aliado de um estilo de vida saudável.

O estudo, do Instituto Baker de Pesquisas sobre Diabetes e Coração de Melbourne, na Austrália, é observacional, ou seja, não aponta uma relação de causa e efeito. Porém, os autores destacam que a associação encontrada é forte e afirmam que ajustes estatísticos garantiram o papel específico da bebida no risco reduzido de doenças cardiovasculares e mortalidade precoce por todas as causas. "Os resultados sugerem que a ingestão leve a moderada de café moído, instantâneo e descafeinado deve ser considerada parte de um estilo de vida saudável", diz Peter Kistler, autor do estudo.

Segundo Kistler, há poucas informações sobre o impacto de diferentes preparações de café na saúde geral e, especificamente, do coração. No trabalho, os pesquisadores estudaram a associação entre as variantes da bebida e a incidência de doenças cardiovasculares e mortalidade por todas as causas usando dados do UK Biokank, do Reino Unido, referentes a pessoas de 40 a 69 anos.

No início do estudo, nenhum dos participantes tinha arritmia ou outras enfermidades cardiovasculares. Eles preencheram um questionário perguntando quantas xícaras de café tomavam por dia e se costumavam ingerir a bebida instantânea, moída ou descafeinada. Os cientistas, então, os agruparam em seis categorias de consumo diário: nenhuma, menos de uma, uma, duas a três, quatro a cinco e mais de cinco xícaras. No total, 100.510 (22,4%) da amostra se declarou não bebedora, servindo como grupo de comparação. A variedade instantânea foi a mais citada (44,1%), seguida de moída (18,4%) e descafeinada (15,2%).

Os cientistas compararam os dados de bebedores e não bebedores quanto à incidência de arritmias, doenças cardiovasculares e morte, após ajuste para idade, sexo, etnia, obesidade, pressão alta, diabetes, apneia obstrutiva do sono, tabagismo e consumo de chá e álcool. Informações sobre a saúde dos participantes foram obtidas em prontuários médicos e registros de óbito ao longo de 12,5 anos.

Durante o acompanhamento, 6,2% dos participantes morreram. A comparação entre os grupos de consumo mostrou que todos os tipos de café foram associados a uma redução na mortalidade por qualquer causa. A maior diminuição de risco foi observada entre aqueles que ingeriam duas a três xícaras por dia, comparadas às que não incluíam a bebida na rotina. Nesta dosagem, a probabilidade de óbito foi 14%, 27% e 11% menor, para preparações descafeinadas, moídas e instantâneas, respectivamente.

A doença cardiovascular foi diagnosticada em 9,6% dos participantes durante o acompanhamento. Todos os subtipos de café foram associados a uma redução na incidência dessas enfermidades. Novamente, o menor risco foi observado com duas a três xícaras por dia, que, em comparação com a abstinência da bebida, reduziu em 6%, 20% e 9% a chance de desenvolver problemas cardíacos.

Arritmias foram diagnosticadas em 6,7% dos participantes, sendo que café moído e instantâneo, mas não descafeinado, associaram-se a uma redução do problema, incluindo fibrilação atrial. Em comparação com os não bebedores, os riscos mais baixos foram observados com quatro a cinco xícaras por dia de café moído e duas a três xícaras de solúvel, com 17% e 12% de redução de probabilidade, respectivamente.

"Como o café pode acelerar a frequência cardíaca, algumas pessoas temem que a bebida desencadeie ou piore certos problemas cardiológicos. É daí que pode vir o conselho médico para parar de beber café", acredita Kistler. "Mas nossos dados sugerem que a ingestão diária de café não deve ser desencorajada, mas incluída como parte de uma dieta saudável para pessoas com e sem doenças cardíacas", diz.

O médico afirma que existem vários mecanismos que podem explicar as associações detectadas no estudo. "Existe toda uma gama de processos pelos quais o café pode reduzir a mortalidade e ter esses efeitos favoráveis nas doenças cardiovasculares. A cafeína é o constituinte mais conhecido do café, mas a bebida contém muito mais componentes biologicamente ativos. É provável que os compostos não cafeinados tenham sido responsáveis pelas relações positivas observadas entre o consumo de café, doenças cardiovasculares e sobrevivência", explica.

Segundo a médica nutróloga Marcella Garcez, professora e diretora da Associação Brasileira de Nutrologia, já foram descritos cientificamente mais de 20 compostos do café com efeitos na saúde. Ela destaca, porém, que as respostas ao mais famoso deles, a cafeína, podem variar em cada organismo. "Algumas pessoas são sensíveis à cafeína, apresentando problemas de digestão e gástricos, alterações de ritmo cardíaco e pressão arterial, agitação emocional e distúrbios do sono, situações em que o café tradicional deve ser deixado de lado", diz. "Para esses casos, o consumo do café descafeinado é interessante. Ele não faz mal para quem não quer ou não pode ingerir cafeína, e a sua produção de café não retira outros compostos que são essenciais para o sabor e aroma do café normal", explica.

Duane Mellor, nutricionista e professor da Escola de Medicina da Universidade Aston, na Inglaterra, destaca que é preciso considerar que os dados do estudo referem-se ao café puro. "Temos de lembrar que uma simples xícara de café, talvez com um pouco de leite, é muito diferente de um grande café com leite aromatizado com calda e creme adicionado. Portanto, o consumo moderado de café pode estar associado a um menor risco de doença cardíaca, mas é como ele é consumido que é importante."

 

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  • Equipe de cientistas levanta a hipótese de que compostos não cafeinados sejam os responsáveis pelas fortes relações positivas observadas
    Equipe de cientistas levanta a hipótese de que compostos não cafeinados sejam os responsáveis pelas fortes relações positivas observadas Foto: Clay Banks/Unsplash
  • Níveis mais altos da substância também estão ligados a menor risco de diabetes
    Níveis mais altos da substância também estão ligados a menor risco de diabetes Foto: NegativeSpace/Divulgação
  • TO GO VITH AFP STORY BY ELISABETH ZINGGA cup of coffee is pictured on July 5, 2012 in a Paris. AFP PHOTO / ANA AREVALO
    TO GO VITH AFP STORY BY ELISABETH ZINGGA cup of coffee is pictured on July 5, 2012 in a Paris. AFP PHOTO / ANA AREVALO Foto: ANA AREVALO

Evidências fortalecidas

 (crédito:  Laura Bennetto/Divulgação )
crédito: Laura Bennetto/Divulgação

"O café é quimicamente complexo, contém inúmeros componentes bioativos, e os níveis desses diferem dependendo de como ele é feito. O artigo aumenta o corpo de evidências de estudos observacionais que associam o consumo moderado de café à cardioproteção, o que parece promissor. No entanto, com pesquisas observacionais como essa, você não pode ter certeza de qual direção a relação segue. Por exemplo, o café torna as pessoas saudáveis ou as inerentemente mais saudáveis consomem café? Ensaios clínicos randomizados são necessários para entender completamente a relação entre café e saúde antes que recomendações possam ser feitas."

Charlotte Mills, professora de ciências nutricionais da Universidade de Reading, no Reino Unido

Menos acúmulo de gordura no fígado

 (crédito:  Universidade de Coimbra/Divulgação)
crédito: Universidade de Coimbra/Divulgação

O consumo de café parece ter outro benefício à saúde, além da proteção cardiovascular. Um estudo da Universidade de Coimbra publicado recentemente na revista Nutrients mostra que a cafeína, os polifenóis e outras substâncias naturais encontradas no café podem ajudar a reduzir a gravidade da doença hepática gordurosa não alcoólica (DHGNA) entre os obesos com diabetes tipo 2.

DHGNA é um termo que agrega distúrbios hepáticos causados pelo acúmulo de gordura no fígado. Estes podem levar à fibrose e progredir para cirrose, além de câncer no órgão. A condição não é o resultado do consumo excessivo de álcool, mas está geralmente associada a um estilo de vida pouco saudável, com sedentarismo e dieta rica em calorias.

No estudo, os participantes que mais consumiam café tinham fígados mais saudáveis, e aqueles com níveis mais altos de cafeína eram menos propensos a sofrer de fibrose hepática. Os pesquisadores sugerem que, para pacientes de diabetes 2 com excesso de peso, uma maior ingestão da bebida está associada à menor gravidade da doença hepática gordurosa não alcoólica.

Estresse oxidativo

Os pesquisadores entrevistaram 156 participantes obesos limítrofes, na meia idade, sobre a ingestão de café. Desses, 98 tinham diabetes 2 e forneceram amostras de urina coletadas ao longo de 24 horas. O material foi usado para medir metabólitos da cafeína — os produtos naturais do corpo que decompõem a bebida. A metodologia é considerada mais precisa que pedir para as pessoas autorrelatarem níveis de consumo.

Segundo os pesquisadores, a ingestão de cafeína está associada à diminuição da fibrose hepática na DHGNA e a outras condições crônicas do fígado. Já se sugeriu que outros componentes do café, incluindo polifenóis, reduzem o estresse oxidativo no órgão, reduzindo o risco de fibrose e melhorando a homeostase da glicose em pessoas saudáveis com sobrepeso. Todos esses fatores também podem aliviar a gravidade da diabetes 2.

"Devido a mudanças na dieta e estilo de vida moderno, há um aumento nas taxas de obesidade e incidência de diabetes 2 e DHGNA, que podem evoluir para condições mais graves e irreversíveis, sobrecarregando os sistemas de saúde", disse, em nota, o autor correspondente do estudo, John Griffith Jones, do Centro de Neurociência e Biologia Celular da Universidade de Coimbra. "Nossa pesquisa é a primeira a observar que quantidades cumulativas mais altas de metabólitos de cafeína na urina estão associadas a uma gravidade reduzida da doença hepática gordurosa não alcoólica em pessoas com excesso de peso e diabetes 2."

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