Antártica Ocidental

Ritmo de derretimento da "Geleira do Juízo Final" preocupa cientistas

Ritmo do derretimento nas fendas e nas rachaduras da geleira Thwaites, na Antártica Ocidental, preocupa cientistas. Do tamanho de São Paulo, a plataforma congelada tem o potencial de aumentar o nível global do mar em 64cm caso colapse

Paloma Oliveto
postado em 16/02/2023 06:00
 (crédito: NASA/J. Yungel)
(crédito: NASA/J. Yungel)

Ela é chamada de Geleira do Juízo Final, e não é à toa. Localizada na Antártica Ocidental, a Thwaites tem potencial de aumentar o nível do mar em 64cm caso colapse por completo. Impulsionado pelo aquecimento global, o desmantelamento da gigante de gelo já é responsável por cerca de 4% da elevação anual total e, segundo dois artigos publicados na revista Nature, o cenário pode piorar. Observações diretas mostram que, embora o derretimento de boa parte da plataforma ocorra em um ritmo mais fraco que o esperado, nas rachaduras e fendas ele está bastante acelerado.

Com o recuo da geleira e as projeções climáticas, os autores do estudo observam que as descobertas ajudam a entender como, em um futuro próximo e a longo prazo, a Thwaites contribuirá para a elevação do nível do mar, um fenômeno com potencial de produzir inundações e até mesmo engolir pequenas ilhas. A pesquisa é o retrato mais completo que se tem até agora do que ocorre sob a geleira, que tem o tamanho do estado de São Paulo.

No estudo, os pesquisadores observaram que uma camada de água doce entre o fundo da Thwaites e o oceano abaixo dela reduz, nas partes planas da plataforma, a taxa de derretimento. Porém, o que os surpreendeu foi ver que o gelo em liquefação forma uma espécie de escada no fundo da gigante. Nesses locais, assim como nas fendas, a destruição das camadas congeladas ocorre rapidamente.

Instável

Além de colossal, a Thwaites representa um dos sistemas mais instáveis da Antártica: o ponto onde ela encontra o fundo do mar (zona de aterramento) sofreu um recuo de 14km desde o fim dos anos de 1990. Grande parte dela está abaixo do nível oceânico, onde a suscetibilidade de perda rápida e irreversível é maior.

Os novos dados foram coletados como parte de um projeto liderado pela Grã-Bretanha e considerado uma das campanhas internacionais de maior porte já realizadas na Antártica. A equipe realizou as observações da zona de aterramento com um veículo submarino, para compreender como o gelo e o oceano interagem nessa região crítica. Para alcançá-la, foi preciso furar um poço de 600m de profundidade a 2m do local onde a geleira encontra o fundo do mar, no fim de 2019.

As medições, então, foram comparadas com registros da taxa de degelo feitas em cinco outros locais debaixo da plataforma. Durante nove meses, o oceano perto da zona de aterramento tornou-se mais quente e salgado, mas a taxa de derretimento na base foi, em média, de 2m a 5m por ano: menos do que o modelado anteriormente. "Se uma plataforma de gelo e uma geleira estiverem em equilíbrio, o gelo que sai do continente corresponderá à quantidade do que se perde por meio do derretimento e da desintegração do iceberg", diz o oceanógrafo Peter Davis, principal autor de um dos estudos. "O que descobrimos é que, apesar de pequenas quantidades de derretimento, ainda há um rápido recuo da geleira. Então, parece que não é preciso muito para desequilibrá-la."

Segundo Britney Schmidt, professora da Universidade Cornell, nos Estados Unidos, e autora do segundo artigo, o estudo inova na tecnologia e metodologia, fornecendo uma fotografia mais completa da Thwaites. "Essas novas formas de observar a geleira nos permitem entender que não é apenas quanto derretimento está acontecendo, mas como e onde está acontecendo. Vemos fendas, e provavelmente terraços, em geleiras em aquecimento como Thwaites. A água quente está entrando nas rachaduras, ajudando a desgastar a geleira em seus pontos mais fracos", disse, em nota.

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Um fenômeno iminente

 (crédito: Mario Tama/AFP)
crédito: Mario Tama/AFP

Uma rápida aceleração do aumento do nível do mar, em consequência da perda irreversível das camadas de gelo da Antártica e da Groenlândia, pode ser iminente se a temperatura global não se estabilizar abaixo de 1,8°C, em relação aos níveis pré-industriais. O alerta é de um grupo internacional de pesquisadores, em um artigo publicado na revista Nature Communications. Segundo o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnud), os últimos seis anos foram os mais quentes desde 1880, quando as medições começaram. Em 2020, a temperatura mundial estava 1,2°C acima do documentado no século 19 e, com o ritmo atual das emissões de CO2, as estimativas são de aumento no registro dos termômetros.

No artigo, os autores lembram que, em todo o mundo, populações costeiras se preparam para o aumento do nível do mar. Porém, as projeções do modelo climático mais recentes, apresentadas no sexto relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), indicam que a rapidez com que as principais camadas de gelo responderão ao aquecimento global dificulta o planejamento de ações para evitar inundações e outros danos.

O derretimento das camadas gélidas é o maior contribuinte para as mudanças no nível do mar e, historicamente, o mais difícil de prever, porque a física por trás do comportamento oceânico é complexa, argumentam os autores. A partir de um novo modelo, que, pela primeira vez, captura o acoplamento entre mantos de gelo, icebergs, oceano e atmosfera, a equipe de pesquisadores descobriu que um efeito de descontrole do manto de gelo/nível do mar só pode ser evitado se o mundo atingir o valor líquido de zero emissões de carbono antes de 2060.

"Se não tomarmos nenhuma atitude, o recuo das camadas de gelo continuará a aumentar o nível do mar em pelo menos 100cm nos próximos 130 anos", afirmou Axel Timmermann, coautor do estudo e diretor do Centro de Física Climática Universidade Nacional Pusan, na Coreia do Sul. "Isso se somaria a outras contribuições, como a expansão térmica da água oceânica."

O estudo destaca a necessidade de desenvolver modelos mais complexos do sistema terrestre que capturem os diferentes componentes climáticos, assim como suas interações. "Um dos principais desafios na simulação de mantos de gelo é que mesmo os processos de pequena escala podem desempenhar um papel crucial na resposta em larga escala de um manto de gelo e nas projeções correspondentes do nível do mar", diz Timmermann.

Para Robin Smith, pesquisador do Centro Nacional de Ciências Atmosféricas da Universidade de Reading, no Reino Unido, é urgente ampliar o entendimento de "como as camadas de gelo e suas interações frequentemente negligenciadas" podem ser incluídas nas projeções climáticas e de aumento do nível do mar. "Ao incluir essas interações em seu modelo, os autores do estudo demonstram claramente a possibilidade de a temperatura desencadear níveis extremamente prejudiciais de aumento do nível do mar mesmo abaixo do limite de 2ºC, frequentemente usado para definir mudanças climáticas 'seguras'", diz Smith, que não participou da pesquisa. 

Taxas incontroláveis

"O derretimento do manto de gelo da Antártica Ocidental dominará a elevação do nível do mar neste século. Uma das principais áreas de preocupação é a geleira Thwaites, na Antártica Ocidental, que cobre uma área do tamanho da Grã-Bretanha e tem o potencial de adicionar cerca de 60cm ao nível global do mar. A camada de gelo aqui fica abaixo do nível do mar e, portanto, está respondendo rapidamente ao aquecimento do oceano. Devido à sua geometria, a geleira Thwaites é potencialmente acidental, e a perda de gelo além de um certo ponto pode resultar no recuo da pista, acelerando a elevação do nível do mar a taxas que se tornam incontroláveis para as comunidades costeiras em todo o mundo."

Alex Brisbourne, glaciologista da British Antarctic Survey

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