cura do HIV

Pela quinta vez na história, homem é curado de HIV com células-tronco

Um transplante de medula óssea exterminou o vírus do organismo. O paciente alemão, assim como os anteriores, tinha leucemia e passou pelo procedimento para tratar o câncer

Paloma Oliveto
postado em 21/02/2023 06:00
 (crédito: NIAID/Divulgação)
(crédito: NIAID/Divulgação)

Um homem de 53 anos é a quinta pessoa em todo o mundo a ser curada da infecção por HIV após passar por um transplante de células-tronco. O morador de Düsseldorf, na Alemanha, fez o procedimento há quase 10 anos para tratar uma leucemia mieloide aguda (LMA), câncer hematológico que pode matar. O paciente deixou de tomar os medicamentos antivirais em 2018 e, desde então, não há sinais do vírus da Aids em seu organismo.

Antes dele, três homens e uma mulher que também tinham leucemia, além de HIV, foram considerados curados da infecção depois do transplante de células-tronco: o paciente de Berlim, em 2011; o de Londres, em 2019; o de City of Hope (Califórnia) e a de Nova York, ambos no ano passado. Os médicos do Hospital Universitário de Düsseldorf, responsáveis pelo caso atual, destacam que o procedimento de alto risco só pode ser realizado em pessoas com leucemia ou outras doenças potencialmente letais. Porém, afirmam que o terceiro caso de remissão total do vírus seguido da cirurgia abre caminho para futuras pesquisas que encontrem uma forma de livrar o organismo do HIV, sem necessidade de uma abordagem perigosa como essa.

Björn Jensen, especialista em doenças infecciosas que liderou a equipe internacional de cientistas responsáveis pelo tratamento, conta que, até agora, este é o monitoramento mais longo e preciso de uma pessoa com HIV após o transplante de células-tronco. Segundo o médico, seis meses depois de começar a terapia antiviral, o paciente de Düsseldorf foi diagnosticado com LMA. Em 2013, ele passou pelo procedimento cirúrgico. "Desde o início, o objetivo era tratar tanto a leucemia quanto o HIV", disse, em nota, Guido Kobbe, cirurgião que realizou o transplante.

Björn Jensen, especialista em doenças infecciosas do Hospital Universitário de Düsseldorf
Björn Jensen, especialista em doenças infecciosas do Hospital Universitário de Düsseldorf (foto: Hospital Universitário de Düsseldorf/Divulgação )

Rara

As células-tronco extraídas da medula óssea do doador tinham uma mutação específica no gene CCR5, chamada CCR5Delta32. A rara variante genética, encontrada em cerca de 1% da população originária do centro e do norte da Europa, faz com que o HIV não consiga se abrigar nas células do sistema imunológico, fornecendo uma proteção natural contra o vírus. Ao receber o transplante, o paciente ficou livre tanto da doença quanto do vírus, explicaram os cientistas, que detalham o procedimento em um artigo publicado na edição de ontem da revista Nature Medicine.

Segundo a equipe de médicos, em 2018, depois de um planejamento criterioso de acompanhamento frequente do paciente, a terapia antiviral para o HIV foi encerrada. Para falar de cura com segurança, desde então foram realizados diversos testes para tentar encontrar possíveis sinais da presença de vírus capazes de se replicar. Nenhum dos exames apontou a existência do micro-organismo e a saúde do paciente segue boa, disseram os cientistas.

Björn Jensen ressalta que, depois do primeiro relato mundial de um transplante de células-tronco que curou o HIV em um paciente, muitas perguntas sobre os pré-requisitos para a realização do procedimento permaneceram. Agora, diz ele, a análise virológica e imunológica detalhada do sangue e tecido do paciente de Düsseldorf responde algumas dessas questões. "Após nossa pesquisa intensiva, podemos confirmar que é fundamentalmente possível prevenir a replicação do HIV de forma sustentável, combinando dois métodos principais", disse.

Por um lado, ocorre o esgotamento extensivo do reservatório do vírus nas células imunológicas. "Por outro lado, acontece a transferência da resistência ao HIV do sistema imunológico do doador para o receptor, garantindo que o vírus não tenha chance de se espalhar de novo. Mais pesquisas são necessárias, agora, sobre como isso é possível fora do conjunto restrito de condições estruturais que descrevemos", complementa.

Cautela

"Nossa equipe decidiu adotar uma abordagem muito cautelosa e extremamente completa. O foco, naturalmente, estava em alcançar o maior benefício possível para o nosso paciente", relata Tom Lüdde, coautor do artigo e diretor do Departamento de Gastroenterologia, Hepatologia e Infectologia do Hospital Universitário de Düsseldorf. "No entanto, também pretendemos dar uma contribuição significativa para a compreensão dos fatores de sucesso desta terapia."

Para José Alcami, virologista e diretor da Unidade de Imunopatologia de Aids do Instituto de Saúde Carlos III, na Espanha, a maior novidade do estudo, comparado aos dois relatos anteriores, é a aplicação de tecnologias mais avançadas de detecção de reservatórios virais, além de um estudo imunológico mais aprofundado. "O vírus é o que é detectado, e a resposta imune é o espelho que reflete se o HIV ainda está presente. O paciente não apresentou recorrência de viremia (presença do micro-organismo no sangue) quatro anos após a interrupção do tratamento. Portanto, as chances de cura são muito altas", ressalta Alcami, que não participou do estudo.

Porém, na opinião do especialista, embora o artigo represente um avanço para o conhecimento científico, por ora, a implicação para a prática clínica é nula. "O trabalho tem muito mérito, é bem feito e realizado por grupos de prestígio. Porém, como em todos os casos de erradicação ou cura funcional, é uma excepcionalidade que não pode ser ampliada a quase nenhum doente. Seria antiético realizar um transplante de medula óssea sem indicação para doença hematológica, porque a mortalidade do procedimento é muito alta, mais de 40%", diz.

Desafio

Alcançar o efeito com terapia gênica, silenciando, por exemplo, o gene CCR5 nas células de defesa ainda é um desafio distante, assinala Alcami. "Os ensaios realizados até agora nesse sentido produziram resultados muito transitórios e clinicamente irrelevantes. Em síntese, o trabalho é um avanço em nosso conhecimento, mas a estratégia é inviável para pacientes convivendo com HIV; não representa uma esperança para a grande maioria."

Em nota, o paciente de Düsseldorf, que não teve a identidade revelada, disse que tem esperança na evolução das pesquisas para que mais pessoas possam ser beneficiadas. "No meu caso, o transplante foi necessário devido à leucemia, mas realmente o procedimento é uma estrada com muitos percalços. Agora decidi desistir de parte da minha vida privada para apoiar a arrecadação de fundos para pesquisas. E, claro, também será muito importante para mim combater a estigmatização do HIV com minha história."

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Avanços tecnológicos

Ao acompanhar o paciente por uma década após o transplante, os pesquisadores mostraram que seu sistema imunológico resistente ao HIV está estável e funcionando bem, e que ele permanece saudável após interromper a terapia antiviral por quatro anos. Nos últimos 10 anos, as tecnologias de células-tronco e edição de genes avançaram a ciência médica a um ponto em que agora podemos projetar células-tronco para tais terapias. Em vez de colher células-tronco de doadores com genética rara e especial, elas podem ser criadas em instalações especializadas, sob condições altamente controladas e em maiores quantidades. Este é um progresso importante e empolgante na luta contra a Aids, mas ainda não está claro se o tipo de terapia é uma 'cura' para toda a vida. O risco de transmitir o HIV, embora extremamente baixo, nunca será zero usando apenas essa abordagem.

Ioannis Jason Limnios, pesquisador de células-tronco do Centro Clem Jones de Medicina Regenerativa da Universidade de Bond, na Austrália

 

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