Mudanças Climáticas

IPCC alerta para planeta Terra à beira de um colapso humanitário

Revisão de quase uma década das análises feitas pelo Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) mostra que resta pouco tempo para evitar que a Terra se torne inabitável em função dos desdobramentos do aquecimento global

Paloma Oliveto
postado em 21/03/2023 06:00
 (crédito: INA FASSBENDER)
(crédito: INA FASSBENDER)

Não há mais como negociar: ou os países cumprem as metas de redução de gases de efeito estufa, ou sofrerão, mais rápido do que imaginam, as consequências catastróficas do aquecimento global. Essa é a principal mensagem do relatório síntese do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), organismo da ONU formado por cientistas de todo o mundo. O documento, apresentado ontem, destaca que, no ponto em que o planeta chegou, não se trata mais de uma crise climática, mas humanitária.

Síntese do trabalho do IPCC dos últimos oito anos e derradeiro documento lançado pelo painel científico até 2030, o documento destaca que, sem reduzir os níveis de aquecimento abaixo de 2ºC e, preferencialmente, até 1ºC com base nas medições da era pré-industrial, os estragos não terão volta. Muitos dos danos provocados aos ecossistemas terrestres e aquáticos se aproximam do ponto de inflexão, quando a catástrofe é irreversível. "Esse relatório é um apelo para acelerar massivamente os esforços climáticos de todos os países e setores e em todos os prazos. Nosso mundo precisa de ação climática em todas as frentes: tudo, em todos os lugares, ao mesmo tempo", disse o secretário-geral da ONU, António Guterres, em uma mensagem de vídeo.

Diferentemente dos documentos anteriores, a síntese, assinada por 93 cientistas, não traz dados propriamente novos, porque é uma revisão de quase uma década de produção científica do IPCC (veja quadro). O documento fornece uma visão geral dos relatórios produzidos pelos três grupos de trabalho: bases da ciência física; impactos, adaptação e vulnerabilidade; e mitigação da mudança climática. Além disso, três avaliações especiais divulgadas durante esse ciclo, incluindo uma sobre os oceanos, foram consideradas. Ao combinar todas essas informações, a conclusão é a de que resta muito pouco tempo para evitar que a Terra se torne inabitável em um futuro não tão distante.

"A primeira mensagem é que temos muitas evidências, cada vez crescentes, de que a mudança climática está realmente afetando negativamente a nossa sociedade e o funcionamento dos nossos ecossistemas hoje", avalia Paulo Artaxo, professor da Universidade de São Paulo (USP) e coordenador do Programa Mudanças Climáticas da Fundação de Amparo à Pesquisa da Universidade de São Paulo (Fapesp). "O ritmo e a escala do que foi feito até agora e os planos atuais para enfrentar as alterações climáticas são insuficientes", acredita Mercedes Bustamante, professora da Universidade de Brasília (UnB), presidente da Capes e revisora do relatório síntese do IPCC.

Segundo a pesquisadora, o relatório mostra que há evidências de ações. Porém, embora as emissões tenham desacelerado, ainda não estão em rota descendente. "Continuamos mal preparados para as ameaças que já enfrentamos e que vamos enfrentar no futuro", diz. Paulo Artaxo e Mercedes Bustamante participaram, ontem, de uma coletiva de imprensa sobre os desafios brasileiros frente aos resultados apresentados pelo IPCC.

Indicações

O relatório também indica que é possível evitar o colapso. Em uma entrevista on-line organizada pela ONU, Hoesung Lee, presidente do IPCC, disse que depende da humanidade garantir um futuro menos catastrófico. "O relatório mostra claramente que a humanidade tem o conhecimento e a tecnologia para enfrentar as mudanças climáticas induzidas pelo homem. Mas não só isso. Eles mostram que temos capacidade de construir uma sociedade muito mais próspera, inclusiva e equitativa nesse processo."

Segundo Simon Stiell, secretário executivo da Conveção-Quadro das Nações Unidas para Mudanças Climáticas, a década atual é crítica. "As emissões globais precisam ser reduzidas em quase 43% até 2030 para que o mundo alcance a meta do acordo de Paris. O relatório de síntese destaca o quanto estamos fora do caminho." Porém, não é tarde demais, acrescenta. "O IPCC demonstra claramente que é possível limitar o aquecimento global a 1,5°C com reduções rápidas e profundas de emissões em todos os setores da economia global. Ele nos deu muitas opções de mitigação e adaptação viáveis, eficazes e de baixo custo para expandir em vários setores e países."

Os desafios são imensos, destaca Robert Bellany, professor de clima e sociedade na Universidade de Manchester, no Reino Unido. "O relatório síntese do IPCC deixa claro que retirar o dióxido de carbono do ar não é apenas uma opção, mas uma necessidade", ressalta o pesquisador, que não faz parte do painel intergovernamental. "Mas os métodos de remoção de carbono, como reflorestamento e bioenergia com captura e armazenamento de carbono, também trazem riscos significativos para as pessoas e o meio ambiente. Agora, precisamos de uma ampla conversa social sobre quais métodos adotar, como incentivá-los e, finalmente, como governá-los. Não se engane, precisamos fazer a remoção de carbono, mas precisamos fazer isso com responsabilidade."

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Principais conclusões

 (crédito: ALBERTO PIZZOLI)
crédito: ALBERTO PIZZOLI

A temperatura global da superfície aumentou mais rapidamente desde 1970 do que em qualquer outro período de 50 anos durante os últimos 2000 anos.

O caminho mais ambicioso e único alinhado a Paris oferece 50% de chance de limitar o aquecimento a cerca de 1,5°C até o fim do século.

Todos os modelos que limitam o aquecimento a 1,5°C ou a 2°C envolvem reduções rápidas e profundas e, na maioria dos casos, imediatas das emissões de gases de efeito estufa em todos os setores nesta década.

As emissões líquidas globais de CO2 zero para as metas de 1,5°C e 2°C precisam ser alcançadas no início da década de 2050 e por volta do início da década de 2070, respectivamente.

Limitar o aquecimento global requer emissões zero líquidas de CO2.

Atingir a emissão líquida zero requer redução de outros gases também, como o metano. Nos modelos que limitam o aquecimento a 1,5°C, as emissões globais de metano são reduzidas em 34% até 2030, em relação a 2019.

Os sistemas de energia de CO2 zero líquido são alcançados por meio de uma redução substancial no uso geral de combustíveis fósseis, sistemas elétricos que não emitem CO2 líquido; da conservação e eficiência energética; e de maior integração em todo o sistema energético.

O uso de combustível fóssil está impulsionando de forma esmagadora o aquecimento global: em 2019, cerca de 79% das emissões globais vieram de energia, indústria, transporte e edifícios, e 22% do uso da terra.

A mudança climática causa estragos em todo mundo, mas algumas pessoas e lugares são mais duramente atingidos: há cerca de 3,3 a 3,6 bilhões de pessoas vivendo em contextos altamente vulneráveis às mudanças climáticas, com risco 15 vezes maior de morrer devido a enchentes, secas e tempestades.

A mudança climática reduziu a segurança alimentar e afetou a segurança da água, e os eventos de calor extremo estão aumentando as taxas de mortalidade e doenças.

O aquecimento traz um ciclo global da água imprevisível, secas e incêndios, inundações devastadoras, eventos extremos ao nível do mar e ciclones tropicais mais intensos. Muitos riscos relacionados ao clima são maiores do que foram previstos pelo IPCC anteriormente.

Os atuais níveis de financiamento para o clima são altamente inadequados: a maioria das finanças climáticas é direcionada para a mitigação, mas ainda fica aquém dos níveis necessários para limitar o aquecimento a menos de 2°C ou para cumprir a meta de 1,5°C.

No ritmo atual, é provável que o aquecimento exceda 1,5°C durante o século 21. Se as lacunas não forem preenchidas, o mundo está no caminho certo para o aquecimento global de 3,2°C até 2100.

Nem tudo são más notícias: o relatório destaca a popularização e a viabilidade de tecnologias como energia solar e eólica, sistemas urbanos eletrificados, infraestrutura verde urbana, eficiência energética, gestão do lado da demanda, melhoria das florestas e da gestão de plantações/ pastagens, e redução do desperdício e perda de alimentos.

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