obesidade

Cientistas testam a eficácia de remédio com efeito de bariátrica

Testado em animais, composto faz uma espécie de reprogramação metabólica de todo o organismo, reduzindo a ingestão de alimentos em 87%. Segundo os cientistas, a droga não causa efeitos colaterais, diferentemente de opções disponíveis

Paloma Oliveto
postado em 30/03/2023 06:00
 (crédito:  110047 0000)
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Na luta contra a pandemia de obesidade, a indústria farmacêutica aposta em novos medicamentos injetáveis ou orais que simulam um mecanismo natural de saciedade, os chamados análogos do hormônio GLP-1. Essas drogas, porém, podem provocar náusea e vômitos em muitos pacientes. Agora, pesquisadores norte-americanos anunciaram, no encontro de primavera da Sociedade Norte-Americana de Química, um composto que age de forma semelhante, mas sem nenhum efeito colateral. Testada em roedores e pequenos mamíferos, a substância promoveu uma redução de 87% da ingestão de alimentos, além de aumentar o gasto energético, potencializando a perda de peso.

Segundo Robert Doyle, um dos principais pesquisadores do projeto da Universidade de Syracuse, em Nova York, o composto teria um efeito semelhante ao da cirurgia bariátrica, que não apenas reduz o peso, mas provoca uma reprogramação metabólica em todo o organismo. "A cirurgia bariátrica oferece uma solução para obesidade e diabetes, muitas vezes resultando em perda de peso duradoura e até remissão do diabetes. Mas essas operações apresentam riscos, não são adequadas para todos e não são acessíveis para muitas das centenas de milhões de pessoas em todo o mundo que são obesas ou diabéticas", destaca Doyle, que apresentou o composto em uma entrevista coletiva on-line.

O pesquisador explica que, após a cirurgia, ocorre uma alteração nos níveis de secreção no trato gastrointestinal de hormônios que sinalizam saciedade, reduzem o apetite e normalizam a taxa de açúcar no sangue. Entre eles, estão o GLP-1 e o PYY. Considerados revolucionários, os tratamentos medicamentosos atuais que visam replicar esse efeito ativam, especialmente, receptores celulares do GLP-1 no pâncreas e no cérebro. "Mas muitas pessoas não toleram os efeitos colaterais das drogas. Em um ano, 80% a 90% das pessoas que começam a usar essas drogas não as estão mais tomando", diz.

Para reverter o problema, diversos pesquisadores têm buscado opções semelhantes que não provoquem náuseas e vômitos. A equipe de Doyle criou um peptídeo que, além do receptor do GLP-1, ativa dois receptores do PYY. O chamado GEP44 reduziu em quase 90% a ingesta alimentar dos animais que, ao fim de duas semanas, haviam perdido 12% do peso, três vezes mais do que os ratos tratados com a liraglutida, comercialmente vendida com o nome de saxenda. Segundo Doyle, a substância em teste não provocou efeitos colaterais nem nos camundongos nem nos musaranhos, pequenos mamíferos também usados no estudo.

O pesquisador, especialista em medicina química, explica que a perda de peso nos animais não ocorre apenas em decorrência da diminuição da ingestão calórica, mas do maior aumento do gasto energético, sem afetar o coração, uma preocupação de Doyle. A substância tem uma meia-vida de apenas uma hora, mas os pesquisadores da Universidade de Syracuse acabaram de projetar um peptídeo que permanece mais tempo no organismo. A ideia é que, se o GEP44 passe em todos os testes, inclusive em humanos, a substância seja injetada uma ou duas vezes por semana, em vez de diariamente.

Doyle destaca que, além da perda de peso, os tratamentos com peptídeos reduzem o açúcar no sangue, levando a glicose para o tecido muscular, onde pode ser usada como combustível, e convertendo células do pâncreas em produtoras de insulina. Recentemente, a equipe do pesquisador demonstrou, também, que o GEP44 reduz, em roedores, o desejo por opioides como o fentanil. Se o efeito for constatado em humanos, isso poderia ajudar no tratamento de dependência química.

Cérebro

O composto não foi desenvolvido pela indústria farmacêutica e, atualmente, os pesquisadores da Universidade de Syracuse aguardam a patente para testar os peptídeos em primatas. No momento, eles estudam como esses tratamentos alteram a expressão genética, configurando o cérebro. "Agora, o que realmente queremos fazer é chegar ao nível do transcriptoma, o nível em que as proteínas mudam a ativação dos neurônios. Para isso, temos o projeto chamado 10X transcriptomas, onde podemos olhar cada neurônio individualmente para ver quais genes estão mudando em resposta à nossa droga e que não mudam com as terapias atuais", conta Doyle.

Embora o GEP44 ainda esteja na fase de testes com animais, o químico está animado com os resultados. "Para perder peso, é preciso reduzir a ingestão de calorias e aumentar o gasto energético. Porém, isso não é simples. Diminuir a quantidade de calorias não é suficiente se temos como alvo uma população que precisa perder uma significativa quantidade de peso e, o mais importante, não reganhar. Nossa ideia é mudar o comportamento metabólico, do fígado ao pâncreas, como acontece pós-cirurgia bariátrica. Então, o que estamos fazendo é uma reprogramação sistêmica, e não apenas cortando a fome."

O médico Temístocles Neto, especialista em emagrecimento e metabologia, conta que, a partir do grau II da obesidade — índice de massa corporal (IMC) acima de 35 —, o paciente já tem indicação para a cirurgia bariátrica ou para o tratamento com remédios, com abordagem multidisciplinar, dependendo da condição clínica. Ele afirma que os medicamentos análogos GLP-1 são, hoje, considerados os mais eficazes para combater a doença.

"Existem diversos estudos comprovando os benefícios dos análogos GLP-1, que hoje existem tanto na forma subcutânea quanto na de comprimido oral. Essas medicações podem apresentar resultados duradouros se os pacientes também mudarem o estilo de vida", ressalta Neto. "O paciente consegue perder peso. Caso não mude o estilo de vida ou suspenda o tratamento, isso pode gerar ganho de peso, porque a obesidade é uma doença, que precisa ser tratada", destaca.

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Covid na gravidez aumenta risco de obesidade

Crianças nascidas de mães que tiveram covid-19 durante a gravidez podem ter maior probabilidade de desenvolver obesidade, de acordo com um novo estudo publicado no Journal of Clinical Endocrinology & Metabolism, da Sociedade Endócrina, nos Estados Unidos. Segundo os pesquisadores, pode-se esperar que milhões de bebês serão expostos à infecção materna durante o desenvolvimento fetal nos próximos cinco anos.

“Nossas descobertas sugerem que as crianças expostas in utero à covid têm um padrão de crescimento alterado no início da vida que pode aumentar o risco de obesidade, diabetes e doenças cardiovasculares ao longo do tempo”, disse Lindsay T. Fourman, do Hospital Geral de Massachusetts. “Ainda há muita pesquisa necessária para entender os efeitos da covid em mulheres grávidas e seus filhos”, completou.

Os pesquisadores estudaram cerca de 150 bebês nascidos de mães que tiveram a infecção pelo Sars-CoV-2 durante a gravidez e descobriram que essas crianças tinham menor peso ao nascer, seguido de maior ganho de peso no primeiro ano de vida, em comparação com cerca de 130 meninos e meninas cujas mães não tiveram a doença no pré-natal. Essas mudanças têm sido associadas a um risco aumentado de obesidade, diabetes e doenças cardiovasculares.

“Nossas descobertas enfatizam a importância do acompanhamento de longo prazo de crianças expostas in utero à infecção materna por covid, bem como a ampla implementação de estratégias de prevenção entre gestantes”, disse Andrea G. Edlow, do Hospital Geral de Massachusetts. “Estudos maiores com maior duração de acompanhamento são necessários para confirmar essas associações.”

Duas perguntas para...

João Lindolfo Borges, endocrinologista, ex-presidente da regional DF da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (Sbem) e coordenador do Centro de Pesquisa Clínica do Brasil

26/01/2017. Crédito: Arquivo Pessoal. Brasil. Brasília - DF. Marcas &Negócios - Espaço Gente - 28/01. João Lindolfo Cunha Borges, diretor-presidente do Centro de Pesquisa Clínica do Brasil.
26/01/2017. Crédito: Arquivo Pessoal. Brasil. Brasília - DF. Marcas &Negócios - Espaço Gente - 28/01. João Lindolfo Cunha Borges, diretor-presidente do Centro de Pesquisa Clínica do Brasil. (foto: Arquivo Pessoal)

Os estudos asseguram que os resultados dos análogos de GLP-1 são duradouros?

Já temos dados suficientes para assegurar que os tratamentos com GLP-1 têm resultado duradouro, talvez não tão bons com o passar dos anos como no começo. Esses medicamentos têm duas ações. Uma no cérebro, aumentando a saciedade e diminuindo o apetite, e a outra promovendo um retardo no esvaziamento gástrico. Então, a pessoa come um pouquinho e fica com a barriga cheia por muito tempo. Isso ajuda a diminuir a ingestão de alimentos. Agora, a pessoa tem de ter alguns cuidados. Se come muito, come comida gordurosa, ou ingere bebida alcoólica, isso vai levar à náusea.

Essa é a abordagem de pesquisa mais promissora para a obesidade?

As últimas drogas que tivemos para obesidade foram o orlistate e a sibutramina, nos anos 2000. Depois, ficou parado. Com essa verdadeira pandemia de obesidade, precisávamos de mais opções. Hoje, tem vários estudos com moléculas que agem de uma, duas ou três formas, como a liraglutida e a semaglutida. Agora, temos uma molécula nova, que é a tizerpatida, que, talvez, seja a mais potente no momento, e que estamos testando atualmente em um estudo de fase 3 no Centro de Pesquisa Clínica do Brasil, no DF. Podemos esperar uma avalanche de medicações para diabetes e obesidade.

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