INOVAÇÃO

Cientistas criam embriões usando células-tronco de macacos

Implantadas em macacas, estruturas produzem reações do início de uma gravidez, como a liberação de hormônios. Para pesquisadores chineses, o experimento inédito pode ajudar a aprofundar o conhecimento sobre o começo da gestação humana

Isabella Almeida
postado em 07/04/2023 06:00
 (crédito: Wikipedia/Reprodução)
(crédito: Wikipedia/Reprodução)

Pesquisadores da China conseguiram, pela primeira vez, criar estruturas semelhantes a embriões utilizando células-tronco embrionárias de macacos. Ao serem implantadas no útero de fêmeas, a estrutura gerou uma resposta parecida à das fases iniciais de uma gestação. A expectativa é de que o trabalho, detalhado na revista Cell Stem Cell, ajude no melhor entendimento de complicações iniciais da gravidez natural e na melhora de procedimentos da fertilização in vitro.

Os autores do artigo ressaltam que questões éticas impedem testes com embriões humanos, e isso faz com que essa fase inicial de desenvolvimento embrionário seja pouco conhecida. "Como os macacos estão intimamente relacionados aos humanos em termos evolutivos, esperamos que o estudo desses modelos aprofunde nossa compreensão do desenvolvimento embrionário humano, inclusive lançando luz sobre algumas das causas de abortos prematuros", afirma, em nota, o coautor Zhen Liu, da Academia Chinesa de Ciências (CAS) em Xangai.

O experimento em laboratório criou, segundo a equipe, um sistema semelhante a um embrião que pode ser induzido e cultivado indefinidamente. Células-tronco embrionárias de macacos foram expostas a vários fatores de crescimento e estimuladas a formar estruturas semelhantes a embriões com cinco a sete dias de existência. Os naturais se chamam blastocistos. Os criados pela equipe chinesa, blastoides.

Quinze dias após o início da cultura, os cientistas puderam notar estruturas parecidas com saco vitelino, que se forma antes da placenta, e também âmnio, que envolve o embrião. Entre os 41 blastoides obtidos, 5% desenvolveram uma estrutura que dá início à reorganização celular.

Os cientistas realizaram o sequenciamento de RNA de 6 mil células individuais, que revelou que os diferentes tipos encontrados dentro das estruturas tinham padrões de expressão gênica semelhantes às células de blastocistos naturais ou embriões pós-implantação.

Blastoides preparados para transferência
Blastoides preparados para transferência (foto: Cell System Cell)

Apesar de diversas células dos blastoides não terem se desenvolvido como esperado durante a cultura, algumas apresentaram genes que são associados ao endoderma, responsável por formar o revestimento dos tratos respiratório e gastrointestinal. Outras foram associadas com genes que participam do desenvolvimento da placenta.

Evolução limitada

A equipe também transferiu os blastoides para o útero de oito fêmeas de macaco. Entre sete a 10 dias após o transplante, três animais apresentaram sacos gestacionais. Os cientistas escolheram cobaias da espécie Macaca fascicularis, também conhecido como macaco de cauda longa, pela maior similaridade com características humanas.

A implantação desencadeou a liberação dos hormônios da gravidez: progesterona e gonadotrofina coriônica. No entanto, em 20 dias, os sinais de gravidez desapareceram, e os fetos não foram formados. Segundo os cientistas, as estruturas semelhantes a embriões não têm potencial de desenvolvimento completo.

A expectativa é de que, nos próximos experimentos, o grupo foque ainda mais no desenvolvimento do sistema de cultura de estruturas semelhantes a embriões de células de macaco. "Isso nos fornecerá um modelo útil para estudos futuros. Aplicações adicionais de blastoides de macaco podem ajudar a dissecar os mecanismos moleculares do desenvolvimento embrionário de primatas", declarou, em nota, o coautor Fan Zhou, da Universidade de Tsinghua.

Para o médico Bruno Ramalho, especialista em reprodução assistida, a pesquisa abre caminho para novas descobertas, mas ainda há muito o que ser estudado acerca do assunto. "Esse é somente o primeiro estudo demonstrando a possibilidade de se criar estruturas embrionárias a partir de células-tronco retiradas de embriões em macacos. Por isso, é preciso ter muita cautela quanto aos resultados", afirma

Ramalho descarta uma aplicação clínica imediata dos procedimentos criados pela equipe chinesa. "Em um futuro longínquo, é possível que estudos como esse forneçam conhecimento suficiente para predizermos o potencial de implantação de um embrião e, talvez, até sermos capazes de melhorar os resultados em técnicas de reprodução assistida. Mas, insisto, qualquer suposição é mero exercício de previsão do futuro", enfatiza.

Zhen Liu, co-autor da pesquisa
Zhen Liu, co-autor da pesquisa (foto: Institute of Neuroscience, Chinese Academy of Sciences)

Lacunas a serem preenchidas

"Em razão dos limites éticos óbvios, principalmente para os estudos envolvendo humanos, ainda há muitas lacunas sobre o desenvolvimento embrionário e os eventos biológicos iniciais relacionados à evolução saudável da gravidez. Então, os impactos de pesquisas como esta estão diretamente relacionados ao aprofundamento desse conhecimento. A reprodução humana assistida já subiu muitos degraus evolutivos desde o primeiro nascimento, 45 anos atrás. Mas as chances de sucesso permanecem abaixo do que nós gostaríamos de oferecer: nos melhores cenários, as taxas de gravidez e nascidos vivos em tratamentos de reprodução assistida ficam próximas de 50%. Conhecer mais profundamente aspectos da biologia embrionária, certamente, poderia mudar esse cenário. Com ética e fomento à ciência, quem sabe um dia cheguemos a resultados melhores."

Bruno Ramalho, ginecologista especialista em reprodução assistida da Maternidade Brasília

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  • Zhen Liu, co-autor da pesquisa
    Zhen Liu, co-autor da pesquisa Foto: Institute of Neuroscience, Chinese Academy of Sciences
  • Blastoides preparados para transferência
    Blastoides preparados para transferência Foto: Cell System Cell
  • Blastoides, que se assemelham ao estágio inicial de um embrião, colocados no útero de animais do gênero Macaca fascicularis: sinais da gravidez sumiram em 20 dias
    Blastoides, que se assemelham ao estágio inicial de um embrião, colocados no útero de animais do gênero Macaca fascicularis: sinais da gravidez sumiram em 20 dias Foto: Wikipedia/Reprodução

Lacunas a serem preenchidas

"Em razão dos limites éticos óbvios, principalmente para os estudos envolvendo humanos, ainda há muitas lacunas sobre o desenvolvimento embrionário e os eventos biológicos iniciais relacionados à evolução saudável da gravidez. Então, os impactos de pesquisas como esta estão diretamente relacionados ao aprofundamento desse conhecimento. A reprodução humana assistida já subiu muitos degraus evolutivos desde o primeiro nascimento, 45 anos atrás. Mas as chances de sucesso permanecem abaixo do que nós gostaríamos de oferecer: nos melhores cenários, as taxas de gravidez e nascidos vivos em tratamentos de reprodução assistida ficam próximas de 50%. Conhecer mais profundamente aspectos da biologia embrionária, certamente, poderia mudar esse cenário. Com ética e fomento à ciência, quem sabe um dia cheguemos a resultados melhores."

Bruno Ramalho, ginecologista especialista em reprodução assistida da Maternidade Brasília

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