EVOLUÇÃO

Cientistas fazem um retrato inédito do genoma dos primatas não humanos

Edição da revista Science traz 10 pesquisas que detalham processos genéticos de 86% dos gêneros dos primatas. O trabalho poderá ajudar na preservação de espécies e em estudos sobre doenças comum em humanos

Isabella Almeida
postado em 02/06/2023 06:00
Babuínos da Guiné estão entre as espécies estudadas: investigação contemplou todas as 16 famílias catalogadas no mundo -  (crédito:  Sascha Knauf)
Babuínos da Guiné estão entre as espécies estudadas: investigação contemplou todas as 16 famílias catalogadas no mundo - (crédito: Sascha Knauf)

Um grande esforço científico acaba de resultar no retrato genético mais completo dos primatas não humanos. Publicado em uma edição especial da revista Science, o pacote com 10 pesquisas traz informações inéditas sobre questões evolutivas, sobre como esses animais são ameaçados pela caça ilegal e pelas mudanças climáticas e de que maneira a genética pode influenciar em processos de extinção. Também aborda a ligação humana com os outros primatas e de que maneira o DNA deles pode ajudar na busca por melhorias na saúde do homem moderno.

Um dos estudos, liderado por Lukas Kuderna, do Instituto de Biologia Evolutiva, na Espanha, serviu como base para as outras pesquisas. Nele, são apresentados dados completos do DNA de 233 espécies, que representam 86% dos gêneros de primatas e todas as 16 famílias catalogadas no mundo. "Geramos, de longe, o maior catálogo de diversidade genética de diferentes espécies de primatas até o momento, incluindo mais de 800 genomas de 233 espécies diferentes", enfatiza o cientista.

Com os dados, os pesquisadores puderam avaliar associações entre variação genômica e fatores como clima e sociabilidade, além de estudar se a diversidade genética está correlacionada ao risco de extinção em primatas. Com o sequenciamento dos genomas, segundo Kuderna, é possível mostrar como a perda de biodiversidade impacta os animais a nível genético e abrir a possibilidade de essas informações ajudarem na definição de novos esforços de conservação. "Algumas das espécies avaliadas estão entre os primatas mais ameaçados da Terra, tendo apenas 50 indivíduos na natureza", detalha.

Comparações

Liderados por Iker Rivas-González, cientistas da Universidade de Aarhus, na Dinamarca, investigaram a especiação, processo pelo qual uma população evolui, dando origem a novas espécies. A equipe focou em como algumas partes do DNA dos animais demoram algum tempo para apresentar essas diferenças. Ao contabilizar a classificação incompleta da linhagem entre primatas, os cientistas conseguiram construir uma relação evolutiva desses mamíferos que está de acordo com as estimativas realizadas através de estudos com fósseis.

Salmo Raskin, especialista em pediatria e genética e diretor do Laboratório Genetika em Curitiba, explica que trabalhos de genômica comparativa surgiram com o sequenciamento do genoma de humanos e de outras espécies e podem fornecer informações valiosas. "Entre os objetivos, está identificar sequências genéticas que nos separam de outros primatas. E, através do estudo dessas sequências de DNA, tentar entender características específicas do ser humano, como cérebro grande e consequente capacidade cognitiva superior, andar só com os pés e ter capacidade de produzir e compreender a fala."

Alterações

Uma outra pesquisa, liderada por Yong Shao, da Academia Chinesa de Ciências, apresentou genomas de alta qualidade de 27 espécies de primatas, aumentando os recursos disponíveis para embasar outros trabalhos na área. Os estudiosos foram responsáveis, ainda, por relatar um aumento, até então não identificado, na taxa de alterações genômicas no ancestral comum dos Simiiformes. Essas mudanças, avaliam, podem ter desempenhado um papel na diversificação desses animais e na evolução dos humanos.

Também fazem parte do pacote de pesquisas um trabalho sobre como os colobines asiáticos, uma subfamília dos macacos do Velho Mundo, se adaptaram ao clima frio e um sequenciamento completo do genoma de babuínos, entre outras investigações.

Olavo Siqueira, oncogeneticista e geneticista do Hospital Santa Lúcia, em Brasília, reforça a importância de pesquisas desse tipo. "Ao estudar comportamento social, comunicação, aprendizado, memória e resolução de problemas, podemos obter insights sobre as origens e a evolução dessas características em nós mesmos", diz.

Descobertas 4,3 milhões de mutações ligadas a doenças 

Um dos artigos publicados na edição especial da Science mostra que as descobertas feitas a partir do sequenciamento do DNA dos primatas podem ajudar os estudos sobre a saúde humana. Segundo o trabalho liderado por Tomàs Marquès-Bonet, do Instituto de Biologia Evolutiva, na Espanha, ao comparar os genomas de 809 primatas não humanos com o DNA de humanos, foi possível localizar 4,3 milhões de mutações que afetam a composição dos aminoácidos e podem alterar a função das proteínas, levando a doenças diversas.

Segundo os autores, um dos desafios é localizar, em meio a centenas de milhares de mutações, aquelas que desencadeiam doenças específicas. As causas genéticas de muitas patologias, como diabetes e doenças cardíacas, são desconhecidas tanto pela falta de informação genética quanto pela grande quantidade de fatores envolvidos. Dessa forma, os pesquisadores creem que algumas dessas complicações aparecem quando diversas variações genéticas ou mutações com efeito mais leve agem em conjunto.

 

 

Informações poderão ajudar na criação de testes genéticos para cânceres e outros males
Informações poderão ajudar na criação de testes genéticos para cânceres e outros males (foto: DOUGLAS MAGNO)

 

A médica geneticista Renata Sandoval, do Hospital Sírio-Libanês em Brasília, lembra que doenças genéticas humanas também estão presentes nesses animais, e que, às vezes, pode haver uma causa em comum para as complicações. Por isso, enfatiza, a importância de avaliar o DNA dos primatas. "A partir disso, pode-se desenvolver modelos para estudar doenças específicas que acometem ambos. Entender as patologias, analisar biomarcadores de fase pré-sintomática e, de repente, planejar alvos terapêuticos", indica.

De acordo com Kyle Farh, vice-presidente de Inteligência Artificial da Illumina, instituição que desenvolveu uma programação utilizada no estudo espanhol, 6% das 4,3 milhões de mutações identificadas, cerca de 25,8 mil, são abundantes em primatas e, portanto, "consideradas "potencialmente benignas" em doenças humanas, visto que sua presença é tolerada nesses animais".

Salmo Raskin, especialista em pediatria e genética e diretor do Laboratório Genetika em Curitiba, indica como essas informações poderiam chegar à prática clínica. "Poder identificar essas semelhanças e diferenças entre espécies tão próximas a nós trará uma capacidade maior de interpretação dos testes genéticos em humanos." 

 

 

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