História

Dama de Marfim: estudo mostra que líder na Idade do Bronze era uma mulher

Nova análise revela que fóssil encontrado em tumba grandiosa da Idade do Bronze era de uma mulher, e não de um homem. Local montado há, no mínimo, 2.200 anos tinha a maior coleção de itens raros da região

Correio Braziliense
postado em 07/07/2023 05:00 / atualizado em 07/07/2023 06:27
Representação artística da Dama de Marfim: o estudo de práticas funerárias também indicam que ela alcançou  poder por mérito próprio 
 -  (crédito:  Miriam Luciañez Triviño)
Representação artística da Dama de Marfim: o estudo de práticas funerárias também indicam que ela alcançou poder por mérito próprio - (crédito: Miriam Luciañez Triviño)

Devido à ausência de registros escritos, os cientistas recorrem ao próprio corpo humano para investigar as desigualdades de gênero nas primeiras sociedades complexas. No entanto, esses pesquisadores enfrentam uma corrida contra o tempo para tentar determinar o sexo de fósseis que estão mal preservados. Pesquisadores da Universidade de Sevilha, na Espanha, conseguiram vencer essa batalha e descobrir que o indivíduo de maior status na antiga sociedade da Idade do Cobre, na Península Ibérica, era, na verdade, uma mulher, e não um homem, como se pensava. A agora chamada Dama de Marfim foi enterrada em uma tumba que continha a maior coleção de itens raros e valiosos da região, como presas de marfim, pederneira de alta qualidade, cascas de ovo de avestruz, âmbar e cristal de rocha.

Segundo a pesquisa, publicada na revista Scientific Reports, um indivíduo foi descoberto, em 2008, em uma tumba em Valência, na Espanha. A datação estabeleceu que essa pessoa viveu durante a Idade do Cobre, entre 3.200 e 2.200 anos atrás. Além de ser um exemplo excepcional de um enterro individual, a tumba continha diversos bens valiosos, o que sugeria que essa pessoa, originalmente considerada um jovem do sexo masculino com idade entre 17 e 25 anos, tinha um alto status na sociedade.

Para reavaliar o material, a equipe liderada por Marta Cintas-Peña, cientista da Universidade de Sevilha, utilizou a análise de peptídeos de amelogenina. Essa proteína desempenha um papel crucial na formação do esmalte dentário, contribuindo para sua resistência, dureza e proteção, e se expressa de maneira diferente em homens e mulheres. Ao analisar um molar e um incisivo, a equipe detectou a presença do gene AMELX, que é responsável pela produção de amelogenina e está no cromossomo X. As informações levaram o grupo a concluir que se tratava de um indivíduo do sexo feminino.

Outra conclusão da equipe foi a de que a ausência de objetos funerários em sepultamentos infantis sugere que, nesse período, o status elevado não era conferido por direito de nascimento. Portanto, os pesquisadores acreditam que a Dama de Marfim alcançou seu status elevado por mérito e conquistas ao longo da vida. Até o momento, nenhum homem com posição igualmente alta foi encontrado.

Trajes sofisticados

A pesquisa também revela a conexão da Dama de Marfim com pessoas sepultadas no Montelirio Tholos, um tipo de monumento funerário pré-histórico. Localizado a apenas 100 metros ao sul do sepultamento da mulher mais importante da Idade do Cobre, o Montelirio tem duas câmaras com restos de grandes funerais ocorridos duas ou três gerações após a Dama de Marfim. Esses rituais envolveram 25 pessoas, sendo três sepultadas no corredor, 20, na câmara grande, e duas, na câmara pequena.

Apesar dos restos encontrados na câmara pequena de Montelirio estarem bastante danificados, os dados antropológicos da câmara grande têm boa qualidade. Segundo uma análise, 15 dos 20 indivíduos sepultados nesse local eram do sexo feminino, enquanto o sexo dos restantes não foi determinado. Todos eram adultos no momento da morte, com predomínio de idade entre 20 e 35 anos.

Algumas mulheres estavam vestidas com trajes sofisticados, feitos com milhares de contas esculpidas em conchas marinhas. Do túmulo, também foi recuperada uma extensa coleção de artefatos, muitos deles feitos com materiais exóticos, como marfim, cristal de rocha, ouro, âmbar, milonita e sílex. Assim como a "Dama de Marfim", a maioria das mulheres encontradas apresentava níveis extremamente altos de mercúrio nos ossos, o que, de acordo com os autores, sugere intensa exposição ao cinábrio, um mineral vermelho que é uma das principais fontes naturais de mercúrio. Esse material foi historicamente utilizado na produção de pigmentos.

Desafios

Conforme o artigo, a identificação de sexo e gênero é desafiadora em restos mortais antigos por fatores que comprometem a presevação dos fósseis, como química do solo, condições climáticas, presença de animais e até mesmo saques. Trabalhos antropológicos, demográficos e sociológicos utilizando como fonte os hábitos funerários em sociedades pré-históricas também também não costumam ser simples.

Isso porque as populações antigas frequentemente se envolviam em práticas funerárias complexas, que incluíam separação, manipulação, queima e até mesmo a destruição parcial dos ossos. Nessas condições, a identificação dos traços morfológicos que poderiam fornecer informações sobre o sexo se torna ainda mais desafiadora, senão impossível. Apesar de a identificação genética do sexo ser uma alternativa, ela requer a preservação do DNA antigo, que é limitado em condições climáticas quentes e secas, informam os autores.

Para auxiliar os pesquisadores, uma nova técnica científica foi desenvolvida com base na análise de peptídeos sexualmente dimórficos da amelogenina, encontrados no esmalte dentário. Esse procedimento pode fornecer determinações de sexo muito confiáveis mesmo quando as amostras humanas estão mal preservadas. A equipe liderada por por Marta Cintas-Peña recorreu a essa tecnologia e avalia que "os resultados obtidos provavelmente vão mudar significativamente a forma como a arqueologia de gênero será abordada no futuro".

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