CIÊNCIA

Vacina brasileira para tratar dependência em drogas avança para aprovação

Pesquisador da UFMG que ganhou prêmio internacional explica ao Correio os próximos passos para iniciar a testagem em humanos da Calixcoca

Frasco de vacina Calixcoca na UFMG -  (crédito: CCS/Faculdade de Medicina da UFMG)
Frasco de vacina Calixcoca na UFMG - (crédito: CCS/Faculdade de Medicina da UFMG)
postado em 26/10/2023 18:19 / atualizado em 27/10/2023 16:27

A vacina Calixcoca, desenvolvida pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), trilha novos passos em direção à aprovação para o tratamento de dependências químicas. Na última quarta-feira (18/10), a iniciativa foi a grande vencedora do Prêmio Euro em inovação na saúde e recebeu um investimento de 500 mil euros. Agora, de acordo com o pesquisador e coordenador da pesquisa, Frederico Garcia, o estudo aguarda os investimentos já concedidos para registrar o medicamento e dar início aos testes clínicos.

“Estamos bem perto de ter a primeira vacina latino-americana antidroga. Ela não é uma panaceia, não é uma solução definitiva. Mas em um lugar onde não existe nenhum medicamento registrado, ela se mostra eficaz nos estudos e pode ser um benefício para as pessoas que sofrem com essa dependência”, disse o pesquisador ao Correio.

No total, os estudos já acumulam R$ 1,3 milhões em recursos investidos para o desenvolvimento. “Para dar o próximo passo, estamos aguardando o Governo de Minas Gerais, que prometeu um recurso de R$ 10 milhões. Esse valor será usado para sintetizar o lote dentro das normas que são exigidas pela Anvisa, para assim testarmos o uso em humanos”, detalha Garcia.

A pesquisa está em andamento desde 2015, e já teve resultados positivos nos testes pré-clínicos, que foram realizados em ratos. Com o uso da substância, foi possível observar a produção de anticorpos que bloqueavam a passagem da cocaína para o sistema nervoso dos roedores.

Garcia explica que, antes de desenvolver a pesquisa, já havia estudado publicações internacionais sobre vacinas antidrogas. No entanto, a principal inspiração para dar início à pesquisa foi uma norma publicada pelo Ministério Público de Minas Gerais em 2013. Nela, foi determinado que mulheres grávidas que fossem usuárias de drogas deveriam ser denunciadas pelos médicos obstetras ao Ministério Público para que os bebês fossem retirados dos cuidados delas.

“Então, de uma hora para outra, em um ambulatório de dependência química que eu coordeno, apareceram dezenas dessas mulheres pedindo: 'pelo amor de Deus, me ajuda a tratar, que eu não quero ficar sem o meu filho'”, relembra o médico.

Diante desse cenário, Garcia e Ângelo de Fátima, também professor da universidade, decidiram desenvolver uma nova molécula que pudesse ter potencial vacinal, a UFMG-V4N2. “É bastante original em termos de plataforma de pesquisa, porque é uma molécula totalmente sintética, ou seja, ela não precisa ser fabricada por bactérias, por fungos, ela é fabricada em um laboratório. Quase todas as vacinas são produzidas por esses modelos biológicos”, diz.

Próximos passos da pesquisa

“Temos que refazer alguns pequenos estudos que são necessários para o registro, e assim que a Anvisa der o sinal verde, faremos um estudo de fase 1. Com esse estudo, será possível saber duas coisas: primeiro, se a vacina produz anticorpos em humanos. E segundo, se tem algum efeito colateral que impeça o prosseguimento”, diz o pesquisador.

Ele ainda explica que a testagem em humanos só ocorrerá após a aprovação da Anvisa e que o primeiro estudo deve acontecer dentro da universidade. “A gente faz questão de que o 'First in Human', que é o primeiro uso em humano, aconteça aqui, porque isso é importante para a cultura da universidade e para a cultura do país, no sentido de que a gente precisa começar a produzir produtos de alto valor agregado ao invés de ficar só exportando para fora”.

A Calixcoca também está diante de questões sobre licenciamento. A tecnologia é protegida pela UFMG, mas já existem conversas tanto com o Governo Federal, quanto com órgãos e empresas sobre o desenvolvimento.

A previsão é de que os estudos de fase 1 ocorram em até dois anos. E a expectativa da equipe de pesquisadores é de que a vacina se torne um produto definitivo nos próximos três ou quatro anos.

“Minha obrigação agora é conseguir avançar esse objeto de pesquisa para ver se de fato traz benefícios ou não. E se os trouxer, saber para quem e como a gente pode usar isso de forma a garantir a autonomia e a autodeterminação das pessoas”, declara Garcia. “A dependência química é uma doença que priva a liberdade, a pessoa deixa de escolher usar ou não a droga. Qualquer remédio que ajude nesse processo vai ter um impacto importante para essas pessoas e para as famílias delas”, conclui.

 

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