ACORDO DE PARIS

Estudo alerta: meta de evitar aquecimento acima de 1,5ºC mais distante

Cálculos atualizados indicam que, em apenas seis anos, a quantidade de carbono lançada na atmosfera poderá ultrapassar o patamar previsto para o fim do século, com o objetivo de limitar aquecimento bem abaixo de 2ºC

Central elétrica a carvão, na Alemanha: queima de combustível fóssil é a principal responsável pelo aumento das emissões de gases de efeito estufa
 -  (crédito: Ina Fassbender/AFP - 15/3/21)
Central elétrica a carvão, na Alemanha: queima de combustível fóssil é a principal responsável pelo aumento das emissões de gases de efeito estufa - (crédito: Ina Fassbender/AFP - 15/3/21)
postado em 31/10/2023 06:00

Antes de 2030, a janela para se evitar o aquecimento acima de 1,5ºC até o fim do século, como prevê o Acordo de Paris, se fechará, alerta um estudo publicado ontem na Nature Climate Change. Os autores, do Imperial College London, na Inglaterra, descobriram que, no ritmo das atuais emissões, o orçamento global de carbono — quantidade de gases de efeito estufa que ainda pode ser lançada para alcançar a meta — tem 50% de chance de se extinguir nos próximos seis anos.

O artigo é a análise mais abrangente e atualizada do orçamento global de carbono, destacaram os autores, em uma coletiva de imprensa on-line. Formulado na Conferência do Clima de 2009, a COP15, o Acordo de Paris visa limitar o aquecimento do planeta bem abaixo (termo usado no documento) de 2ºC, chegando preferencialmente a 1,5ºC, com base nos níveis pré-industriais. Diversos estudos científicos demonstram que, ao ultrapassar essas marcas, a Terra ficará sujeita a um colapso ambiental.

Os cientistas usaram dados atualizados e uma modelagem climática aperfeiçoada, comparada a estimativas recentes, para calcular o quanto de gases de efeito estufa pode ser lançado para cumprir a meta de Paris. Eles descobriram que é muito pouco: menos de 250 bilhões de toneladas. Em 2022, foram emitidos 40 bilhões, o que significa um esgotamento ainda em 2029.

Progressos

"Nossa descoberta confirma o que já sabemos — não estamos fazendo o suficiente para manter o aquecimento abaixo de 1,5°C", destacou, na entrevista, Robin Lamboll, pesquisador do Centro de Política Ambiental do Imperial College London e principal autor do estudo. "As estimativas apontam para menos de uma década de emissões nos níveis atuais. A falta de progressos na redução das emissões significa que podemos ter cada vez mais certeza de que a janela para manter o aquecimento em níveis seguros está se fechando rapidamente."

Joeri Rogelj, professor de Ciência e Política Climática no Centro de Política Ambiental do Imperial College London, disse que a atualização do orçamento de carbono é totalmente consistente com o mais recente Relatório Climático do Painel Intergovernamental das Nações Unidas (IPCC-ONU). "Produzido em 2021, o documento destacava uma chance em três de que a quantidade disponível para emissões chegasse ao nível detectado agora", destacou.

O estudo divulgado nesta segunda-feira (30/10) também concluiu que, no ritmo das emissões atuais, o orçamento para limitar o aquecimento a 2ºC até o fim do século se esgotará em 2046."Grande parte da redução dos orçamentos de carbono advém do simples fato de a humanidade ter continuado a emitir cerca de 40 bilhões de toneladas de CO2 todos os anos desde a publicação do orçamento anterior", observou Gabriel Abrahão, do Instituto Potsdam de Pesquisa sobre Impacto Climático do Reino Unido, que não participou da pesquisa. "Mesmo que o clima não mude de forma visível e tangível de um ano para outro, a ação para reduzir as emissões tem de ser rápida e decisiva para evitar os piores impactos das alterações climáticas dentro de alguns anos."

Zero líquido

Segundo os pesquisadores do Imperial College, ainda é incerto como os sistemas climáticos responderão a um cenário de zero líquido — quando as emissões são contrabalanceadas pela captura de carbono, uma das metas da COP15 para 2050. É possível, disseram, que o clima continue a aquecer devido a efeitos como derretimento do gelo, liberação de metano e alterações na circulação oceânica.

Para Lamboll, isso ressalta ainda mais a necessidade de redução urgente dos lançamentos de gases de efeito estufa. "Nessa fase, o nosso melhor palpite é que o aquecimento e o arrefecimento irão se anular aproximadamente após atingirmos o zero líquido. No entanto, só quando reduzirmos as emissões e nos aproximarmos do zero líquido é que veremos como serão os ajustes de aquecimento e refrigeração a longo prazo", disse. "Cada fração de grau de aquecimento tornará a vida mais difícil para as pessoas e os ecossistemas. Este estudo é mais um alerta da comunidade científica. Agora, cabe aos governos agir", concluiu.

 

Palavra de especialista / Modo de emergência

"O estudo atual mostra uma coisa acima de tudo: está muito, muito apertado para alcançarmos o limite de 1,5ºC. É quase irrelevante se o orçamento se esgota em seis anos — como esse estudo sugere — ou em 10 anos, como se pensava anteriormente, se as emissões permanecerem as mesmas. É extremamente apertado de qualquer maneira. E essa não é uma descoberta nova. Mas isso não significa, de forma alguma, que devemos desistir, muito pelo contrário. Mostra que cada tonelada de dióxido de carbono poupada é ainda mais importante porque o orçamento é extremamente apertado. E mesmo que o aumento da temperatura média plurianual exceda 1,5ºC, é bom ter poupado o máximo de emissões possível de antemão, porque cada tonelada poupada leva a um menor aumento da temperatura global e, portanto, a menos danos. Esse estudo é mais um apelo para entrarmos em modo de emergência e fazermos tudo o que estiver ao nosso alcance para reduzir as emissões de gases com efeito de estufa o mais rapidamente possível. 

Niklas Höhne, climatologista e especialista em mitagação de emissões da Universidade de Wageningen, na Holanda

 

Desmatamento na Amazônia sentido de longe

O desmatamento da Amazônia tem impactos de longo alcance no aumento da temperatura, segundo pesquisadores brasileiros e britânicos que publicaram, ontem, um artigo na revista Pnas. Segundo os cientistas, superfícies terrestres até 100km distantes ficam mais quentes com o desflorestamento.

Para chegar a essa conclusão, foram combinados dados de satélite sobre a temperatura da superfície terrestre e a perda de florestas na Amazônia de 2001 a 2020. As informações foram analisadas em 3,7 milhões de localidades ao longo da Bacia Amazônica. Então, os cientistas compararam o aquecimento nessas áreas às taxas variadas de desmatamento local (raio de 2km) e regional (2km a 100km de distância).

Proteção

Nas áreas onde houve pouco desmatamento, tanto local como regionalmente, a mudança média na temperatura da superfície de 2001 a 2021 foi de 0,3°C. Áreas com 40% a 50% de desmatamento local, mas pouco regional, aqueceram, em média, 1,3°C. Já naquelas em que o desflorestamento foi combinado, os termômetros aumentaram 4,4ºC.

Os cientistas também analisaram como o desmatamento futuro poderá aquecer ainda mais a Amazônia brasileira, entre 2020 e 2050. Eles examinaram dois cenários, um em que o Código Florestal é ignorado e as áreas protegidas não são salvaguardadas. O outro, onde existe alguma proteção.

No sul da Amazônia, onde a perda florestal é maior, a redução do desmatamento teria o maior benefício, reduzindo o aquecimento futuro em mais de 0,5 °C no Mato Grosso. "Novos esforços para controlar o desmatamento em toda a Amazônia brasileira foram bem-sucedidos e as taxas de desmatamento diminuíram no último ano, e agora vemos benefícios na possível redução do aquecimento que afeta as pessoas que vivem nessa região", comenta Celso von Randow, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e coautor do estudo. "Espera-se que o reconhecimento de tais benefícios resulte num apoio mais generalizado aos esforços contínuos para reduzir o desmatamento e proteger as florestas." (Paloma Oliveto)

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