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Genética

Europeus são descendentes de três ondas migratórias; entenda

Maior banco de dados de DNA antigo da Europa descobre que os habitantes modernos do continente e seus descendentes foram moldados em três ondas migratórias que, entre outras características, conferiram genes de risco para esclerose múltipla, transtorno bipolar e Alzheimer

Europeus herdaram genes que carregam distintas doenças neurológicas  
 -  (crédito: Universidade de Oxford/Divulgação )
Europeus herdaram genes que carregam distintas doenças neurológicas   - (crédito: Universidade de Oxford/Divulgação )
postado em 11/01/2024 06:00

Os europeus modernos e seus descendentes espalhados pelo globo são o resultado, especialmente, de três ondas migratórias: a chegada dos caçadores-coletores à Eurásia Ocidental, há 45 anos; a expansão agrícola desde o Oriente Médio, há 11 mil anos, e a chegada dos pastores das estepes, mais recentemente, há 5 mil anos. Além de influenciar a cultura desses povos, os eventos foram fundamentais para moldar o DNA dos habitantes do Velho Continente.

Na capa da revista Nature , quatro grupos independentes de pesquisa divulgaram resultados do maior banco de genes antigos do mundo, com dados de ossos e dente de quase 5 mil humanos que viveram na Europa Ocidental e na Ásia há 34 mil anos. Entre as muitas informações resultantes da comparação com o genoma do europeu moderno, estão pistas para o risco de doenças, como Alzheimer, diabetes, esclerose múltipla e transtorno bipolar.

Os pesquisadores afirmaram, em uma coletiva de imprensa online, que esperam que análises futuras revelem mais sobre marcadores genéticos de autismo, transtorno do deficit de atenção, esquizofrenia e depressão.

A amostra inclui 317 espécimes dos períodos mesolítico e neolítico, passando pela Idade do Bronze, Idade do Ferro, e a Ocupação Viking, até a Idade Média. O genoma mais antigo no conjunto de dados é de um indivíduo que viveu há aproximadamente 34 mil anos. Os pesquisadores também utilizaram dados pre-existentes de mais de 1,3 mil ancestrais europeus.

Fronteira

No geral, os resultados mostram que o impacto no DNA da transição de caçadores-coletores para agricultores foi bastante diferente, criando uma "fronteira genômica" do Mar Negro ao Báltico. A introdução da agricultura no oeste do continente resultou em mudanças em grande escala, marcando a composição dos habitantes modernos da Europa Oriental. A leste, porém, as alterações não foram significativas no período.

Uma descoberta relevante é que, com a última grande migração de 5 mil anos atrás, foram introduzidos no norte da Europa genes de risco para esclerose múltipla — essa é a região mundial com maior taxa da doença neurodegenerativa. Na época, esses componentes genéticos eram vantajosos, pois protegiam os agricultores de doenças infecciosas de ovelhas e do gado.

Segundo a análise genética, as variantes associadas à esclerose múltipla foram levadas para o norte europeu por pastores que migraram da Estepe Pôntica (onde hoje é Ucrânia, sudoeste da Rússia e Cazaquistão).

"Deve ter sido uma importante vantagem para esse povo, chamado Yamnaya, carregar esses genes, por serem pastores. Porém, os mesmos genes aumentaram, inegavelmente, o risco da esclerose múltipla. Esses resultados mudam nossa visão sobre as causas dessa doença e têm implicações potenciais na forma como é tratada", afirmou, na coletiva, Eske Willerslev, pesquisador das universidades de Cambridge e Copenhague, e diretor do projeto do banco genético.

"Esses resultados surpreenderam a todos nós", reiterou William Barrie, pós-doutorando no Departamento de Zoologia da Universidade de Cambridge e coautor do artigo que associa o povo Yamnaya à herança do risco de esclerose múltipla. "Eles proporcionam um enorme avanço na nossa compreensão da evolução da esclerose múltipla e de outras doenças autoimunes. Mostrar como o estilo de vida dos nossos antepassados impactou o risco de doenças modernas apenas destaca o quanto somos recipientes de sistemas imunitários antigos num mundo moderno."

Para Lars Fugger, coautor do estudo e médico do Hospital John Radcliffe, da Universidade de Oxford, com a descoberta, é possível procurar tratar a doença neurodenegerativa como ela é: "o resultado de uma adaptação genética a certas condições ambientais que ocorreram em nossa pré-história".

Em nota, Astrid Iversen, outra coautora de Oxford, lembrou que as populações modernas vivem de forma muito diferente dos antepassados, como higiene e tratamentos médicos. "Combinado com a nossa história evolutiva, significa que podemos ser mais suscetíveis a certas doenças do que os nossos antepassados, incluindo as automiunes.

Neurológicas

Ao comparar o DNA dos ancestrais pré-históricos e da Idade Média com mais de 400 mil perfis genéticos do Biobank inglês, o maior banco de dados do tipo no mundo, os pesquisadores também encontraram evidências de que, na última grande migração para a Eurásia, há 5 mil anos povos originários da Estepe Pôntica levaram para o leste europeu genes que aumentam o risco de Alzheimer e diabetes 2. Já no sul do continente, as variantes associadas ao transtorno bipolar foram introduzidas.

"É surpreendente que o estilo de vida das pessoas na região da Eurásia ao longo dos últimos 10 mil anos tenha resultado num legado genético que impacta os seus descendentes atuais, tanto em termos da sua aparência física como do risco de desenvolver uma série de doenças," disse, em à imprensa, Evan Irving-Pease, pesquisador da Universidade de Copenhague, na Dinamarca, e primeiro autor de um dos quatro artigos publicados na revista Nature sobre o DNA ancestral.

A equipe planeja pesquisar condições neurológicas, incluindo as doenças de Parkinson e Alzheimer, e distúrbios psiquiátricos, como transtorno do déficit de atenção e esquizofrenia. Os cientistas contaram que receberam pedidos de colegas de todo o mundo que pesquisam essas enfermidades para ter acesso ao banco de dados que, em breve, deve ter acesso aberto.

 


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