Duas perguntas para Elber Rocha, nefrologista e coordenador do Programa de Transplante de Órgãos do Hospital Santa Lúcia, em Brasília
Quais as principais barreiras clínicas para tornar os organoides humanos viáveis em terapias regenerativas e transplantes?
O grande desafio é transformar os organoides em tecidos clinicamente funcionais, estáveis e seguros. Na prática, isso exige padronizar a produção em larga escala, garantindo que cada um mantenha as mesmas características estruturais e funcionais. A equipe do Instituto de Bioengenharia da Catalunha conseguiu um avanço importante ao desenvolver um método sistemático e escalável de produção de milhares de organoides renais, mas a integração fisiológica com o órgão hospedeiro e a segurança imunológica a longo prazo ainda são pontos críticos. Além disso, há desafios de vascularização, oxigenação e maturação funcional, que são essenciais para que esses tecidos consigam filtrar, secretar e regular eletrólitos como um néfron real. O risco de tumorigenicidade e a necessidade de monitoramento pós-implante completam o quadro de dificuldades clínicas.
Como a medicina de transplantes tem mudado ao longo dos anos?
Como nefrologista, vejo nessa linha de pesquisa uma mudança de paradigma. Passamos de uma medicina que depende da substituição de órgãos escassos para uma que recria e repara tecidos. A combinação entre organoides humanos e órgãos animais marca a fusão entre a engenharia de tecidos e a clínica de transplantes, oferecendo esperança para milhares de pacientes em lista de espera. Mas é fundamental avançar com prudência científica e ética, consolidando evidências de segurança, estabilidade e reprodutibilidade antes de qualquer aplicação em humanos. Se bem conduzida, essa tecnologia poderá inaugurar uma era em que o rim transplantado será também um rim regenerado, uma síntese entre ciência, compaixão e precisão biomédica.
