Adicional de insalubridade: direito fundamental do trabalhador em ambientes prejudiciais à saúde

O adicional de insalubridade representa uma das mais importantes garantias do direito trabalhista brasileiro

Por Marina Aguayo Simão*

O adicional de insalubridade representa uma das mais importantes garantias do direito trabalhista brasileiro, constituindo compensação financeira obrigatória para trabalhadores expostos a agentes nocivos à saúde no ambiente de trabalho. Regulamentado pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e pelas Normas Regulamentadoras do Ministério do Trabalho, este adicional reflete o princípio constitucional de proteção à saúde e segurança do trabalhador, reconhecendo que certas atividades laborais podem causar danos irreversíveis à integridade física dos empregados.

A crescente industrialização e diversificação das atividades econômicas no Brasil ampliaram significativamente o universo de trabalhadores expostos a condições insalubres. Desde operários de fábricas químicas até profissionais de saúde, passando por trabalhadores de postos de combustível, mineração e construção civil, milhões de brasileiros desenvolvem suas atividades em ambientes que apresentam riscos à sua saúde. Nesse contexto, o adicional de insalubridade não apenas compensa financeiramente a exposição ao risco, mas também funciona como mecanismo de pressão para que os empregadores invistam em melhorias das condições de trabalho.

A legislação trabalhista estabelece três graus de insalubridade - mínimo, médio e máximo - com percentuais respectivos de 10%, 20% e 40% calculados sobre o salário mínimo nacional. Em casos específicos o adicional incidirá sobre o salário base da categoria, como por exemplo nos casos em que o adicional é desde o início da relação trabalhista calculado tendo o salário-base como parâmetro ou quando houver lei especifica. Por sua vez, o percentual do adicional considera a intensidade e o potencial de dano dos agentes nocivos presentes no ambiente de trabalho, variando desde ruído excessivo, calor ou frio, até substâncias químicas cancerígenas, agentes biológicos e radiação ionizante. A caracterização da insalubridade depende de perícia técnica judicial, realizada por engenheiro de segurança do trabalho ou médico do trabalho durante o processo trabalhista, por profissionais habilitados para avaliar as condições ambientais e sua conformidade com os limites de tolerância estabelecidos nas normas técnicas.

Caracterização e classificação da insalubridade no ambiente de trabalho

A caracterização da insalubridade exige análise técnica rigorosa que vai além da simples presença de agentes nocivos no ambiente de trabalho. É necessário verificar se os níveis de exposição ultrapassam os limites de tolerância estabelecidos pelas Normas Regulamentadoras, especialmente a NR-15, que define as atividades e operações insalubres. A perícia deve considerar não apenas a intensidade do agente nocivo, mas também o tempo de exposição, a frequência do contato e a eficácia dos equipamentos de proteção individual e coletiva utilizados.

Os agentes insalubres classificam-se em físicos, químicos e biológicos. Entre os agentes físicos encontram-se ruído, vibrações, calor, frio, pressões anormais, radiações ionizantes e não ionizantes, umidade e iluminação inadequada. Os agentes químicos incluem poeiras minerais, substâncias químicas cujas concentrações sejam superiores aos limites de tolerância, e atividades que impliquem exposição a benzeno, amianto, e outras substâncias cancerígenas. Já os agentes biológicos abrangem vírus, bactérias, parasitas, bacilos e fungos presentes em hospitais, laboratórios, cemitérios, e atividades de coleta de lixo urbano.

A classificação em graus mínimo, médio e máximo segue critérios específicos estabelecidos na legislação. O grau máximo (40%) aplica-se a situações de extrema gravidade, como trabalho em mineração subterrânea, exposição a substâncias cancerígenas, em contato com lixo urbano e galerias de esgoto e atividades com radiação ionizante. O grau médio (20%) contempla situações como ruído superior a 85 decibéis, calor excessivo, exposição a câmaras frias e congeladas e exposição a determinadas substâncias químicas ou biológicas. O grau mínimo (10%) abrange situações de menor risco, mas ainda prejudiciais à saúde, como trabalho em condições de umidade excessiva ou exposição a determinados agentes biológicos.

A avaliação pericial deve ser realizada no local de trabalho, durante a jornada laboral, reproduzindo as condições habituais de exposição do trabalhador. Não é suficiente a análise pontual ou em horários atípicos, sendo necessária a verificação representativa da rotina de trabalho. O laudo pericial deve especificar os agentes encontrados, suas concentrações, o tempo de exposição, e a eficácia dos equipamentos de proteção, fundamentando tecnicamente a conclusão sobre a existência ou não de insalubridade.

Cálculo, pagamento e impactos trabalhistas do adicional

O cálculo do adicional de insalubridade utiliza como base o salário mínimo nacional vigente, não o salário do empregado, conforme entendimento consolidado do Tribunal Superior do Trabalho, salvo exceções pontuais. Esta sistemática de cálculo tem sido objeto de intenso debate jurídico, especialmente após a reforma trabalhista de 2017, que permitiu a negociação coletiva sobre diversos aspectos das condições de trabalho, incluindo a base de cálculo do adicional de insalubridade.

O pagamento do adicional deve ser mensal, integrando a remuneração do trabalhador para todos os efeitos legais. Isso significa que o adicional de insalubridade compõe a base de cálculo do 13º salário, férias com terço constitucional, FGTS, e verbas rescisórias. Durante o período de afastamento por doença ocupacional relacionada à insalubridade, o INSS deve manter o pagamento do adicional como parte do auxílio-doença acidentário, reconhecendo sua natureza de compensação por danos à saúde.

A suspensão do pagamento do adicional pode ocorrer quando cessar a exposição ao agente insalubre, seja pela eliminação do risco no ambiente de trabalho, seja pela transferência do empregado para função não insalubre. Entretanto, mudanças temporárias ou sazonais na exposição não justificam a suspensão definitiva do adicional, sendo necessária a comprovação de que a eliminação do risco é permanente e efetiva.

A aposentadoria especial constitui outro importante reflexo da exposição à insalubridade. Trabalhadores expostos a agentes nocivos podem aposentar-se com tempo reduzido - 15, 20 ou 25 anos, dependendo do grau de risco - desde que comprovem efetiva exposição durante todo o período contributivo. O Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) e o Laudo Técnico de Condições Ambientais do Trabalho (LTCAT) são documentos essenciais para comprovar a exposição e garantir o direito à aposentadoria especial.

Direitos do trabalhador e responsabilidades do empregador

O direito ao adicional de insalubridade é irrenunciável e decorre diretamente da exposição a condições nocivas, independentemente de previsão contratual específica. O empregador tem a obrigação legal de pagar o adicional desde o início da exposição, não sendo necessário requerimento formal do empregado. A omissão no pagamento caracteriza sonegação de direito trabalhista, sujeitando o empregador a multas administrativas e ao pagamento retroativo dos valores devidos com correção monetária e juros.

As responsabilidades do empregador vão além do simples pagamento do adicional e seus reflexos trabalhistas. A legislação estabelece o dever de adotar medidas de proteção coletiva para eliminação ou neutralização da insalubridade, fornecimento de equipamentos de proteção individual adequados, realização de exames médicos periódicos, e treinamento dos trabalhadores sobre os riscos da atividade. O Programa de Prevenção de Riscos Ambientais (PPRA) e o Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional (PCMSO) são instrumentos obrigatórios para gestão da segurança e saúde no trabalho.

A eliminação da insalubridade através de medidas de proteção coletiva é preferível ao pagamento do adicional, pois preserva efetivamente a saúde do trabalhador. Sistemas de ventilação, isolamento acústico, substituição de substâncias tóxicas por alternativas menos nocivas, e automação de processos perigosos são exemplos de medidas que podem eliminar ou reduzir significativamente a exposição a agentes insalubres.

O trabalhador tem direito à informação completa sobre os riscos da atividade, incluindo acesso aos laudos técnicos e resultados de avaliações ambientais. A empresa deve manter documentação atualizada sobre as condições de trabalho, facilitando eventual comprovação da exposição para fins previdenciários. Em caso de doença ocupacional, o empregador pode ser responsabilizado civilmente pelos danos causados, especialmente se comprovada negligência na adoção de medidas preventivas.

A fiscalização do cumprimento das normas de segurança e saúde no trabalho compete aos auditores fiscais do trabalho, que podem aplicar multas, embargar atividades perigosas, e determinar a adoção de medidas corretivas. Os advogados também desempenham papel importante na proteção dos trabalhadores, podendo ajuizar ação de reconhecimento desta insalubridade bem como de indenização por danos morais para garantir o pagamento do adicional e a melhoria das condições de trabalho.

A jurisprudência trabalhista tem evoluído no sentido de fortalecer a proteção à saúde do trabalhador, reconhecendo situações específicas de insalubridade e ampliando o entendimento sobre responsabilidade patronal. Casos envolvendo trabalho em hospitais durante a pandemia de COVID-19, exposição a agrotóxicos na agricultura, e atividades em ambientes com ar resfriado inadequado ilustram a dinâmica interpretação das normas de proteção à saúde ocupacional.

O adicional de insalubridade representa, portanto, mais que uma compensação financeira: constitui reconhecimento social da dignidade do trabalho e instrumento de pressão para melhoria das condições laborais. Sua correta aplicação depende da atuação conjunta de empregadores, trabalhadores, sindicatos, e órgãos fiscalizadores, todos comprometidos com a construção de ambientes de trabalho mais seguros e saudáveis para a sociedade brasileira.

Dra. Marina Aguayo Simão é advogada trabalhista, empresária e autora do livro “Relações de trabalho modernas e as fronteiras da legalidade”. Fundadora do escritório Aguayo Simão Advocacia e Consultoria e do Instituto IMAS, atua há mais de 10 anos na defesa dos direitos do trabalhador, com foco em ações estratégicas, educação jurídica e justiça social. Reconhecida por seu posicionamento firme, linguagem acessível e visão disruptiva, é também mentora de carreira, palestrante e idealizadora do Método Ação e Superação, voltado ao empoderamento profissional com segurança jurídica. Sua trajetória inspira transformação: do zero à liderança de um dos nomes mais respeitados na advocacia trabalhista contemporânea. 

 https://aguayosimao.com.br/

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