Vivemos numa época em que a infância está sob ataque. Não de uma ameaça abstrata, mas de um fenômeno social concreto, silencioso e progressivo.
Trata-se da adultização precoce das crianças – um processo que rouba sua inocência, desregula seu desenvolvimento emocional e, em casos extremos, cria terreno fértil para a exploração sexual infantil. O médico e terapeuta Dr. João Borzino explica o que é adultizar uma criança.
"Adultizar uma criança não é vesti-la como um adulto. É atribuir a ela responsabilidades, desejos, comportamentos e aparências que seu cérebro e sua psique ainda não têm maturidade para processar. E isso tem um custo".
Ele afirma que estudos neurocientíficos de instituições como o Harvard Center on the Developing Child mostram que o cérebro infantil se desenvolve em ciclos sensíveis, com estruturas como o córtex pré-frontal (responsável por julgamento, autocontrole e tomada de decisão) amadurecendo apenas na adolescência tardia.
Segundo o médico, ao expor crianças a conteúdos sexualizados, aceleramos demandas emocionais que elas não têm capacidade de metabolizar.
"Resultado: ansiedade, depressão, transtornos de imagem corporal, déficit de atenção, comportamentos impulsivos e maior vulnerabilidade ao abuso. A plataforma PubMed reúne mais de 120 estudos que conectam a exposição precoce à hipersexualização (inclusive em redes sociais) com sintomas de sofrimento psíquico persistentes até a idade adulta", inicia.
"A OMS alerta que a erotização infantil é uma forma de violência psicológica. E isso, infelizmente, está sendo normalizado — pela mídia, pela cultura pop e, sobretudo, pelas redes sociais", destaca.
De acordo com o médico, o consumo desregulado de telas não é só entretenimento. É formação neural.
"Quando uma criança passa horas sendo bombardeada por imagens de 'influencers mirins', desafios de dança hipersexualizados e filtros que distorcem o corpo, ela está internalizando valores, modelos de identidade e desejos que pulam etapas cruciais do desenvolvimento psicológico'".
Segundo a Elsevier, crianças com tempo de tela acima de 3 horas diárias têm maior ativação da amígdala cerebral, centro do medo e do estresse, e menor conectividade no córtex pré-frontal medial, implicado na empatia e autorregulação.
Isso gera um padrão mental: impulsividade + dessensibilização emocional + busca por validação externa = terreno ideal para exploração emocional e sexual.
Dr. João Borzino diz que nesse cenário, o trabalho do Youtuber Felca ganha relevância como um raro grito de lucidez.
"Ao criticar a adultização infantil promovida por influenciadores mirins e a normalização da erotização de crianças nos conteúdos mais populares da internet, Felca toca numa ferida que muitos preferem ignorar. Sua abordagem, embora humorada, revela o absurdo de tratarmos crianças como mini celebridades sexys — e de pais que, inconscientemente ou por ignorância, colaboram com isso."
O terapeuta ainda afirma que Felca faz o que boa parte das instituições falha em fazer: denunciar o insidioso processo de erosão da infância travestido de "conteúdo divertido". "Sua crítica é um alerta necessário para pais, educadores e legisladores".
Borzino enfatiza que adultos que foram sexualizados precocemente apresentam, segundo estudos da Lancet Psychiatry e da Lilacs, maior propensão a ter: depressão e ideação suicida; transtornos de personalidade; dificuldades de intimidade emocional; baixa autoestima crônica; relações abusivas e hipersexualizadas; adição a pornografia ou comportamentos autodestrutivos.
"Esses padrões têm raízes profundas, muitas vezes invisíveis aos olhos de pais que, mesmo bem-intencionados, permitiram — ou expuseram — seus filhos à erotização crônica desde cedo".
Se você é pai ou mãe, há sinais que não podem ser ignorados, de acordo com Dr. João Borzino: crianças imitando poses sensuais de adultos; interesse excessivo por validação estética nas redes; falas sobre "ser sexy", "ser gostosa(o)", "fazer sucesso"; irritação quando não recebem curtidas ou visualizações; preocupação exagerada com aparência e filtros;
Ele deu dicas do que fazer para prevenir a adultização dos filhos. "Desligue a tela. Sente no chão com seu filho. Brinque, ouça, esteja ali. Criança que tem vínculo seguro com os pais, menos busca aprovação fora de casa. Limite tempo de tela a no máximo 1 hora/dia para menores de 10 anos. Supervisionado. Sem exceções. Se você quiser proteger a infância, comece em casa. Comece agora", conclui.
