Visão do Direito

Desenvolvimento sustentável do milênio no projeto ambiental Amazônia Protege

"O princípio do desenvolvimento sustentável, além de impregnado de caráter eminentemente constitucional, encontra suporte legitimador em compromissos internacionais assumidos pelo Estado brasileiro..."

Por Souza Prudente* — Visando transformar nosso mundo, no projeto de desenvolvimento sustentável do milênio, chefes do Estado e de Governo e altos representantes, reunidos na sede das Nações Unidas em Nova York, de 25 a 27 de setembro de 2015, assinaram a Agenda 2030, com 17 objetivos de Desenvolvimento Sustentável e 169 metas universais, buscando concretizar os direitos humanos de todos os seres que habitam este planeta.

Nesse propósito de sustentabilidade universal, reafirmaram os resultados de todas as grandes conferências e cúpulas nas Nações Unidas, que estabeleceram uma base sólida para o desenvolvimento sustentável e ajudaram a moldar a nova Agenda, incluindo-se a Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento; a Cúpula Mundial sobre o Desenvolvimento Sustentável; a Cúpula Mundial para o Desenvolvimento Social; o Programa de Ação da Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento; a Plataforma de Ação de Pequim; e a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (RIO+20).

Reafirmaram, também, a continuidade dada a essas conferências, incluindo os resultados da Quarta Conferência das Nações Unidas sobre os Países Menos Desenvolvidos, a Terceira Conferência Internacional sobre Pequenos Estados Insulares em Desenvolvimento; a Segunda Conferência das Nações Unidas sobre Países em Desenvolvimento Sem Litoral; e a Terceira Conferência Mundial da ONU sobre a Redução do Risco de Desastres.

No contexto dos objetivos de sustentabilidade da Agenda 2030 da ONU, destaca-se, em defesa do meio ambiente natural, sadio e sustentável, o objetivo 15 da referida Agenda, nos termos seguintes: proteger, recuperar e promover o uso sustentável dos ecossistemas terrestres, gerir de forma sustentável as florestas, combater a desertificação, deter e reverter a degradação da terra e deter a perda de biodiversidade; 15.1 até 2020, assegurar a conservação, recuperação e uso sustentável de ecossistemas terrestres e de água doce interiores e seus serviços, em especial florestas, zonas úmidas, montanhas e terras áridas, em conformidade com as obrigações decorrentes dos acordos internacionais; 15.2 até 2020, promover a implementação da gestão sustentável de todos os tipos de florestas, deter o desmatamento, restaurar florestas degradadas e aumentar substancialmente o florestamento e o reflorestamento globalmente; 15.3 até 2030, combater a desertificação, restaurar a terra e o solo degradado, incluindo terrenos afetados pela desertificação, secas e inundações, e lutar para alcançar um mundo neutro em termos de degradação do solo; 15.4 até 2030, assegurar a conservação dos ecossistemas de montanha, incluindo a sua biodiversidade, para melhorar a sua capacidade de proporcionar benefícios que são essenciais para o desenvolvimento sustentável. 15.5 tomar medidas urgentes e significativas para reduzir a degradação de habitat naturais, deter a perda de biodiversidade e, até 2020, proteger e evitar a extinção de espécies ameaçadas.

Buscando dar eficácia plena a esse objetivo 15 da Agenda 2030 da ONU para o desenvolvimento sustentável do milênio, a Quarta Câmara do Ministério Público Federal, no Brasil, desenvolveu o Projeto Ambiental Amazônia Protege, como resultante de uma força conjunta desenvolvida com o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis — Ibama e com o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade — Icmbio, visando a reparação do dano ambiental causado por desmatamentos ilegais ocasionados na região amazônica, bem como a retomada das áreas respectivas, evitando-se a regularização fundiária das áreas recém-desmatadas ilegalmente e a sua ilegal utilização econômica, em perfeita harmonia com a tutela cautelar constitucionalmente prevista no art. 225, parágrafo 1º, incisos I, III, V e VII, e respectivos parágrafos 2º, 3º e 4º, da Constituição Federal, na linha de eficácia plena e de imposição ao poder público e à coletividade o dever de defender e preservar o meio ambiente ecologicamente equilibrado, como bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, para as presentes e futuras gerações (CF, art. 225,caput), e que já instrumentaliza, em seus comandos normativos, o princípio da precaução (quando houver dúvida sobre o potencial deletério de uma determinada ação sobre o ambiente, toma-se a decisão mais conservadora, evitando-se a ação), e a consequente prevenção (pois uma vez que se possa prever que uma certa atividade possa ser danosa, ela deve ser evitada) exigindo-se, inclusive, na forma da lei, a implementação de políticas públicas voltadas à execução e à prevenção de potencial desequilíbrio ecológico-ambiental.

Em casos assim, a atuação do Poder Público deve orientar-se, sempre, pelo princípio da precaução, já consagrado em nosso ordenamento jurídico, inclusive, com status de regra de direito internacional, ao ser incluído na Declaração do Rio, como resultado da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento — Rio/92, como determina o seu Princípio 15, nestas letras: Com a finalidade de proteger o meio ambiente, os Estados devem aplicar amplamente o critério da precaução, conforme suas capacidades. Quando houver perigo de dano grave ou irreversível, a falta de uma certeza absoluta não deverá ser utilizada para postergar-se a adoção de medidas eficazes para prevenir a degradação ambiental.

Há de ver-se, ainda, que, em homenagem à tutela ambiental acima referida, ações agressoras do meio ambiente, devem ser rechaçadas e inibidas, com vistas na preservação ambiental, em referência.

Na ótica vigilante da Suprema Corte, "a incolumidade do meio ambiente não pode ser comprometida por interesses empresariais nem ficar dependente de motivações de índole meramente econômica, ainda mais se se tiver presente que a atividade econômica, considerada a disciplina constitucional que a rege, está subordinada, entre outros princípios gerais, àquele que privilegia a 'defesa do meio ambiente' (CF, art. 170, VI), que traduz conceito amplo e abrangente das noções de meio ambiente natural, de meio ambiente cultural, de meio ambiente artificial (espaço urbano) e de meio ambiente laboral (...).

O princípio do desenvolvimento sustentável, além de impregnado de caráter eminentemente constitucional, encontra suporte legitimador em compromissos internacionais assumidos pelo Estado brasileiro e representa fator de obtenção do justo equilíbrio entre as exigências da economia e as da ecologia, subordinada, no entanto, à invocação desse postulado, quando ocorrente situação de conflito entre valores constitucionais relevantes, a uma condição inafastável, cuja observância não comprometa nem esvazie o conteúdo essencial de um dos mais significativos direitos fundamentais: o direito à preservação do meio ambiente, que traduz bem de uso comum da generalidade das pessoas, a ser resguardado em favor das presentes e futuras gerações" (ADI-MC nº 3540/DF – Rel. Min. Celso de Mello – DJU de 03/02/2006).

Ademais, a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (CNUMAD), tendo se reunido no Rio de Janeiro, de 3 a 14 de junho de 1992, reafirmando a Declaração da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, adotada em Estocolmo em 16 de junho de 1972, e buscando avançar a partir dela, com o objetivo de estabelecer uma nova e justa parceria global mediante a criação de novos níveis de cooperação entre os Estados, os setores-chaves da sociedade e os indivíduos, trabalhando com vistas à conclusão de acordos internacionais que respeitem os interesses de todos e protejam a integridade do sistema global de meio ambiente e desenvolvimento, reconhecendo a natureza integral e interdependente da Terra, nosso lar, elaborou a Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, que no seu Princípio nº 16 estabeleceu a responsabilidade do poluidor, na dicção de que: as autoridades nacionais devem procurar promover a internacionalização dos custos ambientais e o uso de instrumentos econômicos, tendo em vista a abordagem segundo a qual o poluidor deve, em princípio, arcar com o custo da poluição, com a devida atenção ao interesse público e sem provocar distorções no comércio e nos investimentos internacionais.

Nesse contexto, não há como sobrepor-se o conceito de soberania nacional, em comportas isoladas do interesse ecológico-ambiental transfronteiriço e intergeracional que resulta dos imperativos de uma soberania ecológica-global e das responsabilidades governamentais que dela emanam planetariamente.

*Desembargador federal aposentado, bacharel em direito, mestre e doutor em direito público-ambiental e pós-doutor em direitos humanos*

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