Visão do Direito

A urgência por justiça diante da violência contra a mulher

"Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2025, somente em 2024 os Tribunais de Justiça registraram 634.987 pedidos de medidas protetivas de urgência, das quais 555.001 foram efetivamente concedidas"

Por Tarcísio José Sousa Bonfim* — A violência contra a mulher continua sendo uma das mais perversas expressões da desigualdade estrutural no Brasil. Em todos os estados, promotoras e promotores de Justiça lidam diariamente com histórias de dor, medo e silêncio que, muitas vezes, só chegam ao conhecimento do Estado quando a ameaça já se tornou realidade. A resposta a esse cenário exige atuação firme, sensível e articulada — e o Ministério Público brasileiro tem assumido esse papel de forma cada vez mais ativa.

Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2025, com base em dados do Conselho Nacional de Justiça, somente em 2024 os Tribunais de Justiça registraram 634.987 pedidos de medidas protetivas de urgência, das quais 555.001 foram efetivamente concedidas. Isso representa uma média de 72 pedidos por hora e uma taxa de concessão de 87,4%. Esses números refletem a gravidade da situação, mas também indicam que há uma cultura institucional de acolhimento e proteção que vem se fortalecendo nos Ministérios Públicos de todo o país.

A atuação do MP vai muito além da denúncia formal. Em diversas unidades da Federação, promotorias especializadas em violência doméstica têm desenvolvido projetos de acompanhamento contínuo das vítimas, articulação com redes de proteção, capacitação de agentes públicos e ações preventivas junto às escolas, comunidades e serviços de saúde. Iniciativas como a Conamp Mulher, a Ouvidoria das Mulheres do CNMP e dos diversos ramos do Ministério Público, o MP Mulher, o MP por Elas e os centros de apoio à vítima, por exemplo, mostram que é possível transformar a estrutura institucional para responder com agilidade, empatia e firmeza às demandas da sociedade.

No entanto, ainda enfrentamos obstáculos significativos. Em muitas comarcas, faltam equipes multidisciplinares, promotorias especializadas e estrutura adequada para garantir o acompanhamento efetivo das medidas protetivas. A sobrecarga de trabalho e a ausência de serviços públicos complementares fragilizam a rede de proteção e expõem as vítimas a novos ciclos de violência. Reverter esse cenário é uma tarefa coletiva, que exige investimentos, planejamento e compromisso político — e o Ministério Público tem sido uma voz ativa nesse processo.

O episódio recente de violência ocorrido em Natal (RN), amplamente divulgado pela imprensa, em que uma mulher foi brutalmente agredida com dezenas de socos dentro de um elevador, escancarou mais uma vez a urgência do tema. Casos como esse não são exceção estatística: são expressão extrema de um padrão que ainda se repete em milhares de lares brasileiros. É também nesses momentos que a atuação célere do Ministério Público se faz fundamental — seja para garantir a responsabilização do agressor, seja para assegurar o amparo necessário à vítima e à sua família.

Mas não podemos agir apenas diante do escândalo ou da comoção pública. A proteção precisa ser cotidiana, silenciosa e eficaz — antes da manchete, antes do grito, antes do primeiro tapa. Isso significa estar presente nas audiências de custódia, nas salas de aula, nas denúncias formais, nas ações educativas, nos tribunais e nos territórios mais vulneráveis. Significa trabalhar com dados, com estratégia, com sensibilidade social e com profundo respeito à dignidade humana.

A Conamp tem atuado firmemente no apoio aos membros do Ministério Público em todas essas frentes. Acompanhamos a construção de legislações mais eficazes, fomentamos boas práticas institucionais e promovemos o diálogo permanente entre promotores, promotoras, procuradores, procuradoras e a sociedade civil. Sabemos que a transformação não virá de um único órgão ou medida, mas de uma articulação sólida entre instituições comprometidas com a justiça e os direitos humanos.

Sessenta socos não podem ser apenas mais um número nas estatísticas. Eles devem marcar um ponto de inflexão. Que episódios como esse sirvam não para nos paralisar, mas para reafirmar — com ainda mais convicção — o papel do Ministério Público na defesa das mulheres, da vida e da dignidade. E que nossa atuação, firme e constante, continue a transformar a dor em ação, o silêncio em denúncia e o medo em justiça.

*Presidente da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp)

 

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