O ano de 2025 parece que, em matéria de crises, está se alongando demasiadamente, com uma tendência crescente de se buscar respostas para compreender o que aconteceu sob o ponto de vista jurídico. Para uma compreensão popular das dificuldades do momento, podemos dizer que o exercício do poder de reger a vida nacional com harmonia depende do equilíbrio na atuação dos integrantes do chamado Trisal Constitucional.
O legislador constituinte, conhecendo as dificuldades advindas desse casamento institucional, elaborou um complexo contrato social: a Constituição Federal. Nela estão estabelecidos os direitos, deveres, atribuições e competências que devem ser observados pelos integrantes desse arranjo constitucional. A complexidade da relação passa, inclusive, pelo número de “filhos” que cada instituição do trisal traz para a convivência.
O Poder Executivo, chefiado pelo Presidente da República e auxiliado por diversos ministros, tem no seu chefe a autoridade para “mandar na casa”. Já o Poder Legislativo apresenta maior complexidade estrutural, pois é composto por duas casas geminadas: a Câmara dos Deputados, com 513 filhos, e o Senado Federal, com 81 filhos. O Poder Judiciário, por sua vez, traz 11 filhos totalmente independentes — os ministros do Supremo Tribunal Federal — para compor essa delicada relação de equilíbrio entre os Poderes.
A “certidão de casamento” desse arranjo, a Constituição Federal, contém tantas regras que, não raro, acaba gerando conflitos entre as suas próprias cláusulas. Por essa razão, o Legislador Constituinte conferiu ao órgão de cúpula do Poder Judiciário, o Supremo Tribunal Federal, a competência para decidir — dar a última palavra — sobre os conflitos de interesses advindos das relações entre os componentes do Trisal Constitucional. Assim, para que se alcance uma boa convivência, os outros dois integrantes da relação constitucional devem acatar e cumprir as decisões do STF, permitindo que o Trisal Constitucional conviva sob o mesmo teto — o Brasil — de forma independente, mas em harmonia.
Entretanto, como ocorre em todas as famílias numerosas, são naturais as diferentes formas de pensar. O que não se admite é que a divergência se transforme em rebeldia a ponto de se querer rasgar a Constituição para impor a própria vontade sobre os demais integrantes do trisal. Nessas hipóteses, o Poder Judiciário, por meio do STF, é chamado a punir os rebelados e a conduzir todos de volta a uma convivência constitucional.
Essa compreensão técnica do contrato social — a Constituição — deve ser compartilhada com todos os filhos do Brasil, que participam da formação do Trisal Constitucional ao escolherem, por meio do voto popular, quem exercerá o Poder Executivo e o Poder Legislativo (Câmara e Senado). A cada quatro anos, os cidadãos são convocados a essa escolha democrática, sob o olhar atento, vigilante, fiscalizador e punitivo do Poder Judiciário, especialmente do TSE e do STF, que têm a relevante atribuição de dirimir os conflitos de interesses que naturalmente surgirão.
Em razão das ações praticadas por filhos rebeldes que tentaram rasgar o contrato social nos últimos anos, o Poder Judiciário, via STF, foi provocado pela Procuradoria-Geral da República para julgar a tentativa de impedir, mediante violência e grave ameaça, a troca do chefe do Poder Executivo. Milhões de seguidores foram conduzidos a agir contra as regras constitucionais, movidos por uma interpretação equivocada das cláusulas do contrato social, em especial do artigo 142 da Constituição Federal de 1988.
Criou-se um movimento popular com nome, liderança, símbolos e pauta claramente golpista. Ocupou-se a frente de quartéis, mobilizou-se e estimulou-se a defesa da intervenção militar, difundiram-se ataques às urnas eletrônicas, ao TSE e ao STF, fomentou-se o ressentimento contra as instituições democráticas e recusou-se a aceitar a derrota nas urnas. Estimulou-se, ainda, a ideia de impedir a posse do presidente eleito, conjunto de ações e omissões que culminou no triste episódio de 8 de janeiro de 2023, na Praça dos Três Poderes.
Diante desse cenário, a única solução possível e prevista no contrato social foi a provocação do Poder Judiciário. Com base em provas colhidas ao longo de uma extensa investigação conduzida pela Polícia Federal, buscou-se a punição dos violadores das leis penais, como última linha de proteção das regras democráticas fixadas na Constituição Federal.
Superada essa quadra histórica, desenvolvida entre 2021 e novembro de 2025, a luta pela harmonia e pela pacificação entre os integrantes do Trisal Constitucional permanece aberta. Ainda há resistências no seio de um dos integrantes da família, o Poder Legislativo, o que impõe a atuação permanente do Poder Judiciário para fazer valer suas decisões, no exercício da função de supremo intérprete e guardião da Constituição.
Por outro lado, pesquisas de opinião e as chamadas “conversas de bar” — hoje amplificadas pelas redes sociais — revelam um indicador preocupante: uma parcela expressiva da população brasileira ainda acredita na possibilidade de o texto constitucional autorizar a intervenção militar como solução para conflitos entre os Poderes. Esse dado reforça a necessidade de reafirmar diariamente o pensamento democrático como único caminho legítimo para a pacificação social.
Quando se imaginava que a luta pela preservação da democracia caminhava para seu capítulo final, com a condenação do núcleo crucial da trama golpista, o país foi sacudido, na manhã de 28 de outubro de 2025, pela deflagração da Operação Contenção, realizada pelas forças de segurança do Estado do Rio de Janeiro nos territórios do Complexo da Penha e do Alemão. A operação teve como objetivo desalojar, prender ou neutralizar integrantes do Comando Vermelho e suas lideranças.
O saldo foi elevado: 117 mortes de integrantes da facção criminosa, cinco mortes entre agentes das forças regulares, além da prisão de 113 indivíduos, da apreensão de mais de uma tonelada de drogas, 93 fuzis e 26 pistolas. Os resultados foram celebrados como êxito pelas autoridades responsáveis. Não se pretende aqui avaliar o sucesso ou o fracasso da ação, mas destacar a admissão, pelas próprias autoridades, do uso de técnicas de guerra convencional no combate ao crime organizado.
Segundo informado, a operação foi estruturada em conformidade com as orientações do STF na chamada ADPF das Favelas, voltadas à redução da letalidade de inocentes. Nesse contexto, foi empregada a técnica conhecida como manobra de flanco, com o posicionamento estratégico das forças policiais para direcionar os integrantes da facção a uma rota de fuga previamente delimitada, bloqueada na área de mata pelo chamado “muro do BOPE”, caracterizado, na lógica militar, como zona de abate.
Outro indicativo do uso de técnicas de guerra convencional foi o fato de que os mortos e feridos das forças estatais foram retirados pelo próprio Estado, enquanto os corpos dos integrantes do Comando Vermelho permaneceram no local, sendo posteriormente removidos por familiares e membros da facção. Isso revela que, cessados os confrontos, cada grupo ficou responsável por seus mortos e feridos.
Sob o prisma teórico do direito penal, pode-se cogitar a aplicação da excludente de ilicitude da legítima defesa, prevista no artigo 25 do Código Penal, uma vez que os integrantes da facção ingressaram na mata portando fuzis e contaram com o apoio de outros grupos armados que atacaram as forças de segurança. Esse contexto permite concluir pela reação em defesa da própria vida e da coletividade, sem prejuízo da apuração de eventuais excessos.
Mais uma vez, impõe-se a atuação do Supremo Tribunal Federal, no âmbito da ADPF das Favelas, para verificar, com base nas provas colhidas, o cumprimento de suas decisões e a legalidade dos resultados da operação. Assim, a atuação do STF na proteção da supremacia da Constituição, sempre mediante provocação, deve ser compreendida sem ódio ou ressentimentos. Trata-se de uma atuação voltada à garantia do respeito ao sufrágio popular, à resolução de conflitos entre os Poderes e à proteção dos direitos fundamentais, como caminho indispensável à preservação da democracia, do desenvolvimento econômico e da justiça social.
