A arte resiste

Coletivos culturais do Distrito Federal enfrentam dificuldades e tentam se reinventar para continuar as atividades durante a pandemia

Geovana Melo*
postado em 10/08/2020 20:16
 (crédito:  Webert da Cruz/Divulgação)
(crédito: Webert da Cruz/Divulgação)

O Distrito Federal é berço de relevantes centros culturais e de múltiplas expressões artísticas que enriquecem o cenário cultural da capital. Como em tantos setores, os coletivos também estão sofrendo os impactos do isolamento social em decorrência das medidas de contenção do novo coronavírus. Embora alguns centros tentem se reinventar por meio de ações e atividades virtuais, nem sempre é possível, e os coletivos fazem de tudo para se manterem de pé.

Esses locais buscam funcionar de forma democrática incentivando a produção e o acesso cultural, sempre de forma presencial e interativa, em período pré-pandêmico. Entretanto, a pandemia e a necessidade do isolamento trouxeram um grande desafio para grupos que têm a cidade como espaço cultural e local de trabalho: dar continuidade às atividades.

Símbolo da resistência artística em Taguatinga, o Mercado Sul é embalado por diversas atividades culturais. O espaço conta com teatros, painéis de grafites, artesanatos, rodas de capoeira, oficinas, ateliês e uma série de eventos distribuídos durante o ano. No entanto, o local tenta se adaptar à conjuntura atual. A ocupação cultural que visa o direito à cidade continua fortalecendo a produção artística, o diálogo e a comercialização solidária por meio das plataformas virtuais.

A covid-19 afetou o cotidiano dos moradores e trabalhadores do beco às margens da avenida Samdu Sul. Muitas ações previstas para 2020 foram interrompidas, como a Ecofeira Mercado Sul e o tradicional Arraiá do Beco, evento fora de época que reúne mais de 5 mil participantes.

“As dificuldades são inúmeras. Teatros e espaços culturais parados, sem recursos financeiros para a manutenção de contas e afetando diretamente na produção de espetáculos, festivais e cursos. O Mercado Sul é um exemplo desse arranjo, tem empreendimentos como a Tempo Eco Arte, que trabalha com artefatos de papelão e saco de cimento, o Invenção Brasileira, espaço de teatro, a própria ocupação e outros espaços afetados neste momento”, conta Dani Rueda, integrante da ocupação cultural Mercado Sul Vive e do Conselho Regional de Taguatinga.

On-line

Como forma de se reinventar, o grupo está trabalhando com eventos on-line e realiza campanhas de doação de alimentos e brinquedos para apoiar cerca de 43 famílias que vivem no local. “Também estamos com uma lista de produtos vendidos na web. No entanto, sabemos que são insuficientes, e monetizar as ações é um desafio junto ao latifúndio das redes sociais, bem como vender serviços e produtos que estão em produção por lá”, pontua Dani.

Outro coletivo afetado é o Imaginário Cultural, que funciona em um Centro Comunitário da Administração de Samambaia. Com os decretos de suspensão, todas as atividades do espaço foram paralisadas. As contas estão sendo pagas com recurso próprio dos integrantes ou foram suspensas, como ocorreu com a internet e o telefone.

“Vínhamos sofrendo muito porque tivemos o espaço roubado cinco vezes em dois meses, e, com isso, perdemos todos os nossos equipamentos, incluindo notebook e materiais de trabalho. Tivemos que arcar com investimento em segurança, colocando grades até no teto da secretaria do espaço, o que nos deixou absolutamente desprovidos de qualquer recurso. Com a chegada da pandemia, isso só se agravou ainda mais. E não podermos exercer nossas atividades é o que mais nos traz prejuízos”, conta Marília Abreu, coordenadora do Imaginário Cultural.

“Necessitamos de recursos financeiros, principalmente para sobrevivência da maior parte da equipe que trabalha apenas com arte e cultura, e para a manutenção do espaço com a limpeza, despesas com internet, telefone, contador e outros. Temos nos inscrito nos editais emergenciais. Há também recurso proveniente de emenda parlamentar para executar, mas travada na Secretaria de Estado de Cultura e Economia Criativa do Distrito Federal”, completa Marília.

 

 

 

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Sobrevivência

 (crédito: Isabella de Andrade/Esp. CB/D.A Press - 13/12/16)
crédito: Isabella de Andrade/Esp. CB/D.A Press - 13/12/16


Atuando em Santa Maria há mais de uma década, o Núcleo de Formação Popular Família Hip-Hop trabalha com a cultura do rap como instrumento para a educação popular. O espaço está há quatro meses fechado, sem realizar cursos e oficinas. “No momento, a única coisa que estamos tentando fazer é manter o coletivo, a estrutura. As contas não param, então, a gente está se virando dessa maneira, pagando o que dá. Estamos tentando existir”, assume o coordenador geral do Núcleo de Formação Popular Família Hip-Hop, Alex Martins.

A questão financeira é o maior problema da instituição nesse momento. Após o Governo Federal autorizar o repasse de R$ 3 bilhões destinados à profissionais informais da cultura com a Lei Aldir Blanc, o Família Hip-Hop aguarda o recurso. “Nossa esperança é essa lei. Acessá-la e conseguir, pelo menos, garantir uma equipe para manter o espaço organizado e funcionando para quando acabar a pandemia, nós retornarmos com as atividades”, ressalta Alex.

Outro coletivo que se reinventou foi a Casa Akotirene, localizado na Ceilândia. Funcionando em espaço físico desde o ano passado, o lar de cultura e empoderamento artístico para mulheres e LGBTQIA+ é um local de resistência preta, em que concretiza ações e dialoga com a comunidade local na construção das próprias narrativas e desenvolvimento da identidade afro-brasileira. Atualmente, cerca de 150 famílias estão cadastradas no projeto para receber cestas básicas. No momento, as maiores dificuldades são arrecadar alimentos para distribuição e manter a casa, visto que o espaço é alugado.

“Hoje, realizamos ações para tentar minimizar os efeitos do isolamento social e do coronavírus com projetos para a saúde mental, entrega de cestas e produtos de higiene para famílias de Ceilândia, além das lives e rodas de conversa pelas plataformas on-line”, conta Jusianne Castilho, uma das responsáveis pelo coletivo.

O quilombo urbano tem uma rede de apoio formada por psicólogos e advogados, e precisa de profissionais voluntários para auxiliar as famílias que buscam ajuda. “Também precisamos de doações de alimentos, materiais de limpeza, produtos de higiene para distribuição entre as famílias periféricas. Outra forma de nos ajudar é comprando a cachaça artesanal da Casa Akotirene”, completa Jusianne.

*Estagiária sob supervisão de Igor Silveira

 

Como ajudar?
Os coletivos estão arrecadando cestas básicas e/ou dinheiro para doações. As informações completas, como contas para depósitos ou pontos de arrecadação, estão nas redes sociais dos grupos, como Instagram e Facebook. Além disso, as programações virtuais podem ser acessadas pelas mesmas plataformas.

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