Música

A ‘crueza apaixonada’ de Davi Kaus, poeta meio Bukowski, meio Iggy Pop

O músico e escritor taguatinguense acaba de lançar o primeiro livro solo, 'Davidusakikaus', pela editora Reflexos

Devana Babu*
postado em 13/08/2020 13:05 / atualizado em 14/08/2020 15:14
Primeiro livro solo do músico taguatinguense David Kaus traz poemas que almejam a ressacralização do amo -  (crédito: Autorretrato/Divulgação )
Primeiro livro solo do músico taguatinguense David Kaus traz poemas que almejam a ressacralização do amo - (crédito: Autorretrato/Divulgação )

Enquanto muitos enaltecem a verve poética de Lou Reed ou os multitalentos de David Bowie, o músico e poeta Davi Kaus joga no time de Iggy Pop no quesito literário. Terceiro elemento tríade de ouro do rock’n’roll, Iggy é geralmente mais lembrado pela performance visceral do que pelos dotes literários, mas não para Davi: “O Iggy Pop tem uma coisa que eu acho linda na poesia e na personalidade dos poetas e músicos de que eu gosto: ele tem uma crueza apaixonada. A poesia do Iggy Pop é assim, e eu acho lindo. Sou fã do Iggy Pop até o último corte”, declara.

Os mesmos traços podem ser atribuídos ao primeiro livro solo de Davi, Davidusakikaus, lançado em 21 julho pela editora Reflexos. Nascido em Taguatinga e radicado em Arniqueiras desde 1992, Davi é professor de música e também guitarrista e cantor visceral, forjado na boemia e na roqueiragem taguatinguense, a ponto de considerar-se taguatinguense de coração. As vivências do autor como músico da noite, os amores e inquietações eclodem nos poemas metafóricos e abstratos, mas com pés fincados na realidade e no cotidiano.

O primeiro livro do músico, Reflexos da lua sobre o sol, é uma parceria com mais três poetas conterrâneos, e deu nome e origem à própria editora, capitaneada por Anderson Souza. Com alguns livros publicados, a proposta da editora é agitar a cena literária do DF e, especialmente, de Taguatinga, desengavetando originais e publicando de forma virtual, em vez de esperar a verba para uma publicação física.

A foto de capa do livro é de Joelma Antunes, fotógrafa de Ceilândia que há anos vem registrando a cena underground e os principais shows de rock do DF
A foto de capa do livro é de Joelma Antunes, fotógrafa de Ceilândia que há anos vem registrando a cena underground e os principais shows de rock do DF (foto: Arte de Dominick Maciel sobre foto de Joelma Antunes/Divulgação)

“Alguns autores ainda têm um fetiche, ou talvez uma certa reserva com os livros on-line, por achar, de repente, que os livros on-line são banais, uma coisa que eu não acho. Acho que um livro pode ser físico, super bem produzido, material físico muito bom, e não ter conteúdo. O importante, no final das contas, é o conteúdo. É como uma música. Não adianta a música ser super bem produzida, gravada em Abbey Road, mas não ter uma produção, não ter uma intenção”, reflete Davi.

Além da conterraneidade, o que une os quatro poetas no primeiro livro da editora é a densidade dos temas. “Cada um a seu modo, nós somos malditos, por assim dizer. A Janine (Carvalho) faz haicais e poesias bem sensuais, no sentido sensitivo do termo. Minhas poesias são Bukowski, no sentido de ter aquele peso urbano, e daquele amor pesado. O Anderson Souza é o Augusto dos Anjos Taguatinguense, pelo menos nesse livro. Felipe (Alves) é muito pesado. Acho ele tipo uma bigorna caindo do céu na sua cabeça. E, entre nós quatro, a intersecção seria uma marginalidade amorosa”, explica.

Essa marginalidade amorosa volta com tudo no novo volume de poesias, um compêndio de escritos acumulados ao longo de 10 anos no blog Teoria do Kaus, e comemora a marca de uma década do site. A seleção de 140 poemas teve que ser dividida em dois livros: o que acaba de sair, cujos poemas apresentam um estilo mais próprio do autor, e um segundo, Sonetos e outras fantasias estéticas, que será editado e publicado em breve, com poemas mais formalistas, como sonetos e experiências concretistas. O título, por sua vez, faz alusão à personagem Valéria Dusaki, alter ego do escritor e protagonista do romance O Calabouço de Valéria Dusaki, obra recheada de poemas que deve ser publicada no início do ano que vem. Tudo pela editora independente e comercializado apenas pela Amazon.

 

Vômito

O processo criativo do escritor consiste em dar vazão ao fluxo de consciência em versos brancos e livres, num primeiro momento, para depois subverter os próprios versos. "Fluxo de consciência é uma técnica literária, mas, para mim, é só um eufemismo para ‘vômito de pensamento'”, ironiza. Em termos temáticos, ele ressalta uma dicotomia entre o sagrado e o profano. "Eu nasci numa família cristã, e meio que tento resolver as culpas cristãs, entre a culpa cristã e a ressacralização do amor. Isso pode ter a ver com sexo ou não."

Davi conta que os poemas são fortemente influenciados por quem ele está lendo no momento. “Quando eu estava lendo mais Jack Kerouac, os poemas ficavam mais superadjetivados. Os sonetos do segundo volume são mais da época em que eu estava lendo Baudelaire, Augusto dos Anjos. Quando se está lendo Bukowski, você bebe mais do que escreve. Mas escreve. Aí sai as poesias de sofrimento de amor e bêbadas. Poesia de corno bêbado, mesmo”, diverte-se.

O importante, para Davi, a despeito de influências e teorias literárias, é manter a espontaneidade. É uma coisa que não pode ser pensada. Quando eu começo a pensar muito na poesia, fica como seu eu tivesse que provar alguma coisa para mim mesmo ou para as outras pessoas. A poesia é a coisa mais pura que eu posso fazer.”

Consequentemente, a figura do poeta acadêmico lhe dá arrepios. “A poesia tem que ser apaixonada, não tem que ser academicista. Às vezes, vejo poetas de academias de letras e eles falam de uma forma que parece que nunca tomaram cachaça num boteco às três da manhã. Não adianta ficar dentro de uma sala escrevendo sonetos dodecassílabos, para mim, não é poesia. A poesia tem que estar no sangue”, conclui.

“Esteticamente, eu habito o universo da paixão, de imagens subconscientes que me fazem sentir prazer de escrever. Na maioria das vezes, aparece uma estrofe ou alguns versos de que eu gosto da imagem e das palavras, palavras bonitas, mas que não sejam rebuscadas. É realmente um soco no escuro, a inspiração”.

 

Kaus

Davi Kaus é músico, estudante e professor de música, com passagens por bandas como Davi Kaus e os Irmãos Metralha, Davi Kaus e os Malditos Hippies, Vitrine, Leda, A Mákina, This Fusion e Cachorros das Cachorras. Escreve no blog Teoria do Kaus, possui um canal no Youtube com o mesmo nome e acaba de lançar seu primeiro EP Solo, Entre a diversão e a última microfonia , com músicas autorais gravadas em casa durante a quarentena.

Serviço
Davidusakikaus

De Davi Kaus, editora Reflexos, à venda pela Amazon, por R$ 5,99

 

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