Cantor e performer, em ponto de bala na projeção junto ao público, o ceilandense Wander Vi protagoniza o único curta-metragem do Distrito Federal selecionado para a 48a edição do Festival de Gramado. Wander despeja, no filme, batizado com seu nome, e dirigido por Nathalya Brum e Augusto Borges, os predicados dele: é negro, pobre, gay e feliz. Com a seleção para o festival que será transmitido para todo o país (em streaming e na tevê, em setembro), Wander se diz impressionado e emocionado.
“Estar em Gramado (RS), depois do Festival Taguatinga de Cinema, será uma virada na chave. A gente passa muito tempo reclamando, mas há uma hora em que vem o amadurecimento, e a gente é feliz com o que tem. No crescimento, podemos gerar o melhor de tudo”, comenta, em entrevista ao Correio. Na construção da carreira, batalham dois Wanders, o animadão e outro, meloso e melódico. Alimentar a vocação artística implica em viver a realidade paralela de trabalhar, das 21h às 6h, em mercado atacadista do Plano Piloto. Não foram poucas as vezes em que ouviu dos colegas de gôndola: “Cara, você canta muito bem; o que está fazendo aqui?”.
Lenda urbana
“Sofri preconceito tanto por ser da Ceilândia, quanto por ser negro ou por ser gay. É complicado, e isso é o que resulta no peso das letras. Tenho os dois brigando dentro de mim: tenho o artista pop em conflito com o Wander do rhythm and blues e do soul”, avalia, aos 26 anos. No confronto está forjado Wander Vi, embalado por danças (ele integra o grupo Lenda Urbana, de Taguatinga), mas que pretende incluir, no pop, o peso político.
“A maioria das minhas músicas tem engajamento. Onde estão os meus heróis, por exemplo, trata de tolerância religiosa, num grito, num apelo, apesar de eu ter crescido em meio cristão, às religiões de matriz afro. Falo de orixás e de ter a pele negra. Muito do conteúdo que trato está vinculado ao movimento LGBTQI+; na maioria, escrevo sobre amores, falo do amor plural e do apoio à vida, de modo geral”, conta o artista.
Artistas como The Weeknd, Beyoncé, Whitney Houston e Brian Mcknight fazem a cabeça de Wander, que também curte D´Black e Alcione. No último “acesso” artístico, Wander criou três música para um “EP básico” (nas plataformas ONErpm, Spotify e YouTube). Junto a Tanto faz e Salvo na agenda, ele destaca Água, “faixa que fala de amor, de você desejar uma pessoa, a ponto de esquecer de você mesmo, mas não poder ter”.
Quase lá
Foi numa edição do Show de Talentos (Teatro Garagem, Sesc), pré-pandemia que Wander realizou o sonho de aproximação com público real; numa trajetória em que pintaram recentes convites como o de animar um casamento. “Eu fazia shows na rua, forçando a passagem pra ver se deslanchava. Tudo é muito novo para mim. Estou bicando, para sair do ovo: estou construindo um público”, explica o artista que viu a pandemia alastrada, duas semanas antes de importante apresentação.
Atual morador de Samambaia, Wanderson Vieira tem por vontade levar o nome de Ceilândia (onde nasceu), como grandes artistas da estatura de Ellen Oléria. “Me traz boas lembranças com a família, apesar de os problemas estruturais. Sempre vou adorar amar essa cidade; pela construção da personalidade e pelos professores e amigos”, ressalta. No impulso de ânimo, pesam ainda a presença de Neide, a mãe amorosa e as partidas de games. “Nunca deixo morrer a minha criança interior”, conclui.
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