Desde os 18 anos de idade, Araquém Alcântara dá vazão à incontida produção fotográfica. À época em que atuava no dia a dia dos jornais, ele costumava virar a cara para as possíveis viagens profissionais destinadas a Nova York; para espanto de muitos, assuntava: “Não tem nada aí, pra ir pro sertão de Gilbués (no Piauí)?”. Se o corpo de trabalho ganhou repercussão internacional ao fotografar o Brasil, Araquém não tem dúvidas que assim seguirá.
Enquanto emplaca imagens viralizadas, no tempo das projeções pelas redes sociais, Araquém, que completa 50 anos de profissão em 2020, se prende a registros do cotidiano nacional, visto em paisagens e festas. “Revelo pequenos tesouros. Muitas fotografias são ou serão testemunhas do que se perdeu. O artista, quando indomável, como sou, tem sede de que suas fotos permaneçam”, explica.
Às vésperas de mais uma viagem para a Amazônia, o fotógrafo vê palpitar as eternas vocações para a poesia e o idealismo. “Tenho 69 anos, mas um corpo de menino”, chega a ser gabar, tamanho o entusiasmo. Viajante e intérprete do Brasil, como se diz, Araquém, nas andanças, observa fenômenos que o atingem em cheio, como no caso das queimadas, e corre para apontar dados: hoje, quase 90% da madeira extraída (na Amazônia) é ilegal, não há regularização fundiária, matas de araucária minguaram a 1% e 93% da Mata Atlântica foi dizimada, enquanto a Amazônia já sangrou em 17% de surrupio.
Mesmo o desequilíbrio entre Terra e homens não tira a expectativa de que a Floresta Amazônica venha a ser salva. “Vejo a possibilidade, a partir da vontade, da indignação e das atitudes, com o engajamento mundial”, resume. Outro fato que antevê está no terreno pessoal, com a previsão, até 2023, da comemoração do cinquentenário, na lida com a “profissão de fé” de fotografar. Em processo, há pendente livro (o 56º da carreira), a ser lançado Feira de Frankfurt (Alemanha).
Passado o lançamento de outro título, centrado no Pantanal, e previsto para novembro, Araquém trabalhará com a equipe Vento Leste Editora para internacionalizar obra sob título a definir: Amazônia: a beleza e a destruição ou Luz e trevas. Outra adaptação será para crianças, em livro em torno da natureza no Brasil.
Tornado best-seller Brasileiros (2020) está quase esgotando. Homenageado na edição especial da revista Du, terá 120 páginas, numa edição histórica, na publicação suíça que reconhece um fotógrafo no mundo, a cada seis meses. Um livro sobre o cinquentenário (com timeline da carreira) e outro, sobre paisagens e fauna brasileiras, ainda acompanharão a epopeia de Araquém editar um guia, marcando tudo o que aprendeu — “na raça, como autodidata” — em tom bem coloquial.
» Entrevista /Araquém Alcântara
Houve alguma meta definitiva na carreira?
Resolvi fazer uma odisseia pessoal, inspirado nas ideias do Ansel Adams que ajudou a criar parques nacionais nos EUA. Eu teria que abarcar todos os ecossistemas do Brasil. Foram 20 anos de viagens que me tornaram um símbolo de fotografias mais vendidas em todos os tempos. Isso foi com o livro Terra Brasil, agora na 13ª edição. Sou o primeiro fotógrafo a registrar imagens de todos os parques nacionais do Brasil. Fotografei o Parque Nacional de Brasília, o Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros (...); deixei para o final a Amazônia. Tive que morar lá um tempo, já que eram várias expedições. Pela frente, o Parque Nacional da Serra do Divisor (no Acre), Parque Nacional do Pico da Neblina, Parque Nacional do Monte Roraima... Me preocupei em revelar a riqueza deste país, tanto do ponto de vista geográfico quanto humano. Foi quando passei a entender o Brasil, realmente. Empreendo uma saga homérica, mesmo. Ando, há 50 anos, por este país. Citando o Guimarães (Rosa): me interessa o real, e que não está na chegada, está na travessia. Vi uma multiculturalidade incrível: o Brasil tem uma força extraordinária para superar até... Jair Bolsonaro (risos).
Dá para perceber a devastação, ano a ano, para alguém que sistematicamente trava contato com rincões do Brasil?
Sem dúvida. Quando você observa, de tanto andar pelo país, comecei a entender que fiz escolha correta: para captar o caráter do povo, tinha que andar ao lado dele. O único jeito que havia era viajando; andando, andando, sem fôlego. É uma dedicação extremada. Caminho quilômetros e quilômetros, e não vejo prosperidade. Ainda não entendemos que temos uma grande riqueza nas mãos, com a maior biodiversidade do planeta, mas as florestas têm sido dilapidadas sem gerar benefícios sociais e econômicos.
Como vê Sebastião Salgado e o que pensa de comparativos?
O Sebastião fotografa o mundo. Ele é, sem dúvida nenhuma, um dos maiores fotógrafos do mundo. A gente se respeita muito, num país em que é um pecado fazer sucesso. Eu me dediquei a ser o fotógrafo do Brasil. Por isso, mergulho neste povo: sou um colecionador de mundos, porque o Brasil é um mundo. A minha matriz total, meu modelo de universo é o Brasil. E olha que não vai dar (para cobrir) tudo, nessa vida, vai ter que ter outras encarnações (risos).
Como tem lidado com a pandemia?
A pandemia me fez mergulhar, revisitar toda a minha obra que, em preto e branco, tem mais de 500 mil imagens, em termos de produção analógica (com uso de negativos). Depois, entrei em contato com a produção dos últimos 20 anos, e cheguei à conclusão de que vou precisar de, ao menos, mais um ano. Como sou uma usina de produção, interessado em contribuir para memória e identidade brasileira visual, usei muitas mídias sociais. Sou seguido por umas 300 mil pessoas. Isso alimentada o sonho dos 50 anos em curso: todo um caminho segue para o aspecto internacional, no âmbito das exposições e dos livros. Penso ainda num guia, escrito, filosoficamente, mas com tom coloquial, e que troque em miúdos os 50 anos de vivências. Quero alinhar a vontade poética e política do fazer fotográfico documental no país.
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