Literatura

Dois brasilienses são finalistas do International Latino Book Award

O policial Daniel Barros concorre com um romance policialesco, e Sinélia Peixoto com o segundo livro da ‘Trilogia do eu’, que ressalta a força da mulher independente

Devana Babu*
postado em 24/08/2020 21:01 / atualizado em 24/08/2020 23:16
 (crédito: Fábio Dias/ Divulgação)
(crédito: Fábio Dias/ Divulgação)

O International Latino Book Awards (ILBA), considerado o maior prêmio dos Estados Unidos a reconhecer publicações feitas por, para ou sobre latino-americanos, divulgou a lista de finalistas que concorrerão às 96 categorias do prêmio. Todos os 297 finalistas serão classificados em primeiro, segundo e terceiro lugar ou ainda receberão menções honrosas. A cerimônia de anúncio das colocações será transmitida virtualmente em 12 se setembro, pelo site.

Três brasileiros pleiteiam os três primeiros lugares da categoria de melhor ficção em português: a paulista radicada nos Estados Unidos Karina Manasseh, com a obra Entre cabul e a dança das borboletas; e os brasilienses Sinélia Peixoto, com o segundo volume da Trilogia do eu, Por que não eu?; e Daniel Barros, com o romance policial Canto escuro. Em entrevista ao Correio (abaixo), os dois brasilienses falaram sobre suas obras e trajetórias.

Outros brasileiros estão na disputa. Nas categorias de língua portuguesa, A última onça do cerrado, de Yana Marull, é o único indicado como melhor livro ilustrado em português (língua original). Na categoria de livro ilustrado em português publicado originalmente em outra língua, Dylan's birthday present / O presente de aniversário de Dylan, de Victor D.O Santos foi o indicado. Na categoria de melhor livro de poesia em espanhol ou bilíngue, Amores inéditos, de Miguel Angel Zaya, disputa os primeiros lugares com quatro concorrentes, além de dividir a categoria de melhor livro de não ficção em português com o Deus fala com Arjuna: O Bhagavad Gita, de Paramahansa Yogananda.

Capa do livro Por que não eu?
Capa do livro Por que não eu? (foto: Rodrigo Pereira/ Divulgação)

 

Independente

A palavra independente define a vida e a obra da escritora Sinélia Peixoto em vários aspectos. Professora da rede pública de ensino do Distrito Federal, a escritora está afastada da função de vice-diretora do Centro Interescolar de Línguas (CIL) de Samambaia para fazer um doutorado em educação na cidade de Salisbury, em Maryland (EUA), onde mora com os dois filhos.

Começou a escrever em 2013, quando, de uma sentada, escreveu as 1500 páginas Da Trilogia do eu, em 45 dias. “Estava passando por um processo de limpeza emocional, de terapia, gigantesco. A trilogia saiu como uma limpeza. Eu até falo que foi algo entre mim e o universo, um processo meio mediúnico, mas é na brincadeira”, conta a autora.

Antes e depois deste processo, Sinélia passou a recolher frases, diálogos e situações observadas no dia a dia para incorporar ao romance e aos personagens. “Qualquer mesa que eu sentasse, em toda festa que eu ia, eu pegava a história que estava sendo contada ali e transcrevia para o meu livro. Tem personagem que sofre mais do que o outro, porque eu peguei várias histórias de várias pessoas e fui colocando ali. Eu era como uma esponja. “

O primeiro volume, Por que eu?, foi publicado por uma editora em 2015, mas ela não gostou da experiência e, quando o livro ficou em primeiro lugar na categoria de melhor ficção em português do ILBA de 2016, já era uma autora independente. Desde então, publicou 13 livros, entre contos, poemas e romances, todos disponíveis pela Amazon, três em formato físico. “Eu faço tudo. Sou eu quem edito meus livros, verifico, reviso, desenho a capa, faço o e-book para a Amazon e administro as redes sociais, então eu sou todas as personagens do meu livro.“

Sinélia sente o maior orgulho de fazer tudo por si, e este desejo de independência, pessoal ou profissional, dá o tom de Por que não eu?. “O livro é a história da Elizabeth e do Antônio, eles são um casal. O Antônio está passando por um problema de saúde e a Elizabeth acompanha ele durante todo esse processo, até que ele morre, então tem o processo da Elizabeth de autoconhecimento, sofrimento, e sobre como superar a morte do marido e criar dois filhos sozinha e se levantar depois de uma queda dessas. Ela luta por ela e consegue tudo sozinha, consegue o emprego dela e consegue manter”, resume.

Cofundadora de um coletivo de autoras chamado EscritorasDF, ativo desde 2016 na cena literária do Distrito Federal, Sinélia compreende a importância de sua mensagem para as mulheres, que formam a maior parte de seu público leitor. “Eu faço questão de dizer isso: eu sou independente, uma autora independente. Eu acredito nos meus sonhos e faço o possível por eles. Acredito que qualquer pessoa pode fazer o mesmo, basta estudar, e eu estudo muito. Hoje em dia eu sou uma doutoranda nos Estados Unidos, e eu moro aqui sozinha com dois meninos pequenos. E a gente consegue, a gente consegue tudo.”

Ilustração interna do livro Canto escuro, de Daniel Barros
Ilustração interna do livro Canto escuro, de Daniel Barros (foto: Andréia Pessoa/ Divulgação)

Submundo

O funcionário público Paulo Henrique trabalha em uma repartição que lida com licitações públicas, em Brasília. Ao suspeitar de fraudes no órgão, recorre a dois amigos policiais que o apresentam a um terceiro, Ximenes, Seus superiores tentam envolvê-lo nas ilicitudes. Ao mesmo tempo, lida com problemas no casamento, no qual ele procurava em vão algo sólido e estável que remediasse a vida boêmia e hedonista que o cansou na juventude, buscando no matrimônio um romantismo frustrado desde o início.

“Apesar de o tema do livro ser corrupção em licitações públicas, eu foco bem na questão da relação interpessoal dos personagens”, conta o policial civil Daniel Barros, autor do livro, que mergulhou em obras como as de Sêneca e Voltaire para fazer a pesquisa de caracterização dos personagens: boêmios, policias, prostitutas e criminosos. “É uma narrativa simples e com linguagem simples, entretanto, de uma carga muito visceral, o que me faz lembrar os livros de Bukowski, onde há o drama da condição humana, a perplexidade frente à realidade e a busca de uma natureza que não está no passado”, explica o escritor.

Daniel Barros, policial e escritor
Daniel Barros, policial e escritor (foto: Gabriela Marinho/ Divulgação)

Com narrativa não linear, o livro começa pelo beco sem saída em que o protagonista se encontra no primeiro capítulo, passando, nos dois capítulos seguintes, à trajetória do protagonista desde os dias desregrados da juventude até os problemas do presente, com desfecho no quarto capítulo. ”É uma publicação com uma narrativa simples, mas muito angustiante, que me lembra, guardando as devidas proporções, o livro Angústia, de Graciliano Ramos, que por sinal é meu conterrâneo”, conta o Alagoense.

Formado em Engenharia agrônoma pela Universidade Federal de Alagoas, Daniel se mudou para Brasília há 22 anos, quando passou em um concurso da Polícia Civil, onde trabalhou com operações de infiltração, tendo contatos no submundo. Passou primeiro pela divisão de entorpecentes, depois pela de homicídios, que lhe rendeu bastante material para a escrita. “Os relatos do livro não são sobre casos reais, mas a técnica usada nas investigações, as discussões sobre a investigação, tem uma semelhança muito próxima com a realidade e com o que foi vivido por mim como policial. Inclusive, personagens policiais são inspirações em colegas que conheci no decorrer desta minha carreira”, conta o escritor.

Ele diz ainda que, ao ler os livros, muitos colegas se reconhecem naqueles personagens e situações. “Isso porque não são exatamente eles, mas pode ter um pouquinho deles. O próprio Ximenes, principal investigador da história, é inspirado num policial real aqui da Polícia Civil que tem 22 anos de dedicação à polícia, mas sempre com a mesma paixão do início de sua carreira”, diz o investigador, sugestivamente.

Capa do livro Canto escuro
Capa do livro Canto escuro (foto: Guilherme Peres/ Divulgação)

Daniel, que sempre foi de colaborar com periódicos escolares, publicou o primeiro romance, O sorriso da cachorra, em 2011, aos 40 anos. Em 2013, lançou Enterro sem defunto, romance policial sobre o tráfico de drogas, e, em 2015, Mar de pedras. Canto escuro, segundo romance policial do escritor, traz para a ficção grandes nacos de realidade. ”A gente vive nesse submundo, a gente conhece o submundo das ruas. Enquanto você está na investigação, você está vendo tudo no real, ao vivo”, contextualiza. “Quando essa investigação vai para o papel, ela chega bem filtrada, e os juízes e promotores não conseguem sentir o que nós, policiais, sentimos quando estamos no local do crime. Quando vemos um homicídio, uma pessoa morta, por pior que seja aquela pessoa que está ali no chão, ela tem filho, tem mãe, tem tudo, e não tem como você não se comover com essa situação. E trazer isso para a literatura é uma coisa que eu busco. Por isso que eu tento, na ficção, aproximar o máximo da realidade em termos de sentimento e construção dos personagens.”

*Estagiário sob a supervisão de Ricardo Daehn

Serviço

Por que não eu?, livro de Sinélia Peixoto, independente, R$ 4,99, à venda pela Amazon.

Canto escuro, livro de Daniel Barros, Penalux, R$ 42, à venda pelo site da editora.


 

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  • Daniel Barros, policial e escritor
    Daniel Barros, policial e escritor Foto: Gabriela Marinho/ Divulgação
  • Capa do livro Por que não eu?
    Capa do livro Por que não eu? Foto: Rodrigo Pereira/ Divulgação
  • Capa do livro Canto escuro
    Capa do livro Canto escuro Foto: Guilherme Peres/ Divulgação
  • Ilustração interna do livro Canto escuro, de Daniel Barros
    Ilustração interna do livro Canto escuro, de Daniel Barros Foto: Andréia Pessoa/ Divulgação
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