Livros

O livreiro Chiquinho vislumbra reaver leitores no pós-pandemia

Em casa, isolado, o livreiro Chiquinho mergulha na leitura e em projetos imaginários que podem tomar forma após a pandemia: sair em busca do leitor é um deles

Nahima Maciel
postado em 31/08/2020 07:30 / atualizado em 31/08/2020 07:34
 (crédito: Zuleika de Souza/ CB DA Press)
(crédito: Zuleika de Souza/ CB DA Press)

Chiquinho tem vários projetos para quando a pandemia arrefecer e o coronavírus permitir que ele saia à rua com segurança. O livreiro de 60 anos quer reencontrar o leitor. Ele sabe que, talvez, o encontro presencial não seja mais uma realidade. O isolamento gerado pela pandemia criou um novo modo de vida e o espaço virtual passou a dominar, mais do que nunca, o cotidiano do mundo. Seja para o consumo, seja para a socialização, a internet esticou os tentáculos e Francisco Joaquim de Carvalho sabe bem disso, mas não desiste do romantismo com o qual encara a própria profissão. Página no Facebook, ele já tem, mas não gerencia. Deixou por conta de um amigo e cliente, doutorando em literatura.

Chiquinho queria mesmo é sentar na porta da Livraria do Chico, na UnB, para orientar os leitores sobre bibliografias disponíveis para cada perfil. Mas não tem sido fácil manter essa esperança. Desde março, quando decretos do GDF ordenaram o fechamento do comércio, o livreiro está com a livraria fechada. Passou apertos no início, não sabia se conseguiria manter o aluguel da loja nem pagar as contas, mas um grupo formado por professores, alunos, clientes e admiradores do livreiro fez uma vaquinha que o ajudou a pagar os boletos e aumentou sua esperança na humanidade. “Me salvou. Me deu uma calma material de não ficar num desespero profundo”, conta. “Só tenho que agradecer à amizade, que é uma das coisas mais importantes do ser humano. Sempre tem alguém ajudando o próximo nos grotões mais distantes, isso é uma coisa que as pessoas estavam esquecendo, esse lado da simplicidade. É o retorno à simplicidade. Esse é um dos momentos mais sérios da humanidade, importante compreender, interpretar esse momento. Uma questão civilizatória, uma questão da humanidade.”

Chiquinho tem lido muito. Especialmente sobre o mercado. Ele anda muito interessado na vida de editores e livreiros, de gente como Monteiro Lobato, que escrevia, editava, imprimia e vendia os próprios livros, e José Olympio, que fez de sua livraria no Rio de Janeiro o ponto de encontro da intelectualidade e da cena literária carioca na década de 1940. “O que eu vejo é que, antes de 12 de março, quando começou a pandemia no Brasil, as pessoas tinham uma vida muito corrida. Hoje está mais adequada, o isolamento acalmou, e o livro é uma peça essencial para as pessoas se acalmarem. Então, o livro e o livreiro, nesses tempos agora e no futuro, vão ser uma peça importante, especialmente o livreiro, que faz essa mediação entre o autor, o leitor e o editor”, aponta Chiquinho.

Receio

Ele tem medo que o mundo caia numa espécie de esquecimento, de tão focado que está em combater um vírus e uma doença desconhecidos. “Isso está me preocupando muito, esse negócio de a gente esquecer o que teve de muito bom e hoje só ficar preocupado com essas tensões da saúde pública e da saúde mesmo. Precisamos nos preocupar com a saúde memorialista”, diz. Por enquanto, para manter viva a memória, ele acalenta dois projetos. Quer escrever algo sobre a importância de livreiros e editores ao longo da história da sociedade brasileira.

A ideia é fazer uma pesquisa do início do século 20 até os tempos atuais. Monteiro Lobato nos anos 1920, José Olympio nos 1930, a Editora Martins na década de 1940, a Record em 1950 e por aí vai. A trajetória equivaleria a um roteiro sentimental das editoras brasileiras e o que elas representaram em cada momento da história nacional. “Cada editora teve uma importância na época, uma importância cultural, memorial e depois as editoras foram fechando”, conta. “Quero fazer um roteiro histórico dessas editoras. E ver como vai ser a fidelidade dos leitores com o livreiro diante da pandemia, como vai ser a proximidade, se on-line, ou física, pessoal. Estou nesse interregno de entender como é a história civilizatória da editora, como cada uma descobriu seu nicho, como foi a importância para o Brasil. E quero falar até o ano 2000, a última sendo a Cosac. Nos anos 1990, tem a Companhia das Letras, nos 1980, a Brasiliense, nos 1970, a Perspectiva, nos 1960, a Civilização Brasileira.”

Outro projeto é gravar vídeos com resenhas bibliográficas e entrevistas com especialistas para serem publicados na página da livraria no Facebook. “Quero fazer um breviário bibliográfico de autores. Falando de obras de vários autores e, se der certo, convidar pessoas especialistas em cada área para fazer resenhas bibliográficas”, avisa. É uma tarefa particularmente interessante e desafiadora num momento em que se discute a isenção de impostos para os livros, tidos como produtos de elite pelo atual governo e, portanto, não merecedores de taxas menores. Para Chiquinho, a postura é mais um disparo que pode ser letal para um país que já lê tão pouco. “É mais um ataque ao livro, que já é uma coisa que, materialmente, não se sustenta. É um ataque ao livro, às pessoas que trabalham com livro. Muito duro, porque, se isso passar, vai ser um caos. Será o fim. Fico apreensivo com essas questões. Mas, ao mesmo tempo, tem que trabalhar para o futuro com ideia de deixar um legado bem memorizado, ajudar leitores, professores, educadores e a sociedade no geral a se conhecer”, acredita o livreiro.

 

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