“Não tinha espaço para mim”. É o que conta a atriz Daniele Suzuki, ex-Globo, em uma live realizada em junho, mas reavivada nas redes sociais no último domingo (30/8). Na conversa, Suzuki dá a sua versão para o fato de ter sido cortada do elenco da novela Sol Nascente, exibida entre agosto de 2016 e março de 2017, e o porquê de ter optado por se desvincular da emissora após o ocorrido. O depoimento viralizou entre os internautas, que abriram discussão sobre racismo e discriminação étnica.
Com apenas 21 pontos de audiência, a novela da faixa das 18h foi uma decepção na época. Mas, antes mesmo da estreia, Sol Nascente já apresentava problemas muito maiores do que a falta de público. A trama, que se passava em uma fictícia cidade litorânea, era protagonizada por uma família de descendentes de japoneses. No entanto, para o espanto do público, nenhum dos atores principais tinha ascendência asiática.
O patriarca da família, o japonês Kazuo Tanaka, foi vivido por Luis Melo. E sua filha, Alice, foi vivida por Giovana Antonelli. A justificativa para a escalação controversa seria de que Alice era, na verdade, filha adotiva de Kazuo. Mas a polêmica não para por aí.
Em entrevista realizada pela também atriz Bruna Aiiso no Instagram, Danni Suzuki declarou que a personagem principal de Sol Nascente foi inspirada nela: "Eu era a protagonista da novela. Tinha sido escrita pelo Walter Negrão (um dos autores da trama) para mim. Ele me chamou pra conversar. Pesquisou minha vida. Fez a história de japonês com italiano, que é a minha história. Ela era designer porque eu fiz design industrial, ela surfava porque eu surfava. Enfim, foi toda construída em cima da minha vida real”, conta a atriz, que não foi escalada para o papel.
Quatro anos após o ocorrido, quando Suzuki finalmente falou sobre a situação, seu depoimento viralizou entre os internautas. Alguns se revoltaram e manifestaram indignação, outros julgaram o episódio como racista:
Eu não tive estômago pra ver essa novela com aqueles japoneses falsos. Aquilo foi ridículo e eu me senti pessoalmente ofendida.
— LuCollman (@LuluCollman) August 31, 2020
Danni Suzuki: 38 anos na época da novela
— ravenna (@afffmulher) August 30, 2020
Giovanna Antonelli: 40 anos à época
Não foi por causa da idade, foi racismo mesmo. "Whitewashing", o embranquecimento do papel. https://t.co/BctseGo0CV
Quantas atrizes negras são vistas como dignas de protagonismo? Quantos protagonistas amarelos tivemos na TV brasileira? Quantos protagonistas indígenas?
— Ana Hikari (@_anahikari) August 30, 2020
Qual a representatividade não branca que chega até a sua casa? https://t.co/iQ7S0dgyKy
Na época, o autor Walter Negrão explicou a situação para o portal Ego: "Tentamos achar nos testes uma protagonista japonesa, mas não encontramos uma com status de estrela. Eu precisava disso, a Globo queria uma estrela. Novela tem um custo muito alto, não dá para arriscar".
Outra justificativa dada pela produção, seria de que Danni Suzuki era, na verdade, muito velha para o papel. A contradição é que a escolhida para o protagonismo foi a atriz Giovana Antonelli, dois anos mais velha e, para completar as especulações, esposa do diretor da novela, Leonardo Nogueira.
Em um comentário no Instagram, Antonelli negou as alegações: "Jamais disputei ou troquei papel com esta atriz na minha carreira. Colocar meu nome nesta situação é vergonhoso".
E aí em qual versão vcs acreditam ???? pic.twitter.com/xS3SGPhQa5
— Ester Delamare (@ester_delamare) August 31, 2020
Whitewashing
Em 2016, o elenco de Sol Nacente causou muita revolta e um manifesto foi assinado por cerca de 200 artistas brasileiros com ascendência oriental, questionando a escolha dos atores e pedindo pelo fim da discriminação étnica.
Não foi a primeira acusação de whitewashing — palavra de origem inglesa, que significa ‘branqueamento’ — contra a Globo. No universo audiovisual, seria a escalação de atores brancos em papéis que deveriam pertencer originalmente a pessoas de outras etnias.
Em maio de 2018, por exemplo, a emissora foi acusada novamente de racismo com a novela Segundo Sol, de João Emanuel Carneiro. Ambientada em Salvador, a trama tinha apenas protagonistas brancos. Desta vez, os protestos foram ainda mais fortes e o Ministério Público do Trabalho entrou com uma ação contra a emissora, que reconheceu que precisava "evoluir com essa questão".
Na live ocorrida em junho, Danni Suzuki completou a série de desabafos dizendo que o episódio vivido por ela a fortaleceu, e a motivou a sair da Rede Globo e buscar novos rumos: "Decidi buscar outro caminho, mas não no papel de vítima", declara a atriz, que desabafa: "A escolha deles (Globo) não era compatível com as minhas. Eu usei aquilo para me impulsionar e pra mim aquilo foi um presente; comecei a mergulhar na questão dos refugiados, tirei tempo livre para dirigir o meu documentário". Hoje, Suzuki dirige uma série sobre crianças refugiadas e é integrante da ONG Aldeias infantis, no Rio de Janeiro, que acolhe famílias refugiadas no Brasil.
Em nota, a Globo disse "desconhecer as informações prestadas" e informou que "os critérios de escalação das obras são técnicos e artísticos".
Confira a íntegra da nota:
"Desconhecemos as informações prestadas. Os critérios de escalação das obras da Globo são técnicos e artísticos. São avaliados vários aspectos, como adequação ao perfil do personagem, disponibilidade do elenco, composição total do casting, dentre outros. E essa decisão não cabe apenas a um profissional e sim a um time, composto por autor, diretores e diretoria de Entretenimento da empresa."
*Estagiária sob supervisão de Fernando Jordão
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