Um bom jogo de videogame precisa de uma boa trilha sonora, que serve para criar um clima, ambientar historicamente um universo, dar verossimilhança a cenas e movimentos ou criar alertas e gatilhos que auxiliam a jogabilidade. É aí que o compositor de trilhas sonoras entra na jogada, por vezes fazendo o papel de sound designer e atuando junto aos programadores para criar um som responsivo e dinâmico, capaz de se modificar de acordo com a situação.
O mercado de games tem crescido bastante no Brasil, e Brasília conta com bons estúdios e profissionais da área, sendo considerada um dos polos produtivos do país. O Correio Braziliense conversou com quatro compositores brasilienses sobre os meandros do ofício. Coloque seus fones de ouvido e boa leitura.
*Estagiário sob a supervisão de Igor Silveira
Brincadeiras à parte
O diretor de áudio, compositor, sound designer e programador da Fira Soft, Herman Ferreira, garante que, apesar de prazeroso, trabalhar com jogos não é brincadeira. “Tem muita coisa para fazer e aprender, muito estresse, prazos apertados, e trabalho no final de semana”, explica. Fã, desde cedo, de Nintendo 64, PlayStation 2 e jogos de computador, Herman começou a se dedicar à música também muito cedo, mas não via as atividades como trabalho. “A minha mentalidade era de que eu ia ter um emprego comum, esses hobbies continuariam e vida que segue”, lembra-se. Na faculdade, cursando ciências da computação na Universidade de Brasília (UnB), alguns veteranos viram os trabalhos dele na área programação orientada para áudio e o convidaram para fundar a Fira Soft, na qual permanece como sócio. Ele explica que, para fazer uma boa trilha, é preciso estar atento aos conceitos gerais e específicos do jogo, desde o estilo até o contexto em que a ação ocorre, e cita como exemplo o jogo Kriophobia, no qual trabalha no momento: “Ele se passa na Rússia soviética, então tem referências das músicas folclóricas, instrumentos típicos, e compositores russos da época em que se passa o jogo ou do passado. Como é um jogo de terror, tem a pesquisa de conceitos e referências tanto de jogos clássicos como Resident Evil e Silent Hill como outros jogos e filmes que tenham essa ambientação de terror, com músicas que deixam o jogo com esse feeling mais pesado, de que algo vai acontecer”.
Áudio é visual
O compositor Arthur de Castro, autônomo que presta serviços para clientes como o estúdio Seize, também vê a música como uma arte reativa aos demais sentidos. “Primeiramente, eu busco referências na minha memória, de situações que eu vivi ou compartilharam comigo, coisas que vi, documentários, filmes, jogos. Acho que a música não é somente o que a gente escuta: tem muito do que a gente vê também. É preciso traduzir o que a gente vê”, reflete. Aficionado por música, jogos e animações desde garoto, Arthur começou as primeiras experiências musicais de forma autodidata. Em 2008 entrou para a Escola de Música de Brasília como estudante de piano popular e, lá, foi instigado por uma coordenadora a mostrar suas composições. A coordenadora o indicou para o coordenador de arranjo, que disse que suas músicas eram, na verdade, trilhas sonoras. Em 2010, alguns amigos começaram a formar grupos para criar jogos e Arthur começou a criar as trilhas. Em 2017, um amigo o indicou para o Seize Studios, com o qual colabora. Além de compor trilhas sonoras para jogos, Arthur é artista 3D e animador, entre outros trabalhos ligados à música, edição de áudio e vídeo.
Música ambiente
Seguindo o som do piano que vinha de uma sala do Teatro de Sobradinho, a melodia familiar da música de um videogame, o jovem estudante de trompete Eber Filipe de Oliveira Silva, da Banda Sinfônica de Sobradinho, deparou-se com o futuro amigo Renan Ventura. Entabularam conversa sobre música, além do sonho de fazer faculdade e de viver de arte. Anos mais tarde, Renan convidaria Eber, então estudante de letras, para ser o primeiro monitor da pioneira disciplina de design de jogos da UnB. Lá, conheceria outros amigos com quem fundaria a Level Cap Studios, na qual é sócio, compositor e sound designer. Eber cresceu em um ambiente musical. O pai e os tios, cariocas, eram todos DJs. A mãe era fissurada em ópera. A três metros de casa, onde morava o melhor amigo, tinha roda de samba e capoeira direto. Outro vizinho ensaiava na garagem com sua banda de blues enquanto Eber, andando de bicicleta, aprendia os principais clássicos do blues e do rock. A 10 passos, ficava a igreja que frequentava com o pai e na qual tocavam os melhores músicos da orquestra local. E o Teatro de Sobradinho, onde tomava aulas e a banda se apresentava, ficava a apenas 15 minutos. A paixão pela música brasileira, em especial a negra, está sempre presente nos trabalhos dele, mesmo que sutilmente. “É uma coisa que eu aprendi vivendo. Tudo isso você carrega consigo. São suas referências de mundo”, reflete. “A música tem que puxar a pessoa para dentro daquele universo. Eu tento criar uma ponte com as memórias que as pessoas têm e aproximá-las do mundo com que estou trabalhando.”
Notícias pelo celular
Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.
Dê a sua opinião
O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.