Ao mostrar agressividade e ao interromper o adversário Joe Biden, o presidente Donald Trump escolheu uma tática autodestrutiva durante o debate da noite de terça-feira, de acordo com a avaliação de especialistas. Não bastasse o evidente descontrole em vários momentos, o republicano evitou responder se aceitará uma derrota nas eleições de 3 de novembro e acusou fraude no voto pelo serviço postal. “O presidente dos Estados Unidos se comportou de uma maneira que considero uma vergonha nacional”, disse Biden. As pesquisas realizadas depois do debate apontam para uma vitória do democrata no duelo travado em Cleveland (Ohio). De acordo com a enquete da emissora CBS e do site YouGov, 48% dos norte-americanos consultados viram um desempenho melhor de Biden, contra 41% para Trump. A pesquisa feita pela TV CNN, porém, mostra que o ex-vice de Barack Obama venceu o debate para 60% dos entrevistados contra 28% para o magnata republicano. Ontem, o próprio Obama enviou mensagem de apoio ao amigo. “Joe sabe que isso não é sobre ele — é sobre nós. Faça seu plano para votar agora. Temos de votar como se nossa democracia dependesse disso. Porque é verdade”, escreveu no Twitter.
Os dois candidatos não perderam tempo e retomaram a campanha. Biden fez uma viagem de trem, acompanhado de simpatizantes, pelos estados de Ohio e da Pensilvânia. Trump participou de evento de campanha em Duluth, em Minnesota. Antes de embarcar, alfinetou o rival. “Ninguém quer Joe Sonolento como líder, incluindo a esquerda radical (a qual ele perdeu na noite passada!). Ele desrespeitou Bernie (Sanders, senador), efetivamente chamando-o de perdedor”, disse o magnata. Uma ala do Partido Republicano vê com preocupação o desempenho de Trump por entender que contribuiu para arranhar a imagem do presidente e seu projeto de reeleição. Isso teria ficado evidente nas assertivas de que não haveria meios de organizar uma eleição livre de fraude.
Em entrevista ao Correio, James Naylor Green — historiador político da Universidade Brown (em Rhode Island) — admitiu que a performance de Trump foi “um desastre”. “Ela apenas serviu para fortalecer o seu apoio entre a base de direita. Mas, certamente, não ganhou nenhum suporte entre aqueles que não têm certeza sobre em quem planejam votar”, avaliou. “Isso é especialmente verdade entre as mulheres universitárias de cor branca, que fortemente respaldam Biden. A agressividade incontrolável de Trump e o tratamento dispensado a Biden fizeram o presidente perder votos. Ao mesmo tempo, o republicano nada ofereceu em relação aos planos em um novo mandato e foi incapaz de mudar a narrativa em seu favor.”
Por sua vez, David Dulio, diretor do Centro de Engajamento Cívico do Departamento de Ciência Política da Universidade de Oakland, em Rochester (Michigan), acredita que Biden se saiu melhor. “Ele pôs por terra o padrão de qualidade estabelecido pela campanha de Trump, nas últimas semanas, quando o Partido Republicano questionou a idade do democrata e sua perspicácia mental”, disse ao Correio. “Biden não cometeu nenhum grande erro durante o debate; então, deixou essas preocupações de lado, pelo menos por enquanto.”
Apesar disso, Dulio demonstra ceticismo em relação a uma influência do debate de anteontem na campanha. “Não acho que isso tenho mudado muito a corrida eleitoral. As pessoas geralmente já se decidiram sobre Trump, de uma forma ou de outro. O número de eleitores ‘indecisos’ é pequeno. Não sei se eles conseguiram assistir ao debate por muito tempo”, ironizou. O estudioso da Universidade de Oakland também ressalta que o candidato derrotado iniciará uma ou várias contestações nos tribunais.
Racismo
O tema do racismo ressoava, ontem, horas depois do embate em Cleveland. “A supremacia branca não tem lugar na América. Nós não deveríamos ter de implorar ao presidente dos Estados Unidos para dizer isso”, lembrou Biden, no início da noite. Trump recuou e pediu às milícias de extrema direita que se retirassem e deixassem “as forças da ordem fazerem seu trabalho”. No debate de terça-feira, ele havia convocado o grupo “Proud Boys” a “retroceder e aguardar”. Antes de partir para Minnesota, o magnata desconversou: “Não sei quem são os ‘Proud Boys’”.
Green adverte que Trump instou a milícia a sabotar as eleições e a apuração de votos. “A chave está em 16 estados, que começaram a contar os votos antes de 3 de novembro e que serão capazes de anunciar o resultado naquela noite. Se Biden vencer em todos eles, por grandes diferenças, enviará uma mensagem de que lidera a corrida, ainda que leve mais de uma semana para a apuração das cédulas dos correios. Durante esse período, os republicanos e Trump farão tudo o que puderem para bloquear a contagem dos votos.”
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"A soberania é inegociável", diz Bolsonaro
O aviso de que a soberania brasileira está fora de questão foi feito em uma das seis mensagens publicadas pelo presidente Jair Bolsonaro em seu perfil no Twitter, no início da tarde de ontem. “O candidato à Presidência dos EUA, Joe Biden, disse que poderia nos pagar US$ 20 bilhões para pararmos de ‘destruir’ a Amazônia ou nos imporia sérias restrições econômicas. O que alguns ainda entenderam é que o Brasil mudou. (...) Nossa soberania é inegociável”, escreveu. Bolsonaro garantiu que seu governo realiza “ações sem precedentes para proteger a Amazônia”.
“A cobiça de alguns países sobre a Amazônia é uma realidade. (…) Custo a entender, como chefe de Estado que reabriu plenamente a sua diplomacia com os EUA, depois de décadas de governos hostis, tão desastrosa e gratuita declaração. Lamentável, senhor Joe Biden, sob todos os aspectos”, acrescentou Bolsonaro.
No debate de terça-feira, em Cleveland (Ohio), Biden atacou a política ambiental do governo brasileiro. “A primeira coisa que vou fazer é readerir ao Acordo de Paris. As florestas no Brasil, por exemplo, estão desmoronando”, disse o democrata, que fez um apelo direto às autoridades brasileiras. “Parem de derrubar suas florestas; se vocês o fizerem, enfrentarão graves consequências econômicas”, declarou.
O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, também usou as redes sociais para responder às críticas de Biden, cerca de quatro horas antes da publicação de Bolsonaro. “Só uma pergunta: a ajuda de US$ 20 bilhões do Biden, (sic) é por ano?”, questionou. O brasilianista Peter Hakim — presidente honorário do think tank Diálogo Interamericano (em Washington) — considerou “típica” a resposta do governo Bolsonaro. “Bolsonaro tem encorajado a exploração desenfreada da floresta. Apenas veja quem ele apontou para o Ministério do Meio Ambiente. A alegação de Bolsonaro em relação à soberania é uma fanfarronice”, disse ao Correio.
Hakim sublinha que os comentários de Biden são todos direcionados a temas que ele julga importantes para satisfazer grupos de simpatizantes e para atrair eleitores independentes. “As mudanças climáticas são um grande assunto para a maiora de sua base, e uma preocupação para muitos independentes e alguns republicanos.” Também brasilianista, Kenneth P. Serbin — professor de história da Universidade de San Diego (Califórnia) — disse apoiar os esforços de preservação da Amazônia. “Visitei a floresta por várias vezes, durante minhas pesquisas de doutorado em história do Brasil. A destruição da Amazônia é uma tragédia para toda a humanidade.” (RC)