Reinvenção

Internet se torna aliada dos artistas circenses do DF na pandemia

Circo Teatro Artetude e coletivo Instrumento de Ver compartilham as experiências de reinvenção por meio das redes sociais

O susto da pandemia chegou até o circo rapidamente. Desde o início da quarentena, os artistas enfrentam grandes dificuldades para manter o sustento, como também para provocar as boas gargalhadas. Para manter a chama da cultura viva, o movimento circense se reinventa e investe em novas propostas.

Foi o que aconteceu com o Circo Teatro Artetude, comandado pelos irmãos Saúde. As tendas preenchidas de talento já rodaram todo o Brasil. De acordo com Ankomarcio Saúde, um dos integrantes da dupla e também cofundador do circo, a situação foi uma surpresa para eles. Quando a pandemia chegou no país, havia uma esperança de que a doença não viesse de uma forma tão devastadora.

A primeira iniciativa da dupla foi investir em vídeos para a internet sobre o novo coronavírus. “Tivemos que pensar em novas formas de continuar trabalhando, e foi aí que começamos a dar mais atenção às redes sociais. Começamos a experimentar alguns vídeos para manter a comunicação com o público. Por incrível que pareça, isso começou a gerar uma demanda de trabalho”, conta Ankormarcio Saúde, que também é um dos palhaços da trupe. De acordo com ele, a partir daí foi possível perceber como a internet poderia ser usada a favor do trabalho, mesmo que, no modo presencial, fosse algo corporal e expressivo.

“Logo depois dos vídeos, começamos a receber solicitações das pessoas perguntando quando faríamos a nossa live. Aí nós realizamos a nossa primeira, que chamamos de A life é uma live, e fizemos uma apresentação no quintal da nossa casa (na zona rural de São Sebastião), como se fosse uma praça, imaginando que o público seria aquele celular que estava na nossa frente”, relata o palhaço. A arrecadação do chapéu virtual foi maior do que qualquer outro chapéu já feito pelo circo: R$ 3.600.

Depois da primeira apresentação virtual, os irmãos entenderam a capacidade de alcance dos shows on-line. Desde então, realizaram outras transmissões com o objetivo de ajudar outras pessoas que estão sofrendo com o impacto causado pela pandemia. “Vimos que a força do nosso trabalho poderia ajudar outras pessoas. E que nós, em vez de nos encolhermos diante da pandemia, e fugirmos das nossas funções, nós deveríamos, agora sim, vestir nossos narizes de palhaço, roupas e cores, e levar alegria para as pessoas. Porque o sorriso também cura!”, exclama Ankomárcio.

Embora o formato tenha mudado, o alcance do público também cresce. Segundo Ankomarcio, uma das grandes vantagens da presença nas redes sociais é a possibilidade de fazer quem quiser, sorrir, independentemente das barreiras. “Querendo ou não foi um ganho no meio desse problema todo. Perceber que a internet pode ser sim esse espaço que a gente pode se apresentar e alcançar pessoas de vários lugares, que, talvez, nunca terão a oportunidade de nos ver ao vivo. Essa foi uma questão que nos deixou bastante felizes”, expressou o artista.

Retomada

Depois de mais de 100 dias sem apresentações presenciais, o Artetude participou de um projeto promovido pelo Instituto Cultural e Social (INSC), com apresentações para pessoas em situação de rua que hoje vivem no Autódromo de Brasília. As apresentações seguiam os protocolos de segurança: feitas para poucas pessoas, com distanciamento social e uso obrigatório de máscaras.

Após tantos meses tendo que lidar com o “novo normal”, agora os artistas circenses passam novamente por um momento de reinvenção. “Nós já fizemos apresentações lá para cerca de 40 pessoas, e isso foi incrível, porque a gente tava sentindo muita falta de encontrar com as pessoas. Então é como se estivéssemos começando a readaptar o nosso trabalho novamente, que agora é: se apresentar em espaços maiores, com menos gente, e com o público mais afastado”, conclui o palhação.

Mais uma reinvenção na pandemia


João Vicente Saenger/Divulgação - Coletivo Instrumento de Ver em um projeto chamado #trancaruaabreajanela



Já o coletivo Instrumento de Ver, que roda o Brasil fazendo apresentações, está na batalha da reinvenção há 18 anos. Para a colaboradora Maíra Moraes, agora, mais do que nunca, os artistas passam por um momento “incerto e amedrontador”.

Os colaboradores do coletivo prontamente reformularam a forma de pagar as contas. “Nos perguntamos como faríamos para sobreviver nesse estado de emergência. Respiramos um pouco e tentamos fazer essa transição da forma mais carinhosa possível para todas nós e para que nossas ações reverberassem para além”, conta Maíra.

Apesar de ser um cenário novo para todos, os integrantes do coletivo enfrentavam os desafios da reinvenção há muito tempo. “Ouvimos muito falar de que os artistas vão ter que se reinventar, mas essa palavra é nossa velha conhecida. Criação, invenção, reinvenção... é o que fazemos”, diz a artista.

Para amenizar a situação, logo no início da pandemia o elenco do coletivo planejou uma programação de emergência, adaptando alguns dos projetos existentes para o mundo virtual. A estratégia guiou o caminho, e eles conseguiram se conectar com artistas de diferentes lugares, e aos poucos atenderam ao público.

Apesar das redes sociais estarem sendo o refúgio para tantos artistas, inclusive os circenses, Maíra afirma que desde o início os integrantes do Instrumento de Ver tomaram cuidado para não caírem na “navalha das redes sociais”.

“Nós ainda somos artistas, não somos produtoras de conteúdos ou influencers. As redes sociais têm sido essenciais, pois são o nosso único canal de comunicação com o nosso público. Acreditamos que nosso papel é deixar tudo isso nos tocar e respondermos com circo. Parece óbvio mas neste momento temos nós mesmas que reafirmar nosso lugar no mundo”, explica.

*Estagiária sob supervisão de Adriana Izel