“Você pode dizer que sou um sonhador/ Mas eu não sou o único/ Espero que um dia você junte-se a nós/ E o mundo será como um só...” Rebelde com causa, John Winston Lennon, ao longo de sua trajetória artística, sempre foi contestador, mas, bem mais do que isso, um ativista da paz. Líder dos Beatles, a banda mais popular da história, esse eterno ídolo pop, nasceu em Liverpool, cidade portuária da Inglaterra, em 9 de outubro de 1940. Se vivo estivesse além dos 80 anos de existência, ele celebraria outras tantas décadas de carreira de estrondoso sucesso — marcada também por muitas polêmicas.
A rebeldia de Lennon era perceptível antes mesmo da adolescência. Abandonado pelos pais — ele foi criado como anglicano por uma tia materna. Embora descrito como um jovem alegre e bem-humorado, ao se referir aos pais disse: “Os pais não são deuses. Porque não vivo com os meus, portanto eu sei”. Após formar a banda The Quarrymen, que tocava músicas espirituosas, e da qual se originou os Beatles, fez este comentário: “Uma parte de mim gostaria de ser aceito por todas as facetas da sociedade, e não ser este poeta, músico lunático e barulhento. Mas não posso ser o que não sou”.
Idolatrados no Reino Unidos e em quase todo o mundo, os Beatles se apresentaram no Royal Variety Performance, em Londres, com a presença da rainha-mãe e da realeza britânica. Durante o concerto, irreverente, Lennon fez uma convocação à plateia, que se tornou notória: “Para nossa próxima música, eu gostaria de pedir a sua ajuda. As pessoas nos assentos mais baratos, batam palmas; e o resto de vocês apenas mexam suas joias”.
Em 1966, durante uma entrevista para Maurean Cleave, jornalista do periódico londrino Evening Standard, Lennon foi contundente: “O cristianismo vai encolher, acabará. Somos mais populares do que Jesus Cristo”, referindo-se aos Beatles. A afirmação passou praticamente despercebida na Inglaterra, mas foi tomada como ofensa nos Estados Unidos, onde discos da banda foram queimados pelo grupo fascista Ku Klux Klan.
A paz
O pacifista John Lennon passou a se manifestar mais concretamente em 1967, quando, em parceria com Paul McCartney, compôs o clássico All you need is love. No ano seguinte, os dois fizeram Revolution. Ao contrário de A Chinesa, filme de Jean Luc Godard, lançado à época, que fazia apologia à revolução Maoista, a canção beatle apenas chamava a atenção para aquele momento, com viés pacífico.
Quando se juntou a Yoko Ono, é que a militância pela paz aflorou de vez em Lennon. Eles se casaram em 20 de março de 1969 e, durante sete dias, instalados numa cama em hotel de Amsterdã, na Holanda, receberam jornalistas e fotógrafos de várias partes do mundo, para divulgarem a campanha contra a Guerra do Vietnã. Ali, Lennon fez discurso anti-belicista: “Todos falam de paz, mas ninguém faz nada por ela. A gente pode deixar crescer os cabelos, ou renunciar a uma semana de férias, pela paz. O importante é que ela só pode ser atingida com métodos pacíficos. Combater o sistema com armas é errado. Eles são milhares e ganhariam sempre”.
Tido como indesejados, não conseguiram o visto de permanência para entrar nos Estados Unidos. Resolveram, então, ir para Montreal, no Canadá, onde, por 10 dias, voltaram a promover a campanha iniciada em Amsterdã. Em junho de 1969 daquele ano, gravaram a música Give peace chance (Dê uma chance à paz). Só em 1971, depois do término dos Beatles, é que o casal, finalmente, mudou-se para Nova York. Antes, porém, Lennon tomou a iniciativa de devolver a medalha de honra de membro da Ordem do Império Britânico ao Palácio de Buckingham, em protesto à ingerência inglesa na Guerra de Biafra e o apoio aos EUA na Guerra do Vietnã.
Em Nova York, o casal morou em dois endereços. O primeiro, no bairro boêmio de Greenwich Village; e o segundo, o Edifício Dakota, na esquina da 72nd Street e o Central Park. Naquela cidade, de onde chegaram a ser investigados pelo FBI — pela ligação com o partidos de esquerda — e ameaçados de deportação por Richard Nixon, os dois gravaram os álbuns Imagine, Live in New York City e o Double fantasy. E foi ali que, na noite de 8 de dezembro de 1980, em frente ao Dakota, John Lennon foi assassinado por Mark Chapman, um suposto fã. A morte do ídolo pacifista foi noticiada em todo o mundo, tendo ao fundo o som de Imagine, sua canção de maior popularidade. Hoje, quem visita Nova York poderá se lembrar de Lennon ao visitar o memorial Strawberry Fields.
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Beatlemaníacos
Músicos que cultuam o legado dos Beatles, como integrantes de grupos especializados na releitura da obra da banda inglesa, falaram ao Correio sobre John Lennon, na passagem dos 80 anos do autor de Imagine e outros clássicos da história do rock.
Rodrigo Karashima (Let it Beatles)
• “John sempre expôs suas opiniões sem medo de represálias e isso gerou uma imagem ao mesmo tempo rebelde e pacifista. Nos tempos de hoje, com tantos conflitos, desrespeito e hipocrisia, mas, ao mesmo tempo, com as pessoas um pouco mais conscientes, ele seria ainda mais influente.”
Sergei Quintas (Friends)
• “Se ainda fosse vivo, Lennon faria lindas canções e emprestando sua imagem às causas humanitárias, na luta contra a tirania, o capitalismo selvagem, racismo, xenofobia, misoginia e homofobia e sempre clamando pelo give peace a chance”.
Felipe Fernandes (Bloco do Sargento Pimenta)
• “As canções compostas por Lennon são atemporais e apreciadas por pessoas de diferentes gerações. Visionário, se vivo estivesse, com certeza usaria sua relevância para se alinhar a movimentos que se opõem a ações de lunáticos em países diversos, inclusive o nosso, nos campos da educação, cultura, saúde e meio ambiente.”
Fábio Freire (Beatles para Crianças)
• “Ao me lembrar de Lennon, quando ele completaria 80 anos, penso como seria a presença dele, nos dias de hoje. Certamente seria uma porta-voz das lutas contra todas as injustiças e os absurdos que vivemos; levantaria bandeira a favor das causas feminista e da diversidade; além de compor canções para arejar esses tempos sombrios”.
Palhaço levado a sério
Numa de suas entrevistas, Lennon imaginava que, na velhice, viveria numa casa de praia na Irlanda, cena bem parecida com a que foi mostrada no filme Yesterday, de Danny Boyle, que imagina um mundo em que os Beatles existiram. Um Lennon lembrado por muito poucos.
Bem diferente do mundo real, onde ele é lembrado até pelo aniversário de nascimento, mesmo 40 anos depois da morte.
A efeméride deixa patente a influência que Lennon exerceu sobre a cultura e o comportamento social, a partir da sacudida que ele e outros três fabs deram no planeta, mas também com posicionamentos políticos importantes que vão além da música.
Lennon nunca foi de elaborar canções. Filho do rock’n roll, sempre foi direto, buscando atingir as emoções mais primitivas — gritar, dançar, fazer sexo. Mestre no jogo de palavras — como demonstrou desde Please, please me — só mais tarde, quando trocou a idolatria de Elvis por Bob Dylan, ele as usou para confissões e reflexões.
Suas experiências musicais nunca foram bem-sucedidas. Não tinha a disciplina de produtor, noções estéticas para justificar os atos e nem a curiosidade para buscar efeitos alternativos. Em compensação, era intuitivo, feroz, mágico. E fez uma penca de obras-primas.
Nunca deixou de ser um sonhador; dizia que sua música mais importante era All you need is love. “Eu pensava de verdade que todos nós seríamos salvos pelo amor”, disse. Outras vezes foi premonitório. Só errou quando pensou que estava a salvo. Quando críticos o elegeram Palhaço do Ano, ele respondeu: “Somos humoristas. Todas as pessoas sérias, como Kennedy, Luther King e Gandhi foram assassinadas. Queremos ser os palhaços do mundo”.
Foi quando descobriu que era levado a sério: morreu com quatro balas no corpo, disparadas a queima-roupa.