As fortes raízes sertanejas

Representantes da arte e cultura caipira do centro-sul do Brasil resgatam a ancestralidade do gênero, ao passo que ocupam e se adaptam às novas mídias

Lisa Veit*
postado em 16/10/2020 17:46 / atualizado em 16/10/2020 18:16
 (crédito: LR Fernandes/Divulgação)
(crédito: LR Fernandes/Divulgação)

Na busca de raízes ainda mais profundas e copas mais frondosas e altas, a cultura caipira tem resgatado (com as novas produções e pesquisas) as matrizes da própria sonoridade, do imaginário e das tradições, ao mesmo tempo que deseja ter maior visibilidade, reconhecimento e fomento. A música caipira, por exemplo, materializada na madeira sinuosa e nas (10 ou 12) cordas da viola, resiste ao tempo e à discriminação do mercado fonográfico. Há muito tempo a vertente caipira é associada a uma imagem oposta à modernidade.
“Tem um ditado muito certo que diz, que a música caipira nunca foi sucesso (na grande mídia), mas também nunca deixou de ser sucesso. O que muita gente faz aqui é ainda mais profundo: a busca das raízes ancestrais da música caipira. Muitos investidores (que têm financiado lives) dizem que o nosso produto não interessa o público consumidor deles, que é um público jovem. E nesse momento, embora não pareça, o movimento da música caipira já está muito bem atualizado sobre as novas mídias e sobre as novas formas de participação. É um formato que está consolidado e a música caipira já está convivendo bem com isso”, diz Volmi Batista, violeiro, músico e pesquisador do segmento que, há mais de 40 anos, atua no movimento cultural de Brasília.
Os cantos da manhã, consagrados nas rádios interioranas do Brasil, presentes em programas de tevê como Brasil caipira, ou a tradicional Viola, minha viola, anteriormente apresentado por Moraes Sarmento e Nonô Basílio, e em seguida, pela parceria entre Sarmento e Inezita Barroso, agora também podem ser encontrados nas plataformas digitais e lives nas redes.
A música e outras produções culturais caipiras se adaptam, sem perder a essência identitária, que é muito defendida pelos artistas, em contraste aos “modismos modernos”. O gênero faz parte e registra, com letras profanas ou religiosas, a história e o cotidiano de um povo brasileiro. Em Brasília, e em outras regiões do centro-sul e centro-oeste do país, as produções e projetos de pesquisas seguem sendo realizados, mesmo em tempos difíceis para cultura.

Nove décadas

Em 2019, a música caipira comemorou 90 anos, tendo com referência o primeiro EP gravado da história, em 1929, por Cornélio Pires, que possibilitou a inserção dessa música no meio fonográfico, na rádio e no contexto urbano. Jorginho do sertão, foi a primeira moda de viola, gravada naquele ano, pela dupla Caçula e Mariano. Volmi, que comemorou o aniversário do gênero no Encontro dos Violeiros e Violeiras do DF, promovido pelo Clube do Violeiro Caipira, fala sobre a criação da data comemorativa para o calendário oficial. “Nós estamos com o projeto da criação do Dia Nacional da Música e da Viola Caipira desde de 2016, no Congresso Nacional, em homenagem a esse segmento, que é uma das mais importantes cadeias produtivas da cultura brasileira”.
Assim, a comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania aprovou o projeto que institui 13 de julho, como o Dia Nacional da Música e Viola Caipira (PL 7881/17). Ainda em julho deste ano, o Correio entrevistou grandes nomes da cidade, para falar sobre a iniciativa on-line Viola Central que, para celebrar a data, reuniu um acervo de entrevistas e documentários com violeiros do Distrito Federal. Dentre eles, Aparício Ribeiro, Cacai Nunes, Carol Carneiro, Chico de Assis, Donzílio Luiz, Ivo Amancio, Joaquim de Felipe, Zé Moacir, Zé Mulato, Cassiano, João Pedro da Silva e Alexandre Silva (Advogado e Engenheiro), João Santana, Manoel Araújo de Souza (Zitão), Marcos Maciel, Marcos Mesquita e Vitor Mesquita (Duo Viola Progressiva), Marcello Linhos, Messias de Oliveira, Dyego Violeiro, Pedro Vaz, Valdenor de Almeida, Roberto Corrêa e Volmi Batista da Silva.

Projeto

Pouco tempo depois, entre setembro e outubro, Volmi Batista faz a estreia dupla em uma nova iniciativa do movimento cultural caipira, chamada Caboclo, com o primeiro disco solo, oBatuques e calangos. Esse é o primeiro produto do projeto que é “uma referência etnográfica a uma das figura mais emblemática da formação do povo brasileiro, por ser o resultado de todas as raças e não estar vinculado à cor, religião ou regionalismo: o caboclo. Dessa forma, pretende atuar com as mais diversas linguagens da cultura popular tradicional brasileira e em diferentes formatos, contribuindo na missão de gerar visibilidade a esse rico e pouco conhecido sertão profundo do nosso Brasil”, descreve a sinopse.
Em Batuques e calangos, Volmi descreve uma conversa entre os ritmos que dão nome ao álbum e entre diversas outras expressões da música popular brasileira, como o maracatu, a catira tocantinense, a congada (em Linda cabocla), e ainda, o rock rural (de Mês de agosto).“O disco é composto de 14 faixas, diversificadas tanto na parte rítmica quanto na linguagem poética, tem muito linguajar típico. Contemplo praticamente todas as regiões do Brasil nesse disco, musicalmente falando”, e conta: “Tive a felicidade de gravar, o Canto das fiandeiras, em 2003, quando dona Dona Gercina ainda era viva, faleceu em 2014. A levei para o estúdio, e esse áudio gravado foi usado para fazer o dueto com ela, mesmo depois de ter partido. Gravei duas músicas dela. A outra é Tá tudo errado, que mostra o talento que tinha essa figura popular da Sagarana, em Minas Gerais”.
O disco conta com parcerias como o violeiro Galba, em Calango bambo, além de trazer vocais de Geralda e Mariana, esposa e filha de Volmi. O álbum de estreia pode ser conferido no Spotify, Deezer e outras plataformas, como também no canal do YouTube. Agora, o músico espera a chegada da versão física em CD, para marcar a live de divulgação.
O violeiro caipira também destaca os desafios da produção na pandemia. Diz que sentiu muito não poder contar com a batida original do tambor-onça na canção Batuque da rainha, ou pela mudança feita no ritmo da catira tocantinense, na falta dos pandeirões típicos que não puderam ser levados ao estúdio. “Apesar disso, muitas pessoas que tiveram a oportunidade de escutar gostaram do trabalho e senti que consegui mostrar essa diversidade rítmica e de linguagem da cultura popular”, conclui.

*Estagiária sob supervisão de Igor Silveira

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