Uma paixão redonda

Os discos de vinil reencontram espaço e voltam a ser objeto de desejo também na pandemia do novo coronavírus

Paula Barbirato* - Pedro Ibarra*
postado em 03/11/2020 21:40
 (crédito: Carlos Vieira/CB/D.A Press)
(crédito: Carlos Vieira/CB/D.A Press)

Mesmo com a corrida tecnológica de lançamentos diários nas plataformas digitais de música, o vinil mantém-se no mercado, desde a década de 1940. O vinil voltou a fazer parte do dia a dia dos brasileiros, mas não foi somente o período de reclusão e isolamento social da pandemia que o trouxe de volta. Além da venda de vinis antigos para colecionadores, lançamentos recentes atraem público de todas as gerações e resgatam todo o ritual envolvido no ato de ouvir músicas nas vitrolas.

“Meu pai, nos anos 1990, falava que o CD morreria antes que o vinil”, compartilha Josiele Moreira, sócia da loja Sebo Musical Center, inaugurada pelo pai, Josiel Moreira, em 1989. De fato, o fundador previu vida-longa ao vinil, sem tão pouco imaginar que uma pandemia aumentaria as vendas dos modelos antigos de disco. Uma pesquisa feita pela Recording Industry Association of America (RIAA), organização comercial, a venda de LPs superou a de CDs no primeiro semestre de 2020, fato que não acontecia desde 1986.

“O pessoal estava em casa e queria comprar mais discos para aproveitar o tempo, e também usar o dinheiro que sobrou de saídas, bares, festas restaurantes”, analisa Gabriel de Lara, dono da Boa Viagem Discos. A quarentena ajudou, mas ele garante que o crescimento da procura pelo vinil é prévio a toda essa situação. “Desde que eu comecei a vender, há uns 5 anos, percebo cada vez mais novos colecionadores, além de pessoas começando a ter interesse pelo vinil”, avalia.

O vendedor teve que fechar a loja e transferiu as vendas para o próprio apartamento. Por causa da pandemia, os clientes não podem visitar o acervo, mas ele encontrou uma forma de entregar os discos que ele vende pelo WhatsApp e peloInstagram, Gabriel desce os álbuns da janela do apartamento, no primeiro andar de uma quadra da Asa Norte, por meio de uma sacola e barbante. “Bem rústico, né?”, brinca o dono da Boa Viagem Discos. “Os clientes adoram a invenção”, garante.

Em São Paulo, Rafael Cortez é fundador do selo Assustado Discos e, ao lado da Goma Gringa e do EAEO Records, lojas e produtoras musicais, formam o coletivo chamado Três Selos, um clube de assinaturas de LPs. No começo da pandemia, houve toda uma insegurança acerca dos negócios, mas que, surpreendentemente, mostrou um aumento de procura. “O Três Selos bateu recorde de vendas em maio e junho, com o lançamento de Tulipa Ruiz e de Chico César”, exemplifica.

Mercado

Uma das principais alterações que motivaram essa nova subida do vinil foi o interesse de novas gerações pelo vinil. “Há cinco anos, o que não é muito tempo, o vinil estava na moda, porém era um público consumidor ainda muito definido. Oitenta por cento dos compradores de vinil eram homens entre 40 e 60 anos”, explica João Marcondes, sócio e cofundador da loja de discos Marcondes & Co., no ramo há cinco anos, participando e organizando feiras de vinil.

O disco começou a ser mais cobiçado quando os jovens, enfim, entraram na equação. “Houve um salto muito grande de consumo, principalmente nos últimos dois ou três anos. A galera millennial entrou com muita força e muitos começaram a recomprar também”, conta Marcondes. O interesse ao que está na moda, refazer coleções de parentes, heranças, reconectar-se com passado, são vários os motivos dos compradores de vinil, mas foi por essa nova onda de consumidores que o vinil voltou a ser cobiçado.

“O que tem acontecido com o mercado de fato é o aumento dos preços, as pessoas até reclamam, mas é inevitável, aumentou muito a demanda”, explica o sócio da Marcondes & Co.. “Certos discos que eram comuns começaram a sumir. Hoje, não é mais fácil achar um Led Zeppelin ou um Pink Floyd, que, antigamente, eram comuns, você comprava a R$ 50”, completa.

Ritual

Retirar o vinil da capa, limpá-lo, preparar a vitrola, posicionar a agulha. O processo envolve um ritual, para muitos, mais atraente, do que colocar e clicar em alguma música no Spotify, por exemplo. “Você senta para escutar o vinil. Não coloca para tocar e sai para fazer outra coisa. Existe a curiosidade de saber a ficha técnica, para ver quem está no solo de guitarra. O vinil carrega todo um comportamento.”, ressalta Josiele. “A gente entende que o vinil é tratado como um objeto de arte”, complementa Rafael.

“Muitas pessoas usaram a música para criar relações dentro de casa, vi gente comprando vinil para mostrar uma música para o filho e quebrar o gelo da conversa”, exemplifica João Marcondes. “Ouvir vinil tem todo um ritual envolvido, você manuseia a música que vai ouvir”, completa.

Ao lado do irmão Paulo Moreira, Josiele relembra que aprendeu a gostar de vinil na infância, quando escutava com o pai. Em 40 anos, nunca deixou de ouvir o estalo rústico característico do modelo de disco. Sentar na poltrona, colocar um fone de ouvido e parar para apreciar o álbum são lembranças de Josiele. “Isso faz com que o vinil seja especial”, pontua.

 

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