MÚSICA

Em entrevista ao Correio, Paulinho da Viola se mostra clássico e atual

Um dos músicos mais importantes do país fala sobre o novo disco, 'Sempre se pode sonhar', lançado nas plataformas digitais

Irlam Rocha Lima
postado em 07/11/2020 07:00
 (crédito: Marco Froner/Divulgacao)
(crédito: Marco Froner/Divulgacao)

Meu tempo é hoje, nome de um samba de Paulinho da Viola, deu título a documentário sobre ele, de 2003, dirigido por Izabel Jaguaribe. O cantor e compositor carioca tem como hobby a carpintaria, porém, não é afeito às novas tecnologias. Com toda sua vasta obra registrada em LPs e CDs, pela primeira vez, lança um álbum nas plataformas digitais. Sempre se pode sonhar, gravado ao vivo em 2006, no Teatro Fecap, em São Paulo, demorou 14 anos para chegar ao público, mas quem for ouvi-lo, verá que a música desse artista icônico da cultura popular brasileira mantém-se atemporal.

Paulinho lembra que, quando o amigo Homero Ferreira lhe propôs um projeto para reabrir o teatro da Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado (Fecap), imaginou que seria para a apresentações num fim de semana, mas, na verdade, era para cumprir temporada de cinco semanas. “O teatro, com ótima acústica, tinha um estúdio anexo”, lembra. Todos os shows foram gravados e, depois, escolhido o melhor registro de cada música para o repertório do disco — trabalho realizado por João Rabello, filho e violonista da banda do cantor.

Sempre se pode sonhar traz na íntegra todo o setlist do show — 22 faixas. Predominam composições autorais, entre as quais Coração leviano, Coisas do mundo minha nega, Dança da solidão, Onde a dor não tem razão, Timoneiro e Tudo se transformou. Há duas músicas de Paulinho que ele ainda não havia gravado, Para mais ninguém, que Marisa Monte incluiu no CD Universo ao meu redor; e a que dá nome ao álbum, feita em parceria com Eduardo Gudim, presente em Um jeito de fazer samba, disco do compositor paulistano.

Outros destaques são as homenagens a Cartola (Fiz por você o que pude), Lupicínio Rodrigues (Nervos de aço) e Sidney Miller (Nós os foliões); e o set de choros que inclui Cochichando e 1x0 (Pixinguinha), Vibrações (Jacob do Bandolim) e Um choro pro Waldir — este uma parceria de Paulinho da Viola com Cristovão Bastos. A única faixa inédita é Ela sabe quem eu sou, um samba que mantém o nível de excelência do trabalho do artista carioca em 50 anos de carreira.

Neste projeto, com direção-geral de Homero Ferreira, o cantor tem ao seu lado o grupo que o acompanha há muitos anos, formado por Cristovão Bastos (piano), João Rabello (violão), Dininho Silva (baixo), Hércules Nunes (bateria), Celsinho Silva (pandeiro e percussão) e Mário Sève (sax e flauta). Há a participação de dois convidados, os chorões paulistanos Israel Bueno (violão) e Izaías Bueno (bandolim). A bela capa tem a assinatura do mestre Elifas Andreato.

Em entrevista exclusiva ao Correio, Paulinho da Viola faz comentários sobre o Sempre se pode sonhar, fala de aspectos da sua trajetória, diz o que vem fazendo durante a longa quarentena; e revela que tem material para lançar um disco de músicas inéditas, depois de vários anos. Com veemência, critica “o descaso total” de como a cultura vem sendo tratada atualmente no país, por quem detém o poder. “O que tem levado artistas de diversas áreas a ficar sem trabalho”.

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Entrevista/Paulinho da Viola

 (crédito: Marco Froner/Divulgação - Reprodução)
crédito: Marco Froner/Divulgação - Reprodução

Por que este disco demorou tanto para ser lançado?


É um disco ao vivo, que resultou de show com o qual cumpri temporada de cinco semanas no Teatro Fecap, em São Paulo, há 14 anos. Todas as apresentações foram gravadas, mas na época não me interessei em ouvir. O material ficou guardado. Eu havia lançado o Acústico MTV pela Sony Music e eles queriam que eu fizesse outros discos, mas isso não ocorreu. Para resolver a pendência, em conversa com a nova direção da gravadora falei que tinha essa gravação. Como gostaram, meu filho João Rabello e o técnico de som, que trabalha comigo até hoje, ouviram tudo e, então, foram selecionadas, de cada show, as músicas que estão registradas no disco. É o repertório na íntegra.


O que achou do resultado?

Ainda não ouvi tudo. Vou ter que me acostumar com esta nova tecnologia. Sou de um tempo diferente, o dos LPs e dos CDs. Não vou abandoná-los, assim como não vou deixar de lado os livros que adquiri ou ganhei, ao longo da vida.


Eles têm feito parte do seu cotidiano durante a quarentena?

Como falei, tenho ouvido bastante música e me dedicado ainda mais à leitura de livros, além de tocar violão com maior frequência, até porque desde março não tenho viajado para fazer show. Estava com a agenda cheia, mas, agora, tenho que esperar, para ver quando retomo as atividades artísticas. Impossibilitado de encontrá-los, converso com meus amigos pelo telefone.

Tem composto também ultimamente?

Sim. É outra coisa a que tenho me dedicado. Há músicas prontas, outras esboçadas e ainda algumas melodias de samba. Embora há anos tenho usado mais o cavaquinho em shows, para compor utilizo o violão. Tenho feito isso quase que diariamente. Há por exemplo um samba que fiz para homenagear o Elton Medeiros, quando ele completou 80 anos, mas que continua inédito, em termos de gravação.


Quer dizer que há possibilidade de lançar um disco com músicas inéditas em breve?

Eu diria que em breve teria músicas para isso. Meu processo de criação é diferente de outros colegas da música, que costumam compor com frequência. Comigo as coisas levam um tempo maior. Mas acredito que em 2021 devo lançar um disco de inéditas.


Além de Ela sabe quem eu sou, a única inédita do álbum que está lançando, lembra de músicas que compôs nos últimos anos e que foram gravadas por outros cantores?

Claro. A pedido de minha filha Beatriz Rabello compus Bloco do amor, que deu nome ao primeiro disco dela. Fiz também Para mais ninguém, que Marisa Monte gravou no CD Universo ao meu redor; e Sempre se pode sonhar, parceria com Eduardo Gudin, faixa do disco dele Um jeito de fazer samba.


No repertório de Sempre se pode sonhar, você inclui clássicos de sua obra, e músicas de mestres como Pixinguinha, Cartola, Lupicínio Rodrigues. Elas soam como homenagens. É isso mesmo?

Com certeza. São compositores que me influenciaram bastante. Mas tem também uma música do Sidney Miller, artista da minha geração. Certa vez ele me entregou uma fita cassete com Nós os foliões. Gostei muito da música e gravei no LP A toda hora rola uma história, de 1982. A inclui no roteiro do show e foi transposta para o disco.


Com os antológicos Cochichando, de Pixinguinha, Vibrações, de Jacob do Bandolim, e outros mais, o choro está presente no disco. O que este gênero musical representa para você?

O choro faz parte da minha formação. Como meu pai fazia parte o conjunto regional Época de Ouro, criado por Jacob do Bandolim, na infância e na adolescência já ouvia muito choro em casa. Em 1969, escrevi com o jornalista e crítico musical Sérgio Cabral o roteiro do show Sarau, que tinha a participação do Época de Ouro. O Jacob, que já havia morrido, foi substituído pelo bandolinista Déo Ryan. O show foi um grande sucesso e repercutiu muito. A partir dali o choro passou a ser bem mais valorizado e na década seguinte foram criados clubes do choro em algumas capitais, inclusive em Brasília, no qual me apresentei na inauguração.


O samba e o choro são pilares de nossa cultura popular, que vive tempos difíceis. Qual é sua visão deste setor da vida do país atualmente?

Há um descaso total com a cultura do país. Na direção de importantes instituições estão pessoas que não têm nenhum compromisso com a cultura. Há um número expressivo de profissionais da área que está sem trabalho e vários locais onde eram apresentados shows e outros espetáculos sendo fechados. Tudo isso é muito preocupante.

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