Na tênue linha da vida

Diretora do documentário sobre o cineasta Hector Babenco, Bárbara Paz se destaca em que personalidades femininas despontam nas estreias de cinema

Roberta Pinheiro
postado em 25/11/2020 22:19
 (crédito: Primeiro Plano/Divulgação)
(crédito: Primeiro Plano/Divulgação)

Parar, definitivamente, não era um verbo pertencente ao vocabulário do cineasta argentino naturalizado brasileiro Hector Babenco. “Estar filmando” era viver um dia a mais. O tempo era curto e uma grande obra ainda não havia sido feita — dizia ele, indicado ao Oscar de melhor direção em 1986, pelo longa O beijo da Mulher Aranha. Até os últimos dias de vida, aos 70 anos, após uma batalha de mais de 30 anos contra o câncer, seu coração tentou resistir. Ele teve quatro paradas cardíacas. “Alguém tem que ouvir o coração e dizer: parou”, afirmava Babenco.
Hoje, 34 anos depois, um documentário narrado por ele, cantarolando “I’m in Heaven, and my heart beats so that I can hardly speak” (Eu estou no céu, e meu coração bate tanto que mal posso falar, em tradução livre) — canção clássica de Fred Astaire —, filmado, produzido e dirigido pela amada esposa e atriz Bárbara Paz representa o Brasil na disputa por uma vaga na mais importante premiação do cinema. Apesar do nome e da filmagem em preto e branco, Babenco — Alguém tem que ouvir o coração e dizer: parou é, acima de tudo, o retrato de um olhar apaixonado. Primeiro, o de Bárbara pelo marido com quem viveu seis anos. Segundo, o de um homem que escolheu o Brasil como, não apenas cenário dos filmes, mas moradia e que, como exímio observador do tempo, do espaço, das mazelas humanas, do ser humano, amava a arte e o cinema.
“Tudo começou em um leito de hospital. Fiquei com medo de que não houvesse mais tempo de registrar esse homem, a paixão por esse homem. Queria que todo o mundo escutasse as coisas que eu escutava, enxergasse além dos filmes deles, o pensador que ele era, que lutava para se manter vivo. Fazer cinema era algo que mantinha ele vivo”, relembra Bárbara sobre o nascimento do projeto. “Ele topou, confiava plenamente no meu olhar. Ele perguntou quando começamos e eu respondi: já comecei”, acrescenta aos risos.
Nessa imersão na vida e na obra de Hector Babenco, as cenas se misturam entre imagens gravadas em casa, nos hospitais, ensinamentos do cineasta para a diretora sobre o uso da lente de câmera, por exemplo, a troca de olhares apaixonada, as mãos que se entrelaçam pela confiança, entrevistas antigas do argentino, além de trechos de filmes do diretor de longas como Pixote: a lei do mais fraco (1981) e Carandiru (2003). Diante dos olhos de Bárbara e, agora do mundo, Babenco desnuda medos e anseios, memórias, reflexões, processos criativos e o amor pela arte, em um confronto entre o corpo debilitado e a mente em plena atividade.
O documentário, que chega esta semana aos cinemas teve a estreia mundial no ano passado, durante o Festival de Veneza, quando recebeu o prêmio de melhor documentário na Mostra Venice Classics e o prêmio Bisato D’Oro 2019 (Prêmio paralelo ao 76º Festival Internacional de Cinema de Veneza dado pela crítica Independente). Babenco — Alguém tem que ouvir o coração e dizer: parou também já conquistou o prêmio de melhor documentário no Festival de Mumbai (Índia).

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Visões delicadas

 (crédito: Luiz Alves/ agencia Pressphoto)
crédito: Luiz Alves/ agencia Pressphoto

Num contraponto à figura masculina de Hector Babenco, um time de produções nacionais dá vazão a fortes personagens femininos, com os novo longas Mulher oceano, Boni Bonita e Pacarrete. Esse último, é uma produção nordestina e que mostra um passado de glórias para uma protagonista envelhecida e algo rancorosa, pouco disposta a se sintonizar com novas realidades. Pacarrete é interpretada com garra por Marcélia Cartaxo, no filme que foi consagrado, ano passado, no Festival de Gramado, e que, pela pandemia, apenas agora chega às telas do país.
Melhor filme (júris oficial e popular), melhor atriz, direção, roteiro e atores coadjuvantes (Soia Lira e João Miguel) consagraram Pacarrete em Gramado. O filme de Allan Deberton analisa a dolorosa realidade de uma bailarina tida como insana no interior do Ceará. Ela, pela vez, luta para se provar interessante e habilidosa nas artes.
Também imersa nas artes, uma das protagonistas de Mulher oceano puxa a trama do longa de estreia da diretora Djin Sganzerla. O filme, com roteiro de Djin (filha dos renomados Helena Ignez e Rogério Sganzerla) e de Vana Medeiros, mostra uma escritora, isolada em Tóquio, ao lado do marido diplomata, que se vê ligada à outra mulher, moradora do Rio de Janeiro, e que tem por desfio o nado e o teste de atravessar 35 quilômetros da área entre o Leme e o Pontal da Barra. As transformações internas femininas norteiam o filme que conta com as participações de Lucélia Santos, Stênio Garcia e Jandir Ferrari. Atriz de Meu nome é Dindi e Falsa loura, Djin, constantemente, reforça que a genética a predispõe à criatividade.
A ausência temporária de inspiração de um roqueiro chamado Rogério (Caco Ciocler) é o ponto de partida para o longa Boni Bonita, assinado por Daniel Barroso. Versando sobre ponte de afetos entre um brasileiro e uma moça argentina, papel de Ailín Sales, Boni Bonita trata de desafios como o fato de ela ter 17 anos e, ele, 38, de machismo e de relações díspares. Os cantores Otto e Ney Matogrosso completam o elenco.

Colaboraram Ricardo Daehn e Geovana Melo sob supervisão de Igor Silveira

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