Cinema

Confira crítica do impactante filme 'Monos: entre o céu e o inferno'

Candidato colombiano à vaga na seleção do Oscar para 2021, 'Monos: entre o céu e o inferno' é brutal e incisivo nas críticas a uma sociedade nunca unificada

Alegórico, antes de mais nada, o longa colombiano dirigido por Alejandro Landes já puxa polêmica a partir do título: Monos: Entre o céu e o inferno. Uma tradução levantaria o comparativo de macacos para se referir a personagens sul-americanos, então veio a precaução de manter o original. Longe de estigmatizar, a questão de macaco faz menção ao tipo de convívio dos personagens, amontoados e com comportamento de manada.

Num andamento febril, Monos dá conta do exame de uma sociedade afunilada a partir da presença de elementos tirânicos. Sem muita explicação, o espectador é jogado num campo minado, estabelecido no meio da selva. Embebidos num contexto de poliamor e de agressividade, os protagonistas são acomodados numa realidade rigorosa de treinamentos de guerrilha, num combate ao que seria um governo, e resta ao público sondar sobre a lógica do grupo bastante acidentada e cheia de transgressão.

Em meio à instabilidade, que remete à complexa anarquia de um país que viu cruzar Farc, narcotráfico, poderes paralelos e governo, o filme colombiano mostra a formação e certo descompromisso dos jovens que têm por missão manter sob vigilância uma engenheira americana.

O cinema de Alejandro Landes instaura uma pitada de referência pop e vem revolvido por caos. Na liberdade criativa, o registro lembra filmes contestadores do italiano Pasolini, e, dada a urgência, encaminha como eco do francês Cyril Collard (de Noites selvagens). Entre muita pancadaria e certa bestialidade, os personagens recriam uma comunidade paralela povoada por jovens de codinome Smurf, Pé Grande e Boo Boo, além de serem brindados com uma vaca batizada de Shakira. Nos quesitos técnicos, o longa tem ambientação sonora convincente de Mica Levi e uma fotografia bastante caprichada que se vale do esplendor da natureza bruta.

Enigmático, Monos tem uma cadência provocativa, muito sintonizada com a do drama grego Attenberg (de Athina Rachel Tsangari), mesmo que trate de ambiente bélico. Desestruturante, a narrativa só fica arranhada pela proposta final bastante confusa. Mas um dos desfechos é muito gritante e metafórico: com a imagem de uma pororoca, parece expôr a atual experiência de cisão de valores e de conceitos defendidos nas fações de um povo que se equilibra, pé por pé, entre uma plataforma de estado repleto de fissuras. # # # #