LITERATURA

Nem tudo se recria

Devana Babu*
postado em 11/12/2020 08:40
 (crédito: Thaís Mallon/Divulgação)
(crédito: Thaís Mallon/Divulgação)

Um dos melhores jornalistas de sua geração, José Rezende Jr., 61 anos, levou seu raro talento com as palavras para o mundo da literatura em 2005, com o livro de contos A mulher gorila e outros demônios. Desde então, a qualidade de seu texto é cada vez mais reconhecida. Em 2010, com a coletânea Eu perguntei pro velho se ele queria morrer (e outras histórias de amor), venceu o Prêmio Jabuti. E, agora, seu primeiro romance, A cidade inexistente, é finalista do Oceanos, um dos maiores prêmios literários da língua portuguesa.

Lançado em 2019, o livro, que também foi finalista do Prêmio São Paulo de Literatura deste ano, tem como premissa uma cidade do interior que será inundada para a construção de uma usina hidrelétrica. Enquanto um velho e um cachorro se recusam a deixar a localidade, em um ato de resistência, os demais moradores se mudam para outra, idêntica, construída pelo governo. Até o relógio da praça, com os ponteiros eternamente parados ao meio-dia, foi fielmente recriado na Cidade Nova. “Aos poucos, as pessoas vão percebendo que, embora seja igual, não é exatamente igual. Faltam os passarinhos, os loucos, os fantasmas. A Cidade Nova não tem tempo de construir seus fantasmas”, poetiza o autor, em entrevista ao Correio.

Nessa trama principal, enredam-se as dos outros personagens, em uma estrutura que se assemelha à de um mosaico de contos, gênero no qual Rezende Jr. tem mais experiência. “Escrevi um conto, e, quando terminei, senti que não estava pronto. Senti que tinha muitas pontas, que eu queria saber mais sobre alguns personagens e sobre aquelas histórias. Comecei a puxar essas pontas e nasceu o romance, um pequeno romance de 82 páginas”, explica.

O ponto de partida desse conto inicial, por sua vez, foi a lembrança de um fato ocorrido há duas décadas. Nascido em Aimorés, pequena cidade de Minas Gerais, o escritor acompanhou a inundação de uma cidade próxima e ainda menor, Itueta, para a construção de uma usina. “As pessoas foram retiradas de suas casas, indenizadas, bem ou mal, e levadas para a nova Itueta. Não tiveram escolha”, lembra, ressaltando que a situação é corriqueira no Brasil. “Praticamente em todo estado onde participei de eventos literários e falei sobre o livro, alguém sempre me perguntava: ‘Isso é inspirado na cidade tal, que tem a 200km daqui?”, conta o autor, que nunca teve como objetivo escrever algo panfletário. “O livro não é um panfleto contra as hidrelétricas, contra o progresso. É uma reflexão sobre as pessoas que são arrancadas de suas cidades, de sua terra natal, e levadas à força para uma outra cidade, que, por mais igual que seja, nunca é igual”, esclarece.

*Estagiário sob a supervisão de Humberto Rezende

 

 

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